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Caracterização da produção acadêmica brasileira sobre a sala de aula invertida

Marcelo Valério

marcelovalerio@ufpr.br

orcid.org/0000-0003-2107-6023

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jandaia do Sul, Paraná, Brasil

Carlos Roberto Beleti Junior

carlosbeleti@ufpr.br

orcid.org/0000-0002-0158-8673

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jandaia do Sul, Paraná, Brasil

RESUMO

Com a intenção de mapear e caracterizar a produção acadêmica brasileira sobre a sala de aula invertida, este artigo apresenta os resultados bibliométricos de uma revisão de literatura, considerando as produções em língua portuguesa publicadas na última década no Brasil. Sala de aula invertida é um arranjo didático que consiste em três  processos: estudo prévio extraclasse, pelos estudantes; produção e mediação dos conteúdos via tecnologias digitais de informação e comunicação, pelos professores e instituições; e encontros presenciais baseados em metodologias ativas. Os promissores resultados de pesquisa e relatos de experiência têm autorizado sua interpretação como tendência educativa. Mas, diferente do que já acontece em outros países, há poucas revisões e sistematizações da produção acadêmica no Brasil, o que impõe o risco de que a adoção e a defesa do modelo estejam baseadas em evidências descontextualizadas. Neste estudo, identificaram-se todos os registros da expressão sala de aula invertida nos títulos de trabalhos acadêmicos produzidos entre 2008 e outubro de 2018, com o uso das ferramentas de pesquisa e alerta do Google Scholar. O mesmo parâmetro foi utilizado no catálogo de teses e dissertações da CAPES. Foram selecionadas 119 produções, e tais, caracterizadas de acordo com seguintes critérios: ano de publicação, tipo de trabalho, fonte, abrangência (do evento) ou qualidade da fonte (Qualis-CAPES), escopo, abordagem metodológica, objetos de estudo, instrumentos de análise, área de conhecimento e nível de ensino. A tabulação dos resultados estabelece um panorama da produção nacional sobre a sala de aula invertida, à disposição dos profissionais e instituições interessadas e sugere caminhos para a pesquisa sobre esse fenômeno educativo no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Sala de aula invertida. Metodologias ativas. Bibliometria.

POR QUE ESTUDAR A PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA SOBRE A SALA DE AULA INVERTIDA?

A próxima aula acontecerá apenas em uma semana, mas os celulares dos alunos já avisam que novos materiais estão disponíveis no repositório on-line. O professor disponibilizou dois vídeos curtos sobre o novo conteúdo a ser estudado na disciplina. Um dos vídeos foi produzido e editado pelo próprio docente, e o segundo selecionado do acervo de um professor estrangeiro na rede web. Entre os arquivos, constam também as notas de aula para estudo prévio dos alunos e um pequeno conjunto de testes sobre o assunto a serem resolvidos em uma plataforma digital. Os acessos e os resultados do estudo da turma vão sendo monitorados a distância pelo professor, antes do encontro presencial, por meio de recursos das próprias ferramentas on-line. Aquilo que o docente percebe e identifica é levado em consideração no planejamento da aula. Já em sala, professor e alunos revisam brevemente os materiais estudados e registram as principais dúvidas. O professor reúne os estudantes em pequenos grupos de acordo com os resultados das tarefas feitas antecipadamente. Problemas específicos são oferecidos a cada grupo e o professor acompanha o processo de resolução. Alguns membros são trocados de equipe, de modo a contribuir com colegas que não estão conseguindo avançar. Novas dúvidas surgem e o professor pede que alguém relate suas estratégias para que a turma avalie e debata. O docente constata diferentes níveis de domínio e compreensão e, então, reagrupa os estudantes. Outros desafios são propostos e o professor toma nota das principais lacunas de conhecimento. A aula termina. O professor repensa os materiais e atividades que havia planejado para a aula seguinte.

Este primeiro parágrafo narra, de modo exemplar, acontecimentos possíveis em uma sala de aula invertida. Trata-se de arranjar o tempo e os fazeres didáticos de modo a inverter a lógica da tradição pedagógica. Ao invés de tomarem contato com os conhecimentos pela primeira vez em sala e operacionalizar – posterior e isoladamente – os conteúdos, os estudantes passam a estudar previamente e aproveitar o tempo em sala para no coletivo, esclarecer, desenvolver e aplicar os novos saberes. Basicamente, três elementos têm sido reunidos para descrever as iniciativas de implantação da sala de aula invertida: o estudo prévio extraclasse, pelos estudantes; a produção e mediação de conteúdos via tecnologias digitais de comunicação e informação (TDIC), pelos professores e instituições; e encontros presenciais onde o ensino é centrado no estudante (ECE) por meio de metodologias ativas (MA).

Valério e Moreira (2018) sugerem que as origens da sala de aula invertida remontam a três trabalhos fundamentais, situados nos Estados Unidos: o artigo em que Lage, Platt e Treglia (2000), em uma disciplina Microeconomia para o ensino superior, apresentam a sala de aula invertida como “método de ensino” (sic) adequado ao enfrentamento da diversidade de ritmos e estilos de aprendizagem dos estudantes; à “comunicação curta” de Mazur (2009) na prestigiada revista Science, quando o professor apresenta preciosos resultados da utilização do método de instrução-por-pares no ensino superior em Física; e à iniciativa de Bergmann e Sams (2012), em livro que narra a experiência de sucesso dos dois professores com seus estudantes da educação básica na área de Química.

Desde então, e sobretudo na última década, a sala de aula invertida vem chamando a atenção de professores, pesquisadores, gestores educacionais e formuladores de políticas em educação, considerando haver nela grande potencial para a o enfrentamento ou superação do ensino transmissivo e da tradição expositiva (JOHNSON et al., 2014; BERGMANN; SAMS, 2012). As primeiras experiências em universidades e escolas estadunidenses estabeleceram um crescente interesse de pesquisa acadêmica e uma entusiasmada cobertura midiática (BART, 2013; JOHNSON et al., 2014; ZAINUDDIN; HALILI, 2016). Assumida como um modelo inovador e bem-sucedido no exterior, a sala de aula invertida chega ao Brasil repercutindo na imprensa (VALÉRIO; MOREIRA, 2018) citam várias reportagens em revistas e jornais de grande circulação); e mobilizando políticas institucionais, sobretudo no ensino superior privado, como o consórcio de dezenas de universidades citado por Valente (2014).

Ocorre, contudo, que a complexidade dos fenômenos educativos, a peculiaridade das tradições de pesquisa, a distância entre os contextos socioculturais e a importância de referenciar socialmente as transformações pedagógicas e didáticas, tornam discutíveis a apropriação e o açodamento da adoção e implantação do modelo sala de aula invertida no Brasil. E justifica-se, assim, a necessidade de um acompanhamento atento da produção acadêmica nacional, sobre como esse fenômeno educativo tem sido considerado e abordado.

Ademais, mesmo que as revisões de literatura já desenvolvidas no exterior ainda não apontem o Brasil como lócus importante de pesquisa sobre a sala de aula invertida, a possível repercussão do tema nas políticas públicas e institucionais também requer esse esforço de identificação e descrição do panorama geral da produção acadêmica brasileira.

O QUE A LITERATURA NOS DIZ SOBRE A SALA DE AULA INVERTIDA COMO TEMA DE PESQUISA

Nos últimos anos, o crescimento da produção acadêmica internacional sobre a sala de aula invertida foi exponencial. A extrapolação pública dos resultados, majoritariamente positivos, contribuiu para que a academia se esforçasse em produzir também revisões sistemáticas, meta-análises e análises críticas. Esses trabalhos permitem compreender mais claramente as características da tradição de pesquisa que está se instalando (sujeitos e objetos de pesquisa, abordagens metodológicas, áreas de aplicação e investigação etc.), além de pôr em discussão as origens, a legitimidade e o alcance das evidências já apresentadas.

Nesse sentido, destacam-se as produções de Bishop e Verleger (2013), Giannakos, Krogstie e Chrisochoides (2014), O’Flaherty e Phillips (2015), Huber e Werner (2016), Zainuddin e Halili (2016) e Karabulut-Ilgu, Jaramillo Cherrez e Jahren (2017). Nestas análises, a primeira constatação é de que os resultados das investigações empíricas e relatos de experiências sobre a sala de aula invertida oferecem resultados promissores. O conjunto de produções sobre o tema sinaliza haver interações mais frequentes e producentes entre professores e alunos e entre os próprios alunos; maior oportunidade de trabalho individualizado adequado ao ritmo dos alunos; incremento em habilidades comunicativas de pensamento crítico e resolução de problemas; e melhora significativa no clima de aprendizagem, desempenho e frequência dos estudantes.

Ocorre, entretanto, que essas mesmas revisões chamam a atenção para o fato de que as pesquisas se concentram em contextos socioculturais e ambientes educativos bastante singulares. Ou seja, os vieses culturais exigiriam cautela no estabelecimento de comparações e paralelos transnacionais, principalmente na extrapolação dos dados. Ilustrando esse argumento, deve-se considerar que a maior parte dos trabalhos sobre a sala de aula invertida, foi produzida na América do Norte e se ocupa das áreas científicas e engenharias (GIANNAKOS; KROGSTIE; CHRISOCHOIDES, 2014; HUBER; WERNER, 2016).

Não obstante, talvez pela ausência constante de referenciais teóricos de fundamentação e análise, ou pela grande diversidade das iniciativas investigadas, a produção acadêmica sobre a sala de aula invertida também é criticada pela falta de rigor e objetividade (BISHOP; VERLEGER, 2013; ABEYSEKERA; DAWSON, 2014; GIANNAKOS; KROGSTIE; CHRISOCHOIDES, 2014; O’FLAHERTY; PHILLIPS, 2015; HUBER; WERNER, 2016). Os estudos baseiam-se em evidências indiretas e discutíveis, privilegiando investigações sobre o desempenho e as percepções dos estudantes frente às experiências com a sala de aula invertida (O’FLAHERTY; PHILLIPS, 2015; LONG; CUMMINS; WAUGH, 2016; DELOZIER; RHODES, 2017). Surveys e testes padronizados de desempenho avultam entre os métodos de investigação, havendo ainda pouca presença de análises documentais, entrevistas ou abordagens qualitativas (com métodos de observação ou grupos focais, por exemplo) (GIANNAKOS; KROGSTIE; CHRISOCHOIDES, 2014; O’FLAHERTY; PHILLIPS, 2015; ZAINUDDIN; HALILI, 2016).

No Brasil, em particular, ainda são poucos os trabalhos de revisão ou meta-análises oferecendo uma visão ampliada sobre as experiências e pesquisas a respeito da sala de aula invertida. Portanto, importa compreender como, e se, o tema se transforma em interesse de pesquisa, sobretudo nas áreas de Educação e Ensino. Deve-se ressaltar que, mesmo antes de se instalarem como tradição nos periódicos, novas temáticas repercutem nos eventos acadêmicos, onde já costuma ser possível identificar e caracterizar os primeiros esforços.

Seguramente já há produções de qualidade publicadas no Brasil, como o artigo de Müller et al. (2017), que se debruça especificamente sobre a metodologia da instrução por pares, mas ele remete, justamente, a trabalhos estrangeiros. Uma primeira revisão especificamente em língua portuguesa foi produzida por Neto e Lima (2017), analisando trinta (30) artigos. Estes autores identificaram, por exemplo, que todos fazem referência ao uso das TDIC, que a maior parte dos estudos está no ensino superior (73%) e que há ampla aceitação da sala de aula invertida (70%). Outros dois trabalhos relevantes, justificados pela repercussão internacional da sala de aula invertida nas ciências exatas, são os de Bizolatti e Neto (2018), que buscaram artigos focados no ensino de matemática, e Leite (2017), que empreendeu o mesmo esforço para a Química. Ambos se apresentam como revisões sistemáticas de literatura (RSL) e lamentam constatar a presença de apenas um (1) artigo específico em cada área. O trabalho de Leite (2017), em particular, enfatiza a escassez de experiências no ensino de ciências no idioma português (o que destoa dos achados das revisões estrangeiras), ao identificar que a maior parte da produção está em ciências humanas ou são generalistas (aproximadamente um quarto (¼) dos duzentos e trinta e um (231) artigos analisados tratam de ciências exatas).

Pelo exposto, o desenvolvimento de um trabalho bibliométrico nacional a respeito da sala de aula invertida se legitima e se justifica. Afinal, mediante ao cenário de acolhida da proposta no Brasil, identificar em quais áreas ou níveis de ensino o tema tem sido relevante, ou quais objetos de estudo e instrumentos que têm concentrado a atenção, pode contribuir para contextualizar as evidências, estabelecer possibilidades de comparação com outros contextos, ilustrar investigações que merecem aprofundamento e continuidade, e orientar teórica e metodologicamente, novas investigações sobre a prática de ensino de professores e instituições.

INTERESSES E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

De caráter exploratório e descritivo, essa investigação teve como objetivo caracterizar a produção acadêmica brasileira sobre a sala de aula invertida por meio de uma revisão e análise bibliométrica da literatura. Segundo Araújo (2006) e Lopes et al. (2015) a bibliometria é uma técnica quantitativa e estatística para medir índices de produção e disseminação do conhecimento, bem como acompanhar o desenvolvimento de diversas áreas científicas. Nesse primeiro momento, optou-se por revelar os indicadores de atividade científica e estabelecer caracterização inicial para os mesmos, ou seja, descrever o número e distribuir os trabalhos publicados segundo critérios de distinção – previamente estabelecidos ou emergentes. Com isso, além da relevância do portfólio bibliométrico resultante, estabelece-se ainda, um ponto de partida para novos estudos bibliométricos e revisões sistemáticas da literatura, as quais, podem avançar para meta-análises e avaliação de índices de qualidade, impacto e associações das produções.

Em 2017, pouco antes do início desta pesquisa, embora pouquíssimos trabalhos sobre a sala de aula invertida pudessem ser localizados nas principais bases de indexação nacionais (apenas dois, na Scielo, por exemplo), a experiência e o acompanhamento da literatura pelos autores, já sinalizava haver relativa presença do assunto em eventos acadêmicos e em periódicos de menor expressão em diferentes áreas do conhecimento. Assim, a busca foi direcionada ao corpus latente sobre o tema na internet, que conforme Bartolomé et al. (2013, p.306), se trata de buscar “dados nos documentos localizados em páginas e sites web públicos”.

Com o uso das ferramentas de pesquisa e alerta do Google Scholar, mapeou-se todos os registros da expressão sala de aula invertida nos títulos de trabalhos acadêmicos publicados na última década (entre 2008 e 01 de outubro 2018). Os mesmos parâmetros foram utilizados também em uma busca no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES.

A partir do Google Scholar, cento e dezesseis (116) trabalhos foram localizados e cento e sete (107) selecionados para análise. Nove (9) produções foram excluídas da amostra: duas (2) por motivo de repetição da publicação, uma (1) por autoria não confirmada, três (3) por configurarem originário de outro país de língua portuguesa ou publicado em periódicos estrangeiros, duas (2) por se caracterizarem como materiais de formação ou didáticos e uma (1) apresentada como projeto de pesquisa não iniciado. No Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES foram localizados vinte e um (21) trabalhos acadêmicos, sendo nove (9) sobreposições. Assim, foram adicionadas doze (12) produções inéditas à amostra e, ao final, o corpus de análise totalizou cento e dezenove (119) produções acadêmicas sobre a sala de aula invertida.

As produções acadêmicas que compuseram o corpus de análise foram, então, tabuladas de acordo com as seguintes categorias: (A) ano de publicação, (B) tipo de publicação, (C) escopo do trabalho, (D) abordagem metodológica principal, (E) objeto de estudo, (F) instrumento de coleta dos dados, (G) fonte da publicação, (H) classificação da fonte (no caso dos periódicos) ou abrangência da fonte (no caso dos eventos), (I) área de conhecimento e (J) nível de ensino que relata e/ou investiga.

A alocação dos trabalhos nas categorias D, E F foi, sempre que possível, baseada em critérios de autodeclaração. Ou seja, buscou-se localizar no resumo ou no corpo do trabalho menção clara e evidente a determinada abordagem metodológica ou instrumento. Nos casos em que essa informação não era explícita, os pesquisadores interpretaram e descreveram a filiação metodológica do trabalho em questão. Ressalta-se que a coerência teórica, metodológica, epistemológica ou filosófica desse enquadramento não foi analisada.

Não foram considerados como artigos as produções publicadas em anais de evento que tivessem sido transformados em números especiais ou temáticos de revistas acadêmicas. Os textos de eventos com até três mil palavras (resumos expandidos) foram caracterizados como resumos. E duas publicações decorrentes de uma mesma produção foram mantidas na amostra: uma dissertação de mestrado que aparece também como artigo; e outra dissertação de mestrado registrada também como trabalho completo em evento.

RESULTADOS E ANÁLISES

O portfólio bibliográfico, resultado material desta pesquisa, define-se por uma lista de 119 referências de produções acadêmicas brasileiras sobre a sala de aula invertida. O documento se encontra disponibilizado no Repositório Digital Institucional da UFPR (Acervo Digital)1. Ele representa o conjunto de interesses e esforços de análise da academia brasileira sobre o tema, se oferecendo como fonte de consulta e investigação para professores, pesquisadores e gestores. 

Esta pesquisa identificou e analisou como a sala de aula invertida veio se estabelecendo enquanto objeto de estudo no país, e sob quais perspectivas metodológicas as reflexões acadêmicas a seu respeito se instalaram. Entende-se que desta intenção de autoconhecimento e de autocrítica depende a coerência teórica e metodológica da produção acadêmica nacional, bem como a segurança sobre a qualidade dos dados que vêm orientando as práticas e políticas públicas e institucionais.

Em relação ao período de publicação, não foi identificada nenhuma produção entre os anos de 2008 e 2012. Os dois primeiros registros datam de 2013. Desde então, o volume de publicações é crescente até o biênio 2017-2018, quando se concentram 73% dos trabalhos identificados.

Estes números corroboram a percepção de que a sala de aula invertida começa a repercutir como fenômeno educativo, mobilizando interesse de reflexão e pesquisa no Brasil. O Gráfico 1 exibe a distribuição da produção acadêmica brasileira sobre o tema na última década:

Gráfico 1 – Distribuição da produção acadêmica brasileira sobre SAI no período de 2008 a outubro de 2018

Fonte: Autoria própria (2019).

A fonte desses trabalhos é diversa, sendo 39% deles vinculados a eventos acadêmicos, 31% publicados em periódicos e 28% originados de cursos de formação acadêmica (graduação e pós), além de poucas obras específicas.

Do total de trabalhos, grande parte é de artigos científicos e de trabalhos completos em evento (29% cada), seguidos por dissertações de mestrado (20%). Em menor número, aparecem também os resumos em eventos (10%), trabalhos de conclusão de curso (6%) e as teses de Doutorado (2,5%) – conforme tipificação sistematizada no quadro 1:

Quadro 1 – Caracterização dos trabalhos pelo tipo de publicação

Tipo

Quantidade

Artigo científico

34

Trabalho completo em evento

35

Dissertação de Mestrado

24

Resumo em evento

12

Trabalho de conclusão de curso

07

Tese de Doutorado

03

Resenha

02

Capítulo de livro ou fascículo

02

Fonte: Autoria própria (2019).

Algo que chama a atenção nestes dados, é o número de artigos se igualando ao de publicações em eventos, o que pode indiciar a consolidação e qualificação das pesquisas sobre o tema. Tal constatação coloca no horizonte a necessidade de estudos que avaliem a qualidade, o impacto e a alocação desses artigos nas áreas, sobretudo em relação aos periódicos de Ensino e Educação. O grande volume de produções no âmbito do Mestrado, também convida à novas investigações sobre as características das produções e as propostas dos diferentes programas de onde emanam essas produções. Outras questões, como por exemplo, o papel dos mestrados profissionais na repercussão do tema, também parecem merecer atenção.

Em relação ao escopo, quase metade dos trabalhos analisados foram caracterizados como relato e avaliação de experiência com a sala de aula invertida. Essa caracterização se refere àquelas produções em que o foco esteve no registro de uma experiência com a sala de aula invertida, a partir da qual, se propôs uma avaliação dos resultados. Tratam-se de projetos de ensino seguidos de apreciações, conjecturas e reflexões menos comprometidas com o rigor metodológico; ou, em outros casos, passíveis de caracterização como pesquisa-ação, pesquisa-participante, observação-participante etc. Relatos simples de experiências constituíram 10% dos trabalhos.

Por outro lado, foram consideradas como pesquisas independentes aquelas não guiadas por proposta de ensino específica, ou que propuseram referenciais de análise ou métodos de coleta e tratamento de dados independentes das experiências. Essas, perfizeram 18,5% da amostra. Conforme ilustra o quadro 2, foi marcante a presença dos estudos de natureza teórica (24%) e a localização de apenas um trabalho tendo o desenvolvimento de um produto educacional como objetivo declarado.

Quadro 2 – Caracterização dos trabalhos pelo escopo

Escopo

Quantidade

Relato e avaliação da experiência didática

55

Estudo teórico

29

Pesquisa independente

22

Relato de experiência

12

Produto Educacional

01

Fonte: Autoria própria (2019).

Dessa forma, percebe-se que a produção acadêmica brasileira privilegia a apreciação de experiências didáticas. A tradição de pesquisa está se estabelecendo com a partilha de experiências vicárias e com o trabalho de professores-pesquisadores. O significativo número de estudos teóricos também pode indicar que o tema vem sendo alvo de apropriação e aprofundamento pela comunidade acadêmica. E o número de pesquisas independentes, por sua vez, já permite reivindicar revisões sistemáticas e meta-análises, potencialmente capazes de cotejar as evidências que vêm sendo colhidas no Brasil com as de outros contextos.

Em diálogo com a análise anterior, a distribuição dos trabalhos quanto às metodologias empregadas é apresentada no quadro 3:

Quadro 3 – Caracterização pela abordagem metodológica empregada

Abordagem

Quantidade

Análise qualitativa

38

Revisão bibliográfica

29

Exploratória ou descritiva (para os relatos)

18

Análise quantitativa

15

Análise quanti-quali

13

Revisão Sistemática de Literatura (RSL)

04

Não se aplica / Não identificada

02

Fonte: Autoria própria (2019).

Confirma-se, pois, a importância dos estudos de natureza teórica, com um quarto dos trabalhos sendo caracterizados como revisões bibliográficas. Revisões sistemáticas de literatura, contudo, ainda são escassas (pouco mais de 3%). Considerando-se as pesquisas e relatos que buscam investigar algum aspecto da sala de aula invertida, merece destaque o fato de que há mais que o dobro de pesquisas qualitativas do que quantitativas (32% contra 12,5%, respectivamente). Além desses, outros 11% das produções analisadas consistiram de pesquisas quantitativas-qualitativas.

Se por um lado, os estudos brasileiros não reproduzem a tradição de pesquisa sobre a sala de aula em outros países, limitando o diálogo dos achados, é bastante interessante que estejam sendo contempladas análises de natureza distinta. As próprias revisões de literatura e análises críticas estrangeiras têm salientado a emergência dessas novas abordagens para uma melhor compreensão da sala de aula invertida como fenômeno educativo (ABEYSEKERA; DAWSON, 2014; ZAINUDDIN; HALILI, 2016).

Quando se consideram os objetos de estudo, especificamente, os trabalhos brasileiros sobre a sala de aula invertida se aproximam mais da tradição de pesquisa estrangeira. Com exceção dos relatos simples e dos estudos teóricos, os outros setenta e sete (74) trabalhos que propuseram alguma forma de investigação ou análise tiveram seus objetos de estudo analisados. Importa salientar que alguns estudos registraram dois ou três objetos de estudo. Mas quase metade das produções (37) dedicou-se a revelar e analisar a percepção dos estudantes sobre a experiência com a sala de aula invertida, enquanto 21 pesquisas ocuparam-se em estudar a percepção e/sobre a prática dos professores (e equipes pedagógicas). O desempenho foi alvo de 15 análises, consideradas desde resultados acadêmicos em avaliações formais (notas) até concepções ampliadas de aprendizagem, como autonomia e criticidade. Tecnologias digitais como recursos de mediação pedagógica foram avaliadas em 14 trabalhos. Apenas um analisou a percepção dos pais. O quadro 4 ilustra essa distribuição:

Quadro 4 – Caracterização dos trabalhos (pesquisas) quanto ao objeto de estudo

Objeto

Quantidade

Percepção dos estudantes

37

Percepção do(s) professor(es) e membros de equipe pedagógica

21

Desempenho acadêmico dos estudantes

15

TIC usadas para mediação pedagógica

14

Percepção dos pais

01

Fonte: Autoria própria (2019).

Esses números mostram que a produção acadêmica brasileira, assim como a de outros países, toma a percepção e o desempenho dos estudantes como base de evidência privilegiada. Embora a presença da docência entre os objetos de estudo demarque uma peculiaridade salutar, ainda não resulta em grandes repercussões nos outros contextos e nas revisões de literatura.

No âmbito metodológico, considerando os instrumentos de coleta de dados, as evidências sobre a sala de aula invertida decorrem, sobretudo, da utilização de questionários. Entre os trabalhos que apresentaram algum instrumento de coleta de dados (74), os questionários foram os mais frequentes, presentes em 47 pesquisas. Outros registros de observação também foram relevantes, sendo mobilizados em 27 estudos, enquanto testes de desempenho e avaliações próprias da experiência relatada estiveram presentes 13 trabalhos. Entrevistas, grupos focais, revisões sistemáticas de literatura e os diários reflexivos de estudantes e planos de aula também aparecem entre os instrumentos, mas com menos representatividade. Os números absolutos estão apresentados no quadro 5:

Quadro 5 – Caracterização quanto aos instrumentos de coleta de dados

Instrumento

Quantidade

Questionários

47

Registros de observação

27

Testes e avaliações próprias

13

Entrevistas

06

Grupos focais

03

Revisão Sistemática de Literatura (RSL)

04

Diários dos estudantes

01

Análise de planos de ensino / de aula

01

Não identificado / Não se aplica

45

Fonte: Autoria própria (2019).

A prevalência dos questionários sugere a necessidade de que, em novas análises, se questione a respeito da origem, da construção, da validação e da confiança desses instrumentos. O mesmo vale para os testes e avaliações próprias, que podem enviesar as métricas e os conceitos de desempenho e aprendizagem. Por outro lado, a relativa presença de instrumentos associados às pesquisas qualitativas acusa uma ocupação dos pesquisadores brasileiros com abordagens ainda carentes na literatura (O’FLAHERTY; PHILLIPS, 2015; LONG; CUMMINS; WAUGH, 2016; DELOZIER; RHODES, 2017).

No que se refere ao nível de ensino ao qual os pesquisadores brasileiros dedicam maior atenção, os dados apontam a repercussão da tendência internacional: o foco é o Ensino Superior. Como pode ser identificado no quadro 6, mais da metade dos trabalhos se concentra em cursos de graduação.

Quadro 6 – Caracterização quanto ao nível de ensino abordado

Nível

Quantidade

Ensino Superior

66

Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio)

 

26

Ensino Técnico ou Tecnológico

05

Pós-graduação

04

Não declarada ou não se aplica

19

Fonte: Autoria própria (2019).

No entanto, a educação básica já representa 22% dos estudos identificados e demonstra que o interesse pela abordagem tem extrapolado o cenário universitário. Assim como em outras temáticas, a escola tem ganhado espaço como lócus de investigação acadêmica no Brasil. Experiências e investigações no ensino técnico e em pós-graduação também foram identificadas, mas em número reduzido. Um trabalho em específico, avaliou dois níveis de ensino, de modo que a tabela 6, totaliza 120 registros.

O levantamento sobre as áreas de conhecimento onde a sala de aula invertida vem sendo estudada expõe o caráter difuso e diverso do tema e do campo de pesquisa, conforme é apresentado no quadro 7. No Brasil, como também acontece no exterior, as áreas de maior impacto da proposta tem sido as ciências da natureza e as ciências exatas. Química, Biologia e Física, somam 21 entre os 117 trabalhos que declararam estudar uma ou mais áreas. Se adicionarmos a Matemática e disciplinas específicas da Engenharia, compondo o grupo que em inglês se convencionou chamar de STEM áreas, chega-se a 40 iniciativas de relatos, análises, estudos e pesquisas. Uma peculiaridade foi a área da Saúde, que tem grande repercussão internacional, mas que nesse levantamento somou apenas cinco trabalhos. As Ciências Sociais Aplicadas, reunindo áreas como Contabilidade, Administração e Direito, apareceram 11 vezes, o mesmo número da área de Letras (Língua Portuguesa, Estrangeiras e Literatura). Computação e/ou Tecnologias, com nove trabalhos, superou as outras áreas citadas (Pedagogia, com três, Arte e Informática Educativa, com um trabalho cada), mas aparece com baixo impacto quando se compara com a realidade da pesquisa internacional (GIANNAKOS; KROGSTIE; CHRISOCHOIDES, 2014).

Quadro 7 – Caracterização por áreas de conhecimento declaradas

Área

Quantidade

Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia)

21

Matemática (Inclui Estatística e Cálculo)

19

Letras e Idiomas (Português, Inglês, Literatura)

11

Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contabilidade, Gestão, Comunicação Social e Direito)

11

Computação e/ou Tecnologia

09

Engenharias (Específicas)

05

Saúde

05

Pedagogia

03

Informática Educativa

01

Arte

01

Fonte: Autoria própria (2019).

Finalmente, os trabalhos foram caracterizados mediante aspectos que sinalizassem sua qualidade e impacto. O quadro 8 retrata a abrangência dos 33 eventos citados, onde foram apresentados e/ou publicados 47 com essa tipificação:

Quadro 8 – Caracterização dos trabalhos apresentados em eventos quanto à abrangência

Abrangência

Quantidade

Local ou Regional

12

Nacional

07

Internacional

13

Não identificado

01

Fonte: Autoria própria (2019).

O volume de trabalhos em eventos de menor porte (locais ou regionais) mostra que as iniciativas ainda estão no início, por serem embrionárias, repercutem primeiro próximas de sua realidade. Por outro lado, considerando que as revisões de literatura estrangeiras ainda não caracterizam a produção brasileira como relevante, deve-se pôr sob escrutínio o grande volume de eventos caracterizados como “internacionais”.

No caso dos periódicos, uma análise mais acurada foi feita a partir dos critérios de classificação Qualis-CAPES, conforme o quadro 9:

Quadro 9 – Caracterização dos trabalhos em periódicos por estrato de qualidade

Área

Qualis

Quantidade

Ensino

A1 ou A2

07

B1 ou B2

14

B3 ou B4

08

B5 ou C

01

Sem avaliação

11

Educação

A1 ou A2

05

B1 ou B2

08

B3 ou B4

12

B5 ou C

08

Sem avaliação

08

Fonte: Autoria própria (2019).

Entre os 119 trabalhos, 37 eram publicações em periódicos. Desses, mais da metade estavam no estrato de A1 a B2 na área de Ensino, e pouco mais de um terço, no mesmo estrato, na área de Educação. Entre os artigos científicos, portanto, parcela significativa dos trabalhos tem conseguido demonstrar boa qualidade, de modo a permitir e estimular novos levantamentos e análises específicas nessas bases.

Não obstante, periódicos de menor expressão, sem avaliação nas áreas de Ensino e Educação, tem absorvido muitos trabalhos sobre o tema (um quarto do total de publicações em revistas, aproximadamente) e impõem uma discussão sobre as estruturas conceituais e metodológicas da pesquisa sobre a sala de aula invertida no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O portfólio bibliográfico em análise, indica que a sala de aula invertida vem se estabelecendo como tema de interesse e principiando um tema de investigação educacional também no Brasil. A repercussão em periódicos, por exemplo, já se destaca. Entre os trabalhos, sobressaem-se aqueles com a partilha de experiências e análises decorrentes, além de estudos teóricos. O ensino superior se distingue, mas a educação básica tem sediado um número significativo de iniciativas. Embora haja preferência por estudar a percepção dos estudantes, a perspectiva dos professores também tem recebido atenção.

Por outro lado, o sortimento de filiações metodológicas e de áreas de onde emanam não permite legitimar esse coletivo de produções ou averbar uma tradição de pesquisa. A ênfase nas abordagens e métodos qualitativos distingue o Brasil, mas se deve registrar a baixa presença de estudos experimentais ou comparativos (também importantes e necessários para o cotejo com a literatura estrangeira). A prevalência dos questionários convida a avaliar os níveis de validade e confiança desses instrumentos. Muitos trabalhos ainda estão vinculados a eventos e periódicos de menor porte ou expressão.

Tornam-se imperativos e meritórios os esforços de acompanhamento e análise dessa produção, contribuindo para que a educação nacional adote políticas baseadas em evidências – e não “evidências baseadas em políticas”, conforme advertiram Abeysekera e Dawson (2014).

Academic production about flipped classroom in Brazil

ABSTRACT

Flipped classroom is an educational trend. It proposes previous out of class study by students; use of digital technologies by teachers and institutions, to produce and delivery content; and active and student-centered learning in class. In Brazil, a reduced number of literature reviews suggests the risk that such approach is being adopted and defended with lack of context-sensitive evidence. This article presents the bibliometric results of a literature review which selected 119 studies containing the expression “flipped classroom" in their titles, between 2008 and October 2018, only in Portuguese. They were located by Google Scholar tools and the CAPES Catalog, and characterized according to their source, typification, year, scope, area, educational level etc. This national scenario should  contribute to provide guidance for professionals and institutions, as well as suggest new paths for research on this educational phenomenon in Brazil.

KEYWORDS: Flipped classroom. Active learning. Bibliometric study.

NOTAS

1 O portfólio bibliográfico define-se pela lista de 119 referências (produções acadêmicas brasileiras sobre a sala de aula invertida) e está disponível no Repositório Digital Institucional da UFPR https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/60853. Acesso em: 20 set. 2019.

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Recebido: 27 mai. 2019

Aprovado: 00 ago. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n3.10163

 

Como citar:

VALÉRIO, M.; BELETI Junior, C. R. Caracterização da produção acadêmica brasileira sobre a sala de aula invertida. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 17-34, set./dez. 2019. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX

 

Correspondência:

Marcelo Valério

Universidade Federal do Paraná – campus avançado Jandaia do Sul.

Rua Doutor João Maximiano, 426, Vila Operária, Jandaia do Sul, Paraná, Brasil.

Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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