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O Ensino de Matemática: entrevista com o professor Vinicio de Macedo Santos

 

 

Teaching of Mathematics: an interview with Professor Vinicio de Macedo Santos

Ana Paula de Andrade Janz Elias

anapjanz777@gmail.com

orcid.org/0000-0002-6494-9448

Centro Universitário Internacional Uninter (UNINTER), Curitiba, Paraná, Brasil.

 

Marcelo de Souza Motta

marcelomotta@utfpr.edu.br

orcid.org/0000-0001-5534-2735

Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil.

 

Vinicio de Macedo Santos

Fonte: arquivo pessoal do entrevistado.

 

PALAVRAS-CHAVE: Vinicio de Macedo Santos. Ensino de Matemática. Professor de Matemática.

KEYWORDS: Vinicio de Macedo Santos. Teaching of Mathematics. Mathematics Teacher.

 


 

APRESENTAÇÃO

O Prof. Dr. Vinicio de Macedo Santos é Licenciado em Matemática pelo Instituto de matemática e estatística da USP. É mestre em Educação: História, Política, Sociedade, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), na área de Metodologia do Ensino de Matemática junto ao Departamento de Metodologia de Ensino e Educação Comparada. No Departamento de Didáctica de las Matemáticas da Universidade de Sevilha e na École dês Hautes Études em Scientes Sociales de Paris, realizou Pós-Doutorado.

É coordenador, desde o ano de 2004, do Grupo de Pesquisas em Educação Matemática e Educação (GEPEME) e, desde o ano de 2015 do Grupo Prospéro lusófono. O professor Vinicio foi presidente da Comissão de Pesquisa da FEUSP, e atualmente é vice-diretor dessa faculdade (2018-2022). Ele tem desenvolvido projetos de pesquisas sobre as dimensões da educação escolar, abordando assuntos como o currículo de matemática, as relações e as dificuldades dos discentes com a disciplina de matemática e a formação do professor, bem como do pesquisador em Educação Matemática.

Esta entrevista foi concedida pelo Prof. Dr. Vinicio de Macedo Santos durante o evento organizado no ano de 2017, pelo Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica, da Universidade Tecnológica do Paraná: Jornadas da Educação em Ciências e Matemática. Salientamos que um dos palestrantes deste evento foi o professor entrevistado. Nesta entrevista o professor comenta sobre o ensino de matemática, a atuação do professor desta disciplina, bem como sobre a postura dos alunos frente aos desafios matemáticos que enfrentam em seu cotidiano e em sua vida escolar. O professor comenta ainda sobre o PNE e sobre algumas de suas experiências como professor iniciante.

REFERÊNCIAS

SANTOS, Vinicio de Macedo. Sistema Currículo Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.brq9347801716291932>. Acesso em 09 jan. 2019.


 

ENTREVISTA

Entrevistadores: A necessidade do ensino de matemática é apontada por alguns autores e também reconhecida pela sociedade, porém, o que ouvimos frequentemente é que a matemática é “chata” e “difícil”. Você acredita que se o uso da matemática fosse mais perceptível nas situações em que a sociedade se depara no dia-a-dia, ela seria considerada mais interessante?

Professor Vinicio: Essa ideia de que a matemática está nas situações, na sociedade, ou está ligada à vida cotidiana é um aspecto importante que pode despertar o interesse, a curiosidade dos alunos. Mas eu acredito que existem outros elementos na matemática que também são atraentes. Porque o aluno pode ter uma curiosidade em relação ao conhecimento, a uma abstração, pode querer sanar uma dúvida, pode querer investigar uma hipótese, uma formulação que as vezes não está ligada a uma situação prática mas pode atender a uma necessidade, a uma busca de significado que ele procura.

Tenho uma ideia, que considero importante, inclusive escrevi um texto1 no qual entendo que aquilo que é real para o aluno pode até estar tanto ligado a uma situação imediata do seu cotidiano, ligado ao seu ambiente familiar, ao universo dos brinquedos, das brincadeiras, ou a questão do preço das coisas, enfim, uma série de situações do cotidiano que podem evocar uma atenção imediata em relação a matemática, em situações que estão ali muito próximas dele. Porém, há situações que podem não estar tão próximas e este aluno pode se interessar. Por exemplo, uma criança que mora numa cidade pequena, que o meio de transporte dele é a bicicleta ou mesmo na zona rural um cavalo, uma montaria e, esse aluno não tem uma proximidade, uma vivência, como o metrô, ou o trem, ou um outro tipo de transporte e, no entanto, ele pode se interessar, porque aquilo faz parte do real mediato dele, de algo que ele pode saber que existe mesmo que ele não tenha vivência.

Entrevistadores: As tecnologias facilitam isso? Ajudam o aluno a se interessar por diferentes possibilidades que não fazem parte do dia-a-dia dele?

Professor Vinicio: Isso, porque as tecnologias, a internet e diferentes mídias trazem essas situações. Por exemplo, o aluno que não tem ideia do tamanho do metrô, de quantas pessoas podem ser transportadas ao mesmo tempo, pode saber que o ônibus que leva de um bairro a outra da sua cidade, ou que leva de uma cidade a outra cidade vizinha, transporta de 30 a 40 pessoas, assim ele pode fazer uma relação. Quer dizer, relacionar quantidades a esses meios de transporte, ou as distâncias que eles percorrem ou a rapidez com que eles percorrem, tudo isso pode ser de interesse do aluno, mesmo não sendo exatamente algo que está tão diretamente ligado à sua realidade imediata.

E ainda, há uma outra dimensão que eu considero importante, que é no âmbito daquilo que o aluno é capaz de pensar, das relações que ele faz, que o leva a elaborar uma pergunta, ou gera nele uma dúvida. Quando ele comete um erro, quando ele tira uma conclusão interessante, isso também é o real do aluno. Esse real está ligado a um significado que ele quer atribuir às coisas, ou que ele consegue atribuir, é aquilo que é capaz de pensar, que é capaz de hipotetizar, que é capaz de sintetizar, que é capaz de extrapolar, ou que é capaz de abstrair. Então, é um conjunto de situações que se dá no campo das ideias, do pensado, da busca de significado de algo que ele conseguiu pensar ou indagar porque o conhecimento em geral, imagino que a filosofia, as ciências, também provoquem esse interesse, que é uma ligação com aquilo que é direto do aluno, com aquilo que é imediato dele, mas também que coloca ele a pensar sobre coisas que nunca tinha pensado antes, que o leva a tirar conclusões, e achar significados. É como se fosse uma escala de dimensões do real no qual este aluno transita.

É um mito falar que a matemática só faz sentido se ela consegue ajudar o aluno a dar um troco, a ler um determinado número, a calcular uma área. Porque o conhecimento matemático é amplo, a relação do aluno com o mundo se dá em diferentes dimensões, em diferentes esferas. Ele mesmo, como aluno, como criança, relaciona diferentes conhecimentos que vêm de diferentes fontes, entre elas a escola, ou, como vocês falaram, a tecnologia.

Entrevistadores: Isso é trazer significado para a matemática?

Professor Vinicio: Aprender é construir significados, aquilo que de repente fica claro para mim, aquilo que eu consigo entender, ou aquilo que me permite fazer um raciocínio mais amplo, mais ousado ou que me suscita uma curiosidade. Os conhecimentos em geral têm essa característica e, a matemática, em particular, tem. A minha aposta é que tanto os aspectos imediatos, sensíveis, podem ser uma fonte de interesse para o aluno como o próprio conhecimento, os processos, as ideias podem encantá-lo.

Entrevistadores: A matemática pela própria matemática pode gerar esse interesse?

Professor Vinicio: Não é que é uma matemática desvinculada, é a realidade do aluno, é aquilo que ele é capaz de pensar e relacionar, decorre disso, ela não surge do nada. Por isso é muito importante o professor estar atento ao aluno quando fala, ao que o aluno fala e quando ele silencia.

Entrevistadores: O professor é aquele que poderia fazer esse trabalho para que o aluno visse essa significância na matemática ou isso não necessariamente depende das ações do docente?

Professor Vinicio: O professor é um elemento, é um fator importante nessa relação. Você pode aprender matemática no convívio social ou no convívio familiar, mas nesses espaços as pessoas não estão voltadas para trabalhar especificamente com ensinar matemática. Isso pode acontecer como nas culturas do passado, aquelas culturas de comunicação oral, nelas conhecimentos são trocados pela via da interação, mas isso nem sempre acontece.

Existem um conjunto de ideias e processos que fazem parte do aprender e a problematização é importante. Isso não se dá espontaneamente, nesses contextos citados, se dá só até a “segunda linha”. Por isso, a figura do professor como alguém que problematiza, que se coloca no lugar do aluno, que tem um conhecimento de ser professor, no sentido de ter uma disponibilidade para entender o que aluno está dizendo, ou desafiar o aluno em determinados aspectos, é função da escola, do contexto escolar, se ela não faz isso acho que talvez esteja sendo desinteressante.

Nesse sentido, o professor tem um papel importante. Evidente que o aluno pode se deparar com situações que ele vá adiante por si só, como você que trabalha com tecnologias, o próprio computador tem possibilidades de produzir esses movimentos no aluno, mas é bom entender que tem coisas que foram pensadas para isso. Claro que nesse caminho, talvez o aluno tenha uma autossuficiência para entender determinados situações, mas a presença de alguém que faz essas pontes, que faz essa dimensão, ela é sempre fundamental.

Entrevistadores: Em seu artigo “PNE e condição docente: para uma ontologia do trabalho docente2”, é citado que “a autonomia, a autoridade e a alteridade docentes representam um interesse comum a ser partilhada [...]”, você pode comentar um pouco mais sobre estes 3 pontos?

Professor Vinicio: O texto foi escrito a partir de um convite para participar de um evento cujo tema era “PNE e a condição docente” e esse convite provocou em mim o desejo e a necessidade de fazer uma reflexão sobre o que é ser professor, o que é intrínseco a ser professor, o que faz parte, o que eu não posso abrir mão enquanto docente. Então, me ocorreu falar desses três elementos, são três “As”: autoridade, alteridade e autonomia. São elementos inerentes ao ofício docente e que julgo importantes de serem discutidos para além do conhecimento especializado/profissional do docente, conhecimento este amplamente cartografado e investigado nas duas últimas décadas.

A autonomia vai na direção do que eu estava falando, ou seja, o professor pode pensar sobre o que ele faz, ele pode pesquisar, pode refletir sobre suas atitudes e tomar decisões a partir de um movimento que é dele, ele não precisa só executar o que lhe mandam ou executar só aquilo que chega pronto para ele executar. O interessante de ser professor é que este profissional tem elementos para olhar isso e, com base no seu conhecimento, na sua capacidade de gerir uma aula e na sua relação com o aluno, ele pode tomar decisões importantes que não necessariamente venham de fora. A autonomia não é no sentido de que ele fecha a porta e faz o que bem entende. Em alguns momentos me recordo de quando era muito novo, no começo de carreira, eu fiz um concurso para escola pública e entrei numa escola estadual de São Paulo para dar aula. A sensação que eu tinha era de que eu poderia fechar a porta da sala e fazer o que eu bem entendesse. Agora o que eu entendo nessa situação é que aí ocorre um abandono do professor na sala de aula, quer dizer, o professor precisa estar amparado no sentido de que ele faz parte de um projeto, que a escola é um projeto, que ele trabalha com uma área, com determinados alunos, determinadas características e o suporte que este profissional precisa para levar isso adiante é fundamental. Isso não é roubar a autonomia do professor, muito pelo contrário, isso é lhe dar condições para que ele exerça sua autonomia. É claro que existem regras, que existe a ética, que existem elementos que o orientam a não fazer qualquer coisa, até porque ele sabe que isso tem consequências, não é nesse sentido que eu estou falando. Mas a partir da base de conhecimentos que o professor tem, a partir da relação que ele estabelece com os alunos, ele é a figura mais importante na sala de aula para levar adiante uma relação bem-sucedida de ensino e aprendizagem.

Entrevistadores: Quando o senhor estava lá na escola, como você se sentia em relação a essa autonomia?

Professor Vinicio: Eu era inseguro, eu não sentia autonomia, a sensação era de abandono. E isto se agravava na medida em que se tratava de um professor jovem, em início de carreira, para o qual, na cultura escolar de distribuição de aulas, lhe eram atribuídas as aulas de turmas multirrepetentes (isso no início dos anos 1980), com sérias dificuldades de aprendizagem, graves problemas de indisciplina etc. Um paradoxo não? Ao professor inexperiente lhe tocava lidar de frente com os maiores problemas da escola cuja solução requeria maior experiência profissional. Pode-se fazer um paralelo, se você pensar numa criança na sua família ou na escola, ela não pode ser “largada” para tomar as decisões, ou para aprender sozinha isso não é autonomia. É preciso dar base, dar suporte, estar aberto para discutir, ouvir as dúvidas. Nesse sentido que a autonomia se dá, a partir de um suporte que permite, no caso do professor em início de carreira, expor suas questões, suas dúvidas, trocar ideias, partilhar experiências. Isso é um processo de formação, ou seja, quanto mais o professor mergulha nessas condições, tanto mais interessante será o trabalho dele.

A ideia da autoridade também está ligada a isso, porque você tem o princípio, você tem o professor, ou faz parte do ser professor, lidar com o conhecimento na área ou nas áreas com as quais ele trabalha e toma decisões. Isso está muito ligado a ideia de autonomia, e ele pode decidir a partir de algo que o aluno coloca, se este aluno propõe uma nova situação, somente o professor teria condições de reunir elementos, ou ir atrás e pesquisar para que esse processo prossiga.

Em relação a avaliação, uma crítica que eu estava fazendo é que a avaliação impõe ao professor exatamente o que ele deve fazer, o professor não discute, ele somente obedece, isto provoca um apagamento da sua autoridade como alguém que tem uma formação, como alguém que tem condições de tomar decisões. E ter autoridade não é aquilo de “eu não consulto ninguém, eu faço o que bem entender”. A autoridade é no sentido de possibilitar ao professor o buscar, inclusive com outros colegas, colocar a dificuldade que está tendo para dar prosseguimento ao seu trabalho. Ou seja, não adianta este profissional sair de cena e entrar o coordenador ou o diretor porque ele não foi capaz, ou demostrou uma dificuldade ao ponto de não dar continuidade. É necessário que esse processo seja explicitado e o professor, com suas ferramentas, com seus elementos, com aquilo que ele tem disponível pode aprofundar a questão, ou questões que ele tenha, pode trocar ideias sobre encaminhamentos que ele quer levar para a sala de aula.

Quanto a questão da alteridade, o que acontece é que o trabalho do professor é, por excelência, um trabalho de natureza interpretativa e é um trabalho que se estabelece numa relação assimétrica, no sentido de que tem um professor e um aluno, um adulto e uma criança. As relações assimétricas estão dadas aí, mas isso não significa que você, enquanto adulto, vai impor sempre as coisas. A alteridade é no sentido de você olhar para esse aluno, tentar entender sua dúvida, sua dificuldade, é se colocar no lugar do outro e isso é condição do professor, não do aluno. Enfim, essa articulação entre esses três elementos seria o máximo da dignidade do trabalho do professor.

Entrevistadores: Ainda sobre o PNE, no seu artigo, você comenta bastante sobre a meta 73, por quê? Esta é a meta mais complexa?

Professor Vinicio: O PNE tem um conjunto de 20 metas. Eu escolhi a meta 7 porque ela está dentro do tema proposto para a participação no evento, ela fala o seguinte: “fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb: 6,0 nos anos iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental; 5,2 no ensino médio”. Vemos que existem algumas metas, da 15 a 18, por exemplo, que vão falar da formação do professor, da capacitação do professor e assim por diante. Eu escolhi a meta 7, primeiro porque eles estão citando a qualidade, a qualidade das avaliações que medem a qualidade do ensino. Eu percebo que a avaliação tem tido um peso deletério, muito danoso para o professor. Esta avaliação passa por cima das três características que eu mencionei anteriormente. A avaliação suprime um processo, porque ela se impõe como algo que vai ser divulgado na imprensa, quer dizer, se o aluno tirou nota abaixo do esperado, a escola é medida; a escola é boa ou é ruim, o professor é bom ou não, a escola recebe bônus, prêmios ou não. Quero dizer, tem todo um conjunto de fatores associados a isso que caracterizam a avaliação como um elemento que de algum modo se choca com aquilo que eu vejo como intrínseco a natureza do fazer docente. Por isso que eu escolhi essa meta, por perceber que a avaliação se impõe, que o currículo do professor se reduz aos objetivos da avaliação, às habilidades que esta avaliação quer medir e isso é muito pobre do ponto de vista do trabalho que ocorre um ano inteiro ou anos a fio do docente para com seus alunos. Esse trabalho tem uma riqueza ou ainda, as condições poderiam ser melhores para que a cada ano e por anos a fio seja muito rico e isso não é algo a ser considerado somente a partir de uma avaliação ou teste de múltipla escolha, mesmo porque esse professor tem elementos para avaliar o aluno, elementos que estão sendo desqualificados e ignorados.  A convivência cotidiana do professor com o aluno que vai verificar se o estudante respondeu ou desenvolveu um problema mesmo que pela metade, ou que ele entendeu uma parte, isso não é considerado. Só é considerado o certo ou o errado de uma situação, a qual o aluno pode muito bem não ter entendido a pergunta e seu aproveitamento está sendo medido apenas a partir disto.

Entrevistadores: Voltando à questão do contexto que cada um vive, é uma avaliação para o Brasil inteiro com contexto totalmente diferentes, assim, como mensurar se uma escola é melhor que a outra se, por exemplo, uma região do país é totalmente diferente das outras?

Professor Vinicio:  E mesmo dentro de uma mesma cidade, é uma avaliação que não faz diferença a região onde o aluno mora. Os alunos, filhos de pai ricos, também fazem avaliações, mas é como se uma avaliação colocasse num mesmo patamar o aluno que é filho do fabricante de automóveis e o filho da empregada doméstica desse fabricante de automóveis. Você coloca num mesmo patamar, ou quer cobrar um aproveitamento, ou um mérito desses alunos, de uma mesma maneira, quando as condições para eles são totalmente diferentes. Você compara coisas que são incomparáveis. Nesse sentido o que ocorre é perverso com quem enfrenta toda sorte de dificuldades no curso da sua vida.

Entrevistadores: Como fazer essa política pública de forma que ela seja efetiva para a formação do professor e para a qualidade do ensino?

Professor Vinicio: Eu acho que a pesquisa tem sido intensa, o volume de trabalhos que investigam sobre a formação do professor é grande, enfim, sobre a formação inicial, sobre a formação continuada. Eu penso que essas pesquisas dão elementos para se pensar em políticas públicas com base nos saberes, nos desafios, nas necessidades, nas dificuldades.Isso poderia inspirar a formulação e o desenvolvimento dessas políticas voltadas para a formação, seja ela nos cursos de pedagogia, licenciatura ou de formação continuada.

O que acontece é que os programas de formação continuada, do meu ponto de vista, ainda são insuficientes e nem sempre a figura do professor é o centro. Tem políticas públicas para muitas coisas, por exemplo, voltadas para o currículo, para a produção do material, para a inserção das tecnologias, como o Prouca4, voltadas para os alunos portadores de necessidades especiais, entre outras. Essas são conjuntos de políticas, nas quais o professor não é o centro e esse professor tem de responder a todas elas. Essa é uma questão que eu acredito que precisaria ser olhada com mais atenção, quer dizer, seria interessante que essas questões estivessem dentro de uma política mais permanente e mais prolongada, a longo prazo, no sentido continuado da formação, para que o professor pudesse ter um espaço de problematizar, de trazer suas questões, de fazer reflexões, de ter experiência e contato com pessoas que podem contribuir de algum modo com a sua formação.

As vezes a política é inventada, ela é jogada e o professor vai se virar de qualquer jeito. É nesse sentido que as políticas precisariam ter como foco o professor, a sua capacitação e o que acontece muitas vezes é que as políticas no plano da formação nem chegam, por isso que o professor, até para progredir em sua carreira, ou ter um acréscimo salarial, ele acaba indo sozinho atrás de cursos, por vezes fazendo a noite, nos finais de semana, sem muitas condições e isso é algo que não tem acontecido se não partir da iniciativa desse profissional, essa é a minha preocupação, precisaria ter políticas de formação continuada mais ousadas.

Entrevistadores: Em pesquisas em educação matemática lemos a esse respeito, porque essas pesquisas não chegam para as pessoas que formulam as políticas públicas?

Professor Vinicio: Não é que não chegam, são pautas, são questões emergenciais muitas vezes, quer dizer, tem poucos recursos quando se deveria ter mais. Acredito que com esses cortes previstos vai ficar ainda muito pior. No seio de gestores, de órgãos da administração pública, que emergiram políticas como o Pibid, como o Observatório de Educação, existe um olhar diferente para o ser professor, ele e sua formação é o centro. Você pode dizer que algumas dessas políticas públicas, como o próprio Pibid foi somente até um certo ponto sem realizar tudo o que se esperava dele. Houve um movimento dos pibidianos em defesa do programa, de assegurar sua continuidade, mas ele está sempre sob tensão. Agora tem uma nova proposta que é a da residência e eles querem transformar o Pibid nisso, mesmo que tenha uma outra filosofia.

Acaba se inscrevendo tudo numa lógica de racionalidade ou de economia de recursos. Não sei o que eles estão pretendendo com essa residência, será que é um jeito de compensar deficiências no quadro de magistério? Pode ser encarado assim também, é preciso analisar com cuidado, mas é algo diferente, tem outra filosofia, tem outra inspiração que não é a mesma do Pibid. Essas são políticas que emergem dessas equipes, porém elas são transitórias, às vezes tem uma política que vai até um certo ponto, são políticas que têm um início, mas não tem uma avaliação, uma avaliação de impacto, de continuidade, com isso, muda o governo, muda a política, muda o ministro, muda a política. A educação não pode ficar ao sabor disso. Em relação aos planos nacionais de educação, tem uma situação positiva pois, os planos são decenais, mas mesmo assim eles também estão subordinados a essa lógica porque, as estratégias, dependendo de quem é ministro, dependendo dos grupos que tem forças, elas vão para um determinado rumo ou para outro, porque isso é uma arena de disputa, disputa de interesses, de recursos, de poder e assim por diante.

Entrevistadores: Essa desqualificação do professor é desmotivadora, ou seja, como professor de matemática na educação básica, ele fica desmotivado e continua dando uma aula na qual a disciplina não deixa de ser “chata”, não é mesmo?

Professor Vinicio: A matemática não é “chata” em si. Tive contato com estudos e dados de pesquisas de diferentes países e de fato há dificuldades com o ensino e aprendizagem dessa disciplina por diferentes motivos. Voltando a sua primeira pergunta, dada a natureza do ensino da matemática ela acaba resultando num ensino esvaziado de significados porque o professor prioriza aspectos mais da linguagem, das técnicas, ao invés de ter isso articulado mais com significados, com possibilidades de compreender e entender aquilo que está na técnica, que está no algoritmo, dando conta do processo que está no raciocínio matemático. Mesmo a resolução de problemas tende a se fixar em aspectos da linguagem, das técnicas, de procedimentos mecânicos se não for precedida de interpretação e compreensão das situações abordadas nos problemas. Essas coisas não ocorrem, até porque muitas vezes os cursos que formam professores também não trabalham dessa maneira e o professor acaba indo de um jeito que ele sabe, repetindo algo que ele aprendeu, isso também acontece na faculdade.

Entrevistadores: Para fechar diante de todo esse cenário, o senhor, como professor de matemática, acredita que ainda vale a pena ser professor?

Professor Vinicio: Claro, ser professor sempre vale. Do ponto de vista do professor, é muito interessante quando você consegue proporcionar um ensino, uma situação que os alunos entendam, tenham curiosidade, talvez isso seja a maior expressão do que significa ser um professor bem-sucedido. Claro que existem coisas enfadonhas. Aprender também traz conflitos, mas as possibilidades são inúmeras, não tem só um jeito de ensinar. As vezes conversamos com alguns alunos que tem boas lembranças de seus professores de matemática, então é interessante verificar isto por que aí está a chave, aí tem uma coisa que pode nos informar o que faz um professor de matemática ser um bom professor, do ponto de vista dos nossos alunos.

BIBLIOGRAFIA DO ENTREVISTADO

PRINCIPAIS LIVROS, CAPÍTULOS DE LIVROS E ARTIGOS RELACIONADOS AO TEMA DA ENTREVISTA

FANIZZI, S.; SANTOS, V. de M. Políticas públicas de formação continuada de professores dos anos iniciais em Matemática. ZETETIKÉ (ON LINE), v. 25, p. 457-473, 2017.

SANTOS, V. de M.; ZAIDAN, S. Dimensões sociais do currículo e do ensino de Matemática e a formação docente. Revista Congreso Universidad, v. 6, p. 9-18, 2017.

SANTOS, V. de M. PNE e condição docente: para uma ontologia do trabalho docente. ZETETIKÉ (ON LINE), v. 24, p. 173-186, 2016.

SANTOS, V. de M. Para refletir sobre as dimensões prática e epistemológica dos saberes do professor de Matemática. Educação Matemática em Foco (UEPB), v. 2, p. 78-88, 2013.

FERREIRA, V. L.; SANTOS, V. de M. O processo Histórico de Disciplinarização da metodologia do Ensino de Matemática. Bolema. Boletim de Educação Matemática (UNESP. Rio Claro. Impresso), v. 26, p. 163-191, 2012.

ORTEGA, E. M. V.; SANTOS, V. de M. A Matemática e o lugar do professor nos anos iniciais: o ponto de vista dos alunos da Pedagogia. Revista Eletrônica de Educação (São Carlos), v. 6, p. 27-43, 2012.

SANTOS, V. de M. A relação e as dificuldades dos alunos com a Matemática: um objeto de investigação. Zetetiké (UNICAMP), v. 17, p. 57-93, 2009.

ORTEGA, E. M. V.; SANTOS, V. de M. Formação de professores no contexto da Educação Matemática. Série-Estudos (UCDB), v. 26, p. 11-26, 2008.

SANTOS, V. de M. A matemática escolar, o aluno e o professor: paradoxos aparentes e polarizações em discussão. Cadernos do CEDES (UNICAMP), v. 28, p. 13-28, 2008.

SANTOS, V. de M.; TEIXEIRA, L. R. M.MORELATTI, M. R. M. Professores em formação: as dificuldades de aprendizagem em matemática como objeto de reflexão. Revista de Educação Matemática, v. 10, p. 17-27, 2007.

SANTOS, V. de M. O desafio de tornar-se professor de matemática. Nuances (Presidente Prudente), Presidente Prudente, v. VIII, n.08, p. 81-83, 2002.

SANTOS, V. de M. Recuperação em matemática e reintegração da criança no processo escolar de ensino e aprendizagem: implicações para a formação do professor. Projeto Pró Matemática, São Paulo, v. 1, n.1, p. 27-31, 1996.

SANTOS, V. de M. Matemática no Ciclo Básico: em busca de significado. PROJETO IPE: A CRIANCA E O CONHECIMENTO, p. 21-35, 1990.

SANTOS, V. de M. Ensino de Matemática na escola de nove anos: dúvidas, dívidas e desafios. 1. ed. São Paulo: Cengagelearning, 2015. v. 1. 167p.

SANTOS, V. de M.; NACARATO, A. M. (Org.). Educação Matemática e Políticas Públicas. 1. ed. São Paulo: FEUSP/ANPED, 2008. v. 1. 82p.

SANTOS, V. de M. Ensino de Matemática em debate: sobre práticas escolares e seus fundamentos. 1. ed. Campinas - SP: Cedes, 2008. v. 1. 123p.

PIRES, C. M. C.; GODOY, E. V.; SILVA, M. A.; SANTOS, V. de M. Brazilian Mathematics Education in High School. In: RIBEIRO, A.J.; HEALY, L.; BORBA, R.; Fernandes, S.H.A.A. (Org.). Mathematics Education in Brazil: Panorama of Current Research. 1ed.São Paulo: Springer International Publishing, 2018, v. 1, p. 59-83.

SANTOS, V. de M. Na trilha do que os educadores matemáticos investigam. In: D’AMBROSIO, B. S.; LOPES, C. E. (Org.). Vertentes da Subversão na Produção Científica em Educação Matemática. 1ed.São Paulo: Mercado de Letras, 2015, v. 3, p. 71-88.

SANTOS, V. de M. O saber do professor de matemática no cotidiano escolar: dimensões práticas e epistemológicas. In: ALMEIDA, M. I. de et al. (Org.). Políticas Educacionais e impactos na escola e na sala de aula. 1ed.São Paulo: Junqueira 7 Marin Editores, 2012, v. 2, p. 312-323.

SANTOS, V. de M.; PIRES, C. M. C. Ensinar e aprender Matemática. In: Secretaria Municipal de Educação/São Paulo - Diretoria de Orientação Técnica. (Org.). Educação: fazer e aprender na cidade de São Paulo. 1ed.Sao Paulo: SMESP, 2008, v. 1, p. 135-146.

SANTOS, V. de M. Linguagens e comunicação na aula de Matemática. In: NACARATO, A. M.; LOPES, C. E. (Org.). Escrituras e leituras na Educação Matemática. 1ed.Belo Horizonte: Autêntica, 2005, v. 1, p. 117-126.

SANTOS, V. de M. Matemática: uma construção humana. In: MURRIE, Z. de F. (Org.). Matemática e suas tecnologias: Ensino Fundamental. 1ed.Brasilia: INEP, 2002, v. 1, p. 11-30.

 

 

 

 

 


 

NOTAS

1- A MATEMÁTICA ESCOLAR, O ALUNO E O PROFESSOR: PARADOXOS APARENTES E POLARIZAÇÕES EM DISCUSSÃO, Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 74, p. 25-38, jan./abr. 2008 e Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>.

2- PNE e condição docente: para uma ontologia do trabalho docente. ZETETIKÉ (ON LINE), v. 24, p. 173-186, 2016.

3- “A meta 7 trata do fomento da qualidade, da melhoria do fluxo escolar e de aprendizagem com vistas a determinadas médias no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)”. (MOLL, 2015, p.378). Disponível em: MOLL, Jaqueline. O PNE e a educação integral: desafios da escola de tempo completo e formação integral. Retratos da Escola, v. 8, n. 15, p. 369-381, 2015.

4- Programa Um Computador por Aluno. Mais informações no texto: VALENTE, José Armando; MARTINS, Maria Cecília. O programa um computador por aluno e a formação de professores das escolas vinculadas à Unicamp. Revista GEMInIS, v. 2, n. 1, p. 116-136, 2011.

 

 

Recebido: 29 jan. 2019

Aprovado: 20 abr. 2019

DOI:10.3895/actio.v4n1.9452

Como citar:

ELIAS, A. P. A. J.; MOTTA, M. O Ensino de Matemática: entrevista com o professor Vinicio de Macedo Santos. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 1, p. 206-217, jan./abr. 2019. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX

Correspondência:

Ana Paula de Andrade Janz Elias

Rua Abrão Winter, 510, sobrado 01, Xaxim, Curitiba, Paraná, Brasil.

Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional.

 

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ACTIO : docência em ciências [recurso eletrônico] / Universidade Tecnológica Federal
do Paraná, Programa de Pós-graduação em Formação Científica, Educacional
e Tecnológica. – v. 1, n. 1 (Set.-Dez. 2016-). – Curitiba, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, 2016-
     v. : il.

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    ISSN: 2525-8923

         1. Ciência – Periódicos. 2. Ciência – Estudo e ensino – Periódicos. 3. Biologia
– Estudo e ensino – Periódicos. 4. Física – Estudo e ensino – Periódicos. 5. Química
– Estudo e ensino – Periódicos. 6. Matemática – Estudo e ensino – Periódicos.
I. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação
em Formação Científica, Educacional e Tecnológica.

                                                                                                     CDD: ed. 23 -- 505

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Biblioteca Central da UTFPR, Câmpus Curitiba
Bibliotecário: Adriano Lopes CRB-9/1429

ISSN: 2525-8923

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