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Compreensões de professoras dos anos iniciais sobre os objetivos do ensino de ciências, da alfabetização científica e tecnológica e das relações entre CTS no ensino fundamental

Hanslivian Correia Cruz Bonfim

hansbonfim@gmail.com

orcid.org/0000-0002-7833-871X

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil

Orliney Maciel Guimarães

orli.guimaraes@gmail.com

orcid.org/0000-0003-4762-4884

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil

RESUMO

Este artigo tem como objetivo identificar e analisar as compreensões de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental sobre os objetivos do Ensino de Ciências (EC), da Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT) e das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) nessa etapa de ensino. Para a constituição dos dados foram entrevistadas nove professoras do ciclo II da rede municipal de ensino de Curitiba, foram realizadas observações de aulas e análise dos planos de aulas das referidas professoras. A metodologia de análise utilizada foi a Análise Textual Discursiva. Constatou-se que grande parte das professoras compreende que o EC pode possibilitar ao aluno maior compreensão de mundo, e que os conteúdos dessa área fazem parte do cotidiano da criança; as professoras reconhecem a existência da relação entre CTS, mas não apresentam a compreensão necessária para estabelecer as implicações entre CTS no contexto da sala de aula; algumas professoras consideram a tecnologia como recurso didático e a maioria das professoras, colaboradoras da pesquisa, não conhecia o termo Alfabetização Científica e Tecnológica.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Ciências. Anos iniciais. Alfabetização científica e tecnológica. Ciência, Tecnologia e Sociedade.

INTRODUÇÃO

Nos primeiros anos do Ensino Fundamental é importante que os alunos, mediante a intervenção do professor, construam noções a respeito dos conceitos científicos e comecem a perceber que existem diferentes explicações para determinados fatos e fenômenos da natureza.

É considerada uma importante conquista pedagógica para o professor quando o aluno é capaz de explicar os fatos e fenômenos da natureza fundamentados nos conhecimentos científicos (BRASIL, 2018). Nesta perspectiva, os estudantes nos anos iniciais começam a construir seus conceitos e a aprender sobre o meio ambiente do qual fazem parte, “através da apropriação e compreensão dos significados que as Ciências Naturais apresentam” (LORENZETTI, 2000, p. 14), o que poderá contribuir para o desenvolvimento da Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT).

Neste sentido, este trabalho é um recorte de uma pesquisa de mestrado, cujo objetivo geral foi o de estudar e analisar as ações educativas desenvolvidas pelos professores que lecionam Ciências no Ciclo II do Ensino Fundamental da rede municipal de Curitiba, a fim de identificar se tais ações contribuem para o processo de alfabetização científica e tecnológica dos estudantes. Neste artigo, discutimos as seguintes categorias: compreensões sobre o objetivo do ensino de Ciências nos anos iniciais no Ensino Fundamental; compreensões sobre ACT e compreensões sobre as relações entre CTS. Nessa pesquisa de mestrado, as ações educativas se referem às estratégias de ensino e aos recursos didáticos utilizados pelos professores, no sentido destes contribuírem por meio de suas ações, para o processo de alfabetização científica e tecnológica dos alunos.

Embora existam outros trabalhos na literatura que discutam as concepções de professores sobre o objetivo de ensinar Ciências nos anos iniciais (AUGUSTO; AMARAL, 2015; OLIVEIRA et al., 2015; RODRIGUES; RODRIGUES, 2018), sobre as compreensões sobre CTS (GONÇALVES et al., 2017; OLDONI, LIMA, 2017) e sobre concepções sobre Tecnologia (SIMEÃO, 2019) nesse nível de ensino; esses trabalhos utilizam como fonte de dados entrevistas com professoras e análise de documentos. Consideramos que essas fontes permitem avaliar o que os professores declaram sobre esses temas, mas não permitem compreender como essas concepções se concretizam no planejamento e na prática pedagógica em situação concreta em sala de aula. Dessa forma, nesse trabalho a análise de dados se deu a partir da triangulação dos dados, assim foi possível depreender as compreensões das professoras dos anos iniciais a partir do declarado (entrevistas), do pensado (planos de aula), e do realizado (observação das aulas) por elas; e como as mesmas incorporam essas compreensões sobre os objetivos do ensino de Ciências, sobre as relações CTS e sobre tecnologia em suas aulas.

O ENSINO DE CIÊNCIAS E O DESENVOLVIMENTO DA ACT NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

A escola é a instituição que tem como um dos seus papéis possibilitar o acesso do estudante ao conhecimento científico. Onde os professores, mediante suas ações educativas, podem contribuir para que as crianças, desde os anos iniciais, tenham acesso ao ensino de Ciências, sendo que uma das metas desse ensino é o desenvolvimento da alfabetização científica e tecnológica (LORENZETTI, 2000). O referido autor define alfabetização científica nos anos iniciais como “[...] um processo pelo qual a linguagem das Ciências Naturais adquire significado, constituindo-se em um meio para o indivíduo ampliar o seu universo de conhecimentos, a sua cultura como cidadão inserido na sociedade” (LORENZETTI, 2000, p. 122). Diante disso, vários autores consideram importante que, nos anos iniciais, as crianças possam iniciar o processo de ACT (LORENZETTI, 2000; SASSERON, 2008; SASSERON e CARVALHO, 2008; FABRI, 2012; VIECHENESKI, LORENZETTI e CARLETTO, 2012; VIECHENESKI, 2013) por meio do aprendizado de Ciências no contexto escolar.

Neste sentido, é essencial que o ensino de Ciência possa contribuir para que o educando desenvolva uma visão global da sociedade e perceba que o que está sendo ensinado na escola faz parte de seu cotidiano. Assim, o EC nos anos iniciais colabora para a formação da cidadania, por meio de estratégias pedagógicas adequadas, que instrumentalizam os estudantes para que compreendam melhor o meio natural e social do qual fazem parte, diante desse conhecimento científico os estudantes passam a tomar decisões no seu contexto social. Para Lorenzetti (2000, p.81) o ensino de Ciências nos anos iniciais só terá “sentido se possibilitar aos alunos a compreensão do funcionamento do mundo, contribuindo e ensinando constantemente a tomar decisões, para agir independentemente na sociedade”. Nesta perspectiva Oldoni e Lima (2017, p. 43) destacam que “a Alfabetização Científica possibilita ao sujeito a compreensão dos fenômenos e influências da ciência presente no cotidiano, e o desenvolvimento de uma postura mais crítica durante as tomadas de decisões”.

Partimos do princípio que, quando o educando dos anos iniciais compreende que os conhecimentos científicos apresentados na escola fazem parte do seu cotidiano e que por meio desses, ele consegue ter melhor entendimento sobre o que acontece consigo e ao seu redor, ele poderá começar a fazer escolhas mais responsáveis diante dos desafios propostos pelo seu meio social.

Nessa perspectiva, a BNCC (BRASIL, 2018, p. 321) preconiza que o ensino de Ciências, nessa etapa de ensino, possibilita “que os alunos tenham um novo olhar sobre o mundo que os cerca, como também façam escolhas e intervenções conscientes e pautadas nos princípios da sustentabilidade e do bem comum”. Assim, considera-se essencial que a educação científica e a alfabetização científica proposta para os anos iniciais possam “situar o ser humano no universo em que está inserido, instrumentalizando-o a compreender, a analisar, a discutir e a transformar o seu meio” (LORENZETTI, 2000, p. 43).

Dessa forma, consideramos que, quando o indivíduo consegue dar significado aos conhecimentos científicos e tecnológicos, compreendendo que estes contribuem para explicar os vários fenômenos naturais e sociais que fazem parte do contexto no qual vive, ele poderá começar a ter um olhar crítico diante do seu contexto social. No entanto, ressaltamos que ACT não se restringe apenas aos conceitos científicos, consideramos esta um processo mais amplo, o qual contribuirá para que o indivíduo alfabetizado científica e tecnologicamente se envolva com temas voltados à Ciência e à Tecnologia, e que tenha uma visão questionadora diante desses temas (LORENZETTI, 2000; LORENZETTI e DELIZOICOV, 2001; SASSERON e CARVALHO, 2008).

Neste sentido, consideramos importante que o professor, ou a professora dos anos iniciais, compreenda as inter-relações entre CTS para que possa planejar suas aulas de maneira que consiga desenvolver os conteúdos de Ciências, fazendo as relações com a Tecnologia e a Sociedade.

AS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

Defende-se que é fundamental que o professor conheça a sociedade na qual está inserido, que tenha um olhar crítico diante da vida social da qual faz parte, compreendendo as influências da Ciência e da Tecnologia na sociedade, bem como a influência da sociedade no desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia (CT). Para Rodrigues e Rodrigues (2018, p. 73) os professores não podem ignorar a existência da influência da ciência e da tecnologia nos dias atuais, e que diante disso é necessário os professores propiciarem “já no início dos anos escolares, uma educação que permita aos alunos desenvolver autonomia para pensar e agir em situações do seu cotidiano, especialmente aquelas que envolvam conhecimentos de ciências”.

Assim, é importante que o professor entenda as inter-relações entre CTS, para que desenvolva os conteúdos de Ciências objetivando essas imbricações.

Nesta perspectiva, Fabri e Silveira (2012) destacam que:

A Ciência e a Tecnologia trazem consequências para a sociedade e para o meio ambiente. O professor, juntamente com a sua turma, precisa abordar temas curriculares pertinentes, que fazem parte da vivência de seus alunos e, a partir daí, desenvolver um trabalho relacionando à Ciência e à Tecnologia, seus impactos, suas vantagens e desvantagens (FABRI; SILVEIRA, 2012, p. 79).

Portanto, o trabalho docente voltado para as relações entre Ciência, Sociedade e Tecnologia contribui para a formação da cidadania (VIECHENESKI; SILVEIRA, 2012), no sentido de possibilitar que os estudantes estabeleçam relações entre os aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, etc., no contexto das aulas de Ciências, pois a tecnologia e a ciência não são vistas como neutras e o estudante consegue entender, com maior criticidade, as informações que recebe dos meios de comunicação ou ao ler um texto, por exemplo.

Consideramos que, quando o estudante tem acesso a uma educação científica voltada aos temas sociais que tratam dessas relações entre CTS, ele poderá desenvolver maior habilidade em tomar decisões na sociedade frente às contradições existentes em seu contexto social. Para Auler e Delizoicov (2006, p.338) para que haja uma “leitura crítica da realidade”1, torna-se cada vez mais fundamental uma compreensão crítica sobre as interações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, considerando que a dinâmica social contemporânea está fortemente marcada pela presença da CT”.

Portanto, desde os anos iniciais propõe-se refletir sobre questões voltadas à tecnologia (BRASIL, 2018), destacando as influências da mesma na sociedade, mostrando os benefícios e malefícios dessas criações.

Assim, para que o professor desenvolva os conteúdos, estabelecendo as relações entre CTS, é necessária uma mudança nas suas ações educativas (FABRI, 2012). Viecheneski e Silveira (2012) explicam a importância de o professor trazer questões para serem refletidas e discutidas na sala de aula, dialogando sobre os benefícios e malefícios que as invenções científico-tecnológicas podem trazer para as pessoas e para o meio ambiente. Ainda, complementam que, a partir dessa abordagem, o trabalho pedagógico poderá ser realizado pelo professor de forma mais contextualizada e interdisciplinar.

Assim, se o professor partir dos conhecimentos prévios dos alunos, das situações reais vividas por eles e fizer uma articulação entre os conteúdos de Ciências com conteúdos de outros componentes curriculares, poderá dar condições para que as crianças criem novas hipóteses sobre os fenômenos naturais e sociais, os seres vivos, o ser humano, o meio ambiente e a tecnologia.

PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa possui abordagem qualitativa de natureza interpretativa, e se refere a um recorte de uma dissertação de mestrado cujo objetivo geral foi estudar e analisar as ações educativas desenvolvidas pelos professores que lecionam Ciências no Ciclo II do Ensino Fundamental da rede municipal de Curitiba, a fim de identificar se tais ações contribuem para o processo de ACT dos estudantes. As participantes da pesquisa foram professoras do 4º ano e do 5º ano.

Para a seleção das professoras foram considerados dois critérios, sendo que o primeiro se referia a atuar no Ciclo II do Ensino Fundamental e o segundo, que as professoras deveriam ser de escolas diferentes. Para escolher as escolas participantes da pesquisa foi definido que seria uma de cada Núcleo Regional de Educação de Curitiba, sendo que neste município, no período em que foi realizada a pesquisa, havia nove (09) núcleos2.Após a autorização da Secretaria Municipal de Educação, entramos em contato com as diretoras das escolas, via telefone, para verificar o interesse das mesmas em participar da investigação.

Após a autorização das equipes pedagógico-administrativas das escolas participantes, estas definiram, juntamente com o grupo de docentes, a professora do Ciclo II (4º e 5º ano) que participaria da pesquisa. Posteriormente à aceitação da docente em participar da investigação, foi marcada a data para realização da entrevista com as professoras, as quais assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. No momento da entrevista, foram agendadas as observações das aulas e foram solicitadas cópias dos planos de aulas, para posterior análise. Para a constituição dos dados da pesquisa, foram realizadas entrevistas com as professoras; observações de suas aulas, perfazendo um total de 25 aulas observadas; e a análise dos planos de aula.

Para realizar a análise dos dados utilizou-se a Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011), a qual “é uma abordagem de análise de dados que transita entre duas formas consagradas de análise na pesquisa qualitativa, que são a análise de conteúdos e a análise de discurso” (MORAES; GALIAZZI, 2006, p. 118).

Para que a análise textual se concretize, é necessário um conjunto de documentos denominado de corpus, o qual “representa as informações da pesquisa e, para a obtenção de resultados válidos e confiáveis, requer uma seleção e delimitação rigorosa” (MORAES, 2003, p. 194). No quadro 1 se encontra o corpus da pesquisa:

Quadro 1 – Corpus da pesquisa

Corpus da Pesquisa

Interlocutores

09 entrevistas com professores (P1-P9)

09 professores do Ciclo II do Ensino Fundamental

 

25 observações de aulas (AULA1-P1- AULA3-P3)

09 planos de aula (PL-P1 –PL-P9)

Fonte: Autoria própria (2019).

Após definido o corpus da pesquisa, ocorreu o início do ciclo de análise a partir da desconstrução do texto e unitarização, que se baseia na análise dos materiais em seus detalhes, dando origem à fragmentação destes, a fim de se atingir as unidades constituintes. Após esta etapa realizou-se o estabelecimento de relações e categorização. As categorias, portanto, são os conjuntos dos elementos de significação próximos. No conjunto das categorias que serão constituídos os elementos que darão origem à organização dos metatextos, os quais são explicações das relações entre as categorias e é, nesse momento, que o pesquisador se assume como “autor de seus argumentos” (MORAES, 2003, p. 202). Esta é a terceira etapa do ciclo de análise, denominada captando o novo emergente. E a última etapa realizada foi o processo de auto-organização que tem como objetivo a emergência das novas compreensões sobre o fenômeno investigado.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

A partir do processo de unitarização, conforme o primeiro ciclo de análise da ATD foi possível estabelecer, dentre outras, as seguintes categorias: Compreensões sobre o ensino de Ciências nos anos inicias; Compreensões sobre ACT e Compreensões das relações entre CTS; as quais serão discutidas a seguir a partir de proposições.

Compreensões sobre o ensino de Ciências nos anos iniciais

Proposição I – Para grande parte das professoras, o ensino de Ciências contribui para que os estudantes compreendam melhor o mundo no qual estão inseridos, pois a Ciência faz parte do dia a dia deles.

Para oito das professoras que participaram da pesquisa, o EC possibilita ao aluno melhor compreensão de mundo, pois os conteúdos propostos encontram-se no dia a dia dos estudantes. Para as professoras, o aluno necessita perceber e compreender que a ciência está presente em sua vida, para que esta linguagem tenha significado. Como evidenciado nas falas das professoras a seguir:

“Eu acho que o ensino de Ciências para essa nova geração faz com que eles entendam esse mundo de uma forma muito rápida, o mundo é tão rápido, que eles não conseguem se perceber enquanto indivíduos [...]” (P1).

“O objetivo é esse mesmo, fazer com que a criança interaja, veja que a Ciência está no dia a dia, que a Ciência está em casa, na rua e não está só na escola. Que a ciência é algo vivo e, em evolução constante” (P2).

“Eu acho que o ensino de Ciências é importantíssimo no contexto escolar, porque a criança além de aprender mais sobre o mundo, sobre o corpo, sobre a parte de Ciência mesmo, nós fazemos essas práticas, esses experimentos, a criança vivência isso” (P3).

“O conhecimento de mundo. Por que a Ciência tem o tema Universo, têm os problemas ambientais que a gente tem hoje em dia... então isso, como eu falei antes, para o futuro isso será muito bom, porque eles irão construir um conhecimento que todo mundo sabe que será preciso daqui para frente” (P4).

Nas citações acima verificamos que há a compreensão de que a Ciência faz parte da vida da criança, e que isso precisa ser explorado no contexto educativo. Consideramos que os primeiros anos escolares consistem em um período fundamental para que a criança compreenda os conhecimentos voltados às Ciências Naturais, e que se sinta interessada em compreender as relações desse conhecimento com o mundo que lhe cerca. Corroborando essa ideia, Lorenzetti (2000) destaca que: “[...] as quatro primeiras séries3 do Ensino Fundamental constituem o período de instrumentalização do indivíduo para a compreensão do seu mundo. E as Ciências Naturais são parte integrante e indissociável deste universo” (LORENZETTI, 2000, p. 27). Isto significa dizer que se considera que o estudante possa explicar os fenômenos naturais e sociais por meio da linguagem científica.

Neste sentido, os conteúdos de Ciências não devem ser resumidos em fatos e conceitos, e nem trabalhados de forma fragmentada, mas sim que o professor possa, em sua prática pedagógica, criar estratégias de ensino em que os conteúdos não fiquem restritos apenas à memorização de conceitos, ou a responder questionários, mas que, sobretudo, faça o aluno pensar sobre determinados temas e que haja relação desses com sua vida social (LORENZETTI, 2000).

Muitas professoras destacam a importância de se conhecer o ser humano não apenas por meio desse ensino, mas estabelecendo relações desse ser humano com outras instâncias da sociedade, como destacado na fala da professora P8:

“Eu acho que é um entendimento do ser humano com o mundo, ser humano com o outro ser humano; com o outro ser vivo, em relação ao cuidado com o ambiente, cuidado com as outras pessoas, se conhecer, conhecer o outro” (P8).

Nesta citação observa-se a relação do conteúdo de Ciências com questões voltadas à formação de atitudes de cuidado com o outro e a necessidade de se reconhecer enquanto seres humanos, para poder conhecer outras relações estabelecidas no contexto social, no qual os estudantes estão inseridos. Neste entendimento, esse ensino possibilitaria a ampliação de visão de mundo dos estudantes.

Das oito professoras entrevistadas, apenas uma relatou sobre a influência do ensino de Ciências para o desenvolvimento da criticidade do aluno, no sentido de se tornar cidadão, como neste fragmento:

“Os meus alunos são críticos e eu acho que essa criticidade que faz com que a criança evolua que faça com que a criança seja um cidadão de verdade. Eu acho que a ciência tem essa influência na criança” (P2).

Essa ideia está próxima do que compreendemos sobre ACT, ou seja, que por meio do EC os estudantes possam tornar-se “cidadão críticos, conscientes, capazes de ler e interpretar o mundo, o seu contexto e, assim ensejar a tomada de decisões numa perspectiva de transformação” (LORENZETTI, 2000, p. 63).

Observamos, em alguns planos de aula das professoras participantes da pesquisa, que algumas ideias, palavras e expressões sugerem a relação do conteúdo com o cotidiano do estudante. Essas relações foram identificadas a partir de alguns aspectos observados a saber: o uso da primeira pessoa do plural na escrita do planejamento, sugerindo a ideia de que o tema estudado faz parte do cotidiano e da vida do estudante; a proposta de atividades e expressões nas quais o corpo da criança é considerado referência para desenvolver os conteúdos voltados ao tema corpo humano; o desenvolvimento dos conteúdos propostos percebendo esses como importantes para a vida deles em sociedade; as interdependências e influências entre os elementos naturais e os seres vivos; e o desenvolvimento dos conteúdos conceituais juntamente com os atitudinais.

Nos trechos a seguir verifica-se que os textos do plano de aula são apresentados na primeira pessoa do plural, considerando dessa forma, que o estudante faz parte daquele tema. Os fragmentos a seguir evidenciam esta relação:

“Nossas células produzem muitos resíduos que devem ser eliminados do organismo” (PL – P2).

“Nosso estado geral de saúde depende muito do bom funcionamento dos rins, porque a ele cabe a importante função de filtrar o plasma sanguíneo [...]” (PL – P2).

“O efeito estufa é um fenômeno natural que acontece no nosso planeta, para manter a temperatura sempre constante e adequada para a vida na Terra. Se não existisse este fenômeno, a temperatura do nosso planeta ficaria muito baixa e não existiriam vida nem água na forma líquida” (PL – P5).

Em relação a aproximar o conteúdo trabalhado à realidade da criança, no sentido de que esta perceba que os temas de Ciências possibilitam uma melhor compreensão do mundo no qual está inserida, Chassot (2000, p. 94) explica sobre a importância de tornar o ensino menos asséptico, ou seja, que é necessário “encharcá-lo na realidade”. Para esse autor é importante que os alunos sejam envolvidos nas discussões de problemas que são próximos a eles. Isso poderia contribuir para que os estudantes pudessem se tornar mulheres e homens críticos, responsáveis pela construção de uma sociedade com menos desigualdades.

Outra ideia destacada nos planos de aulas das professoras, mais especificamente, das turmas de 5º ano, três docentes (P2, P3 e P8) planejaram estratégias em que o corpo do estudante é referência para os temas relacionados ao Corpo Humano. Como por exemplo, quando a professora P2 solicita que o estudante coloque sua mão no centro do peito e pergunta o que ele sentiu, como o trecho a seguir:

“Coloque sua mão direita no centro do peito. A) O que você sentiu? Alguns vasos sanguíneos podem ser vistos sob a pele. Observe seus braços ou mãos e verifique se você consegue ver alguns vasos sanguíneos” (PL – P2).

As professoras P2, P3 e a P8 planejam momentos na aula para que os estudantes reflitam sobre o que sentem em relação à adolescência, fase da vida em que muitos alunos já se encontram nesta etapa de ensino:

“Esse mesmo professor destaca para os estudantes a seguinte frase: “Parabéns! Vocês estão entrando na ADOLESCÊNCIA e consequentemente na PUBERDADE” (PL – P2).

“O que sente em relação à adolescência? Sentimentos: Curiosidade, Medo, Vergonha, Orgulho, Mudanças cheguem logo, Mudanças demorem” (PL – P3).

“Preste atenção na imagem a seguir e responda: a) Quais das falas se referem a algo pelo que você passou ou está passando? b) Cite duas mudanças que já ocorreram com você” (PL – P3).

“Escreva um texto em folha avulsa falando de si mesmo, como o título: ‘O que está acontecendo comigo” (PL – P8).

Nessas estratégias de ensino a professora considera o que a criança sente e o que ela vivencia em relação ao conteúdo trabalhado, além de permitir que a criança perceba que o conteúdo trabalhado faz parte do seu corpo. Nesse sentido Meyer (2010, p.80) destaca que:

Atividades de percepção, interpretação e compreensão do corpo humano são fundamentais nas primeiras séries do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano). Ao adotar como referência o corpo dos alunos e alunas há o incentivo para se conhecer e estudar o corpo no que precisa de atenção, cuidados, diversão e carinho (MEYER, 2010, p. 80).

Desta forma, quando a professora planeja atividades voltadas para o corpo da criança, ela permite a contextualização do conteúdo; isto significa dizer que a criança percebe a Ciência no seu contexto, na sua vida, e que aqueles conteúdos possibilitam que ela se compreenda melhor enquanto ser humano.

Fragmentos de alguns planos de aulas também indicam a atenção das professoras em possibilitar que a criança compreenda os conteúdos propostos, percebendo esses como importantes para a vida deles em sociedade, como os trechos retirados dos planos de aula da P1 e P9:

“Oportunizar aos alunos perceberem a importância de conhecer o sistema reprodutor feminino e masculino, não somente para a avaliação, mas também, para sua vivência” (PL – P1).

“Objetivo: Conscientizar os alunos do perigo da doença (Dengue) e como é simples e fácil de evitá-la e combatê-la com ações simples do dia a dia” (PL – P9).

Um aspecto a considerar nos planos de aula é quando as professoras, ao desenvolver os conteúdos propostos, explicam sobre as interdependências e influências entre os elementos naturais e os seres vivos, possibilitando uma contextualização dos conteúdos trabalhados. Conforme constatado nos trechos a seguir:

“O solo é importante, pois dele é extraída a maior parte da alimentação das pessoas e de outros animais” (PL – P5).

“Reconhecer que os seres vivos dependem do solo para sobreviver e que contribuem para a manutenção de suas características. Perceber a importância do solo para o ser humano e a necessidade de cuidar desse recurso natural” (PL – P6).

“Solo é a camada da superfície terrestre onde nascem e crescem diversas plantas, onde vivem pessoas e muitos outros animais” (PL – P6).

Nas observações das aulas depreende-se que grande parte das professoras ao desenvolver os conteúdos em sala de aula, tentam aproximar os conteúdos trabalhados à vida do estudante. Como por exemplo, nesses trechos de aulas observadas:

“A professora perguntou para a turma: ‘Você vai pular de paraquedas o que o seu corpo irá produzir?’ Algumas crianças falaram adrenalina, e a professora confirmou ‘Vai produzir a adrenalina!’” (AULA 2 – P2).

“E ainda explicou: O meu sistema circulatório precisa funcionar... Quem é que vai levar esses hormônios? É o meu sangue, porque ele vai junto com o meu sangue... A professora explicou: Não dá para a gente falar somente de cérebro agora, porque ele funciona separado, eu vou falar só do coração agora porque ele funciona separado. Não! Tudo funciona em sequência, e se alguma coisa não está funcionando... Opa! Está na hora de fazer vistoria...” (AULA 2 – P2).

Na fala da professora P2 fica evidente a inter-relação dos sistemas no organismo, explicando que há a necessidade de um equilíbrio para que o corpo esteja saudável. Ou seja, a ideia do corpo como um todo, formado por partes que trabalham de forma sincrônica, possibilitando a relação de um sistema com o outro. Corroborando com esta ideia Cunha, Freitas e Silva (2010, p. 67) destacam que: “Devemos em nossas aulas, tratar o corpo humano como um organismo que funciona como um todo integrado”.

Ao desenvolver os temas referentes ao ensino de Ciências, algumas professoras, em suas aulas, trabalhavam os conteúdos atitudinais juntamente com os conteúdos conceituais relacionados ao corpo humano, o que é verificado nos trechos a seguir:

“[...] Pessoas que se relacionam, que gostam de pessoas do mesmo sexo, e não do sexo oposto. Então, é homem que se relaciona com homem, e mulher que se relaciona, ou casa, ou namora com mulher. Então, assim gente, uma questão muito importante na aula de hoje: Respeito a todos e todas! Independente da orientação sexual da pessoa, não é porque a pessoa é hétero ou homo que a gente vai tratar melhor ou pior. Então a pessoa homo e heterossexual tem que ser tratada igualmente” (AULA 1 – P3).

“[...] explicou sobre a importância da higiene na fase da adolescência, porque o corpo está mudando e que aumenta a quantidade de pelos, e que durante o dia eles suam, transpiram e, por consequência, acabam cheirando mal. E por isso é necessário a higiene, o banho, usar sabonete e lavar todas as partes do corpo e inclusive as íntimas” (AULA 1 – P9).

No trecho da aula da professora P3 evidencia-se a questão de atitude de respeito às diferenças individuais ao desenvolver o tema referente às diferentes formas de manifestar a sexualidade, bem como a compreensão que o corpo humano não é apenas biológico, mas social e cultural (MEYER, 2010). No discurso da professora P9 evidencia-se a atitude de cuidar do próprio corpo, em relação aos cuidados referentes à higiene.

Nesse sentido, compreendemos que o EC está atrelado aos conceitos científicos, mas também aos conteúdos atitudinais. Consideramos, portanto, que não há como desvincular os conteúdos científicos dos atitudinais, se o objetivo do EC for a Alfabetização Científica e Tecnológica dos estudantes. Pois, ao desenvolver as atitudes juntamente com os conteúdos propostos, o professor estará contribuindo para que o estudante desenvolva determinadas habilidades e formas de agir no contexto social no qual está inserido, como por exemplo, tomando decisões na sua prática social.

Nesta perspectiva, o ensino de Ciências contribui para a construção do conhecimento científico, no sentido de possibilitar que os estudantes compreendam como funciona a natureza, a ciência e a tecnologia, e que possam agir na sociedade de forma crítica, compreendendo as relações de interdependência que existem entre o ser humano, o restante da natureza e a cultura.

A ideia de que o ensino de Ciências possibilita melhor compreensão de mundo pela criança, e que muitos conteúdos fazem parte do cotidiano, foi destacada pela maioria das professoras. Essa constatação foi corroborada com o que é proposto nos planos de aula, nos quais há algumas palavras e expressões que sugerem a relação do conteúdo com o cotidiano do estudante, como por exemplo, quando a professora considera o corpo da criança como referência para ao desenvolvimento das atividades propostas e quando sugerem as interdependências e influências entre os elementos naturais e os seres vivos; bem como os conteúdos atitudinais são desenvolvidos juntamente com os conteúdos conceituais. Constatamos também uma coerência com o que estava disposto no plano de aula com o que as professoras propuseram em sala de aula. Pois, nas aulas, grande parte das professoras estabelecia articulações dos conteúdos trabalhados com aspectos da vida da criança, para que estes conteúdos fossem mais bem compreendidos pelos alunos.

Compreensões das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade

Proposição I – Nas falas das professoras ficou evidente que grande parte delas conhece a existência da relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, mas não apresentam a compreensão necessária para estabelecer as implicações entre CTS no contexto da sala de aula.

Ao entrevistar as professoras de Ciências do Ciclo II do Ensino Fundamental, uma das indagações realizadas foi a respeito de como elas compreendiam a inter-relação entre a CTS. Por meio da análise das respostas, evidenciou-se que elas sabem que existe esta relação e algumas professoras tentaram explicar por meio de exemplos de suas aulas, como verificado nos discursos a seguir:

“Hoje a Ciência, a tecnologia e a sociedade não andam mais separadas. Eu acho que o ensino de Ciências para essa nova geração faz com que eles entendam esse mundo de uma forma muito rápida, o mundo é tão rápido, que eles não conseguem se perceber enquanto indivíduos. Eu acho que é o ensino de Ciências que faz com que eles entendam que o mundo deles hoje...” (P1).

“Na realidade eu acho que ciência e tecnologia estão lado a lado. Porque a ciência precisa da tecnologia para avançar em muitas coisas, eu nem sei se dá para separar Ciência e Tecnologia. E a sociedade somos nós, vivendo toda a evolução das ciências agora com a ajuda da tecnologia” (P2).

“O Ensino de Ciências, a sociedade e a tecnologia...Eu vou lhe dar um exemplo das minhas aulas, não sei se tem a ver. Então, assim... Nós trabalhamos muito com esta questão do público e do privado na sexualidade, que é o tema que nós estamos trabalhando agora, é o que as pessoas podem fazer no público e o que podem fazer só no privado. E aí entrou a questão da tecnologia, esta questão da internet, e que tudo está muito fácil na internet, esses filmes que estão muito fácil hoje para as crianças estarem assistindo, filmes pornográficos, até mesmo essa questão de pedofilia na internet, então trabalho muito essa questão voltada à tecnologia dessa maneira em Ciência (P3).

“[...] Bom na realidade tudo é ciências, se a gente for pensar, tudo...Por exemplo, a água... eu trabalhei que a água sai da nascente, que vai para usina, foi todo um processo, da usina como é o caminho, a gente trabalhou como que é uma usina, a estação de tratamento, como que ela chega em casa, na torneira, isso é a tecnologia, e daí quando chega em casa, a sociedade e que tem que ver o tratamento da água, a da torneira” (P6).

Dessa maneira constatamos que algumas professoras compreendem que há essa relação e imbricação, como verificado no exemplo dado referente às influências dos meios tecnológicos e a ciência na sociedade. E essas falas nos dão alguns indícios sobre este aspecto. Na fala da professora P3 fica evidente que esta considera que a tecnologia não traz apenas benefícios para as pessoas, pode trazer consequências negativas também, como o uso inadequado da internet. Essa visão poderá contribuir para que a criança tenha um olhar mais crítico de como utilizar, por exemplo, o computador. Quando a professora destaca que ela faz a relação do conteúdo com o cotidiano da criança, isso possibilita que a criança compreenda a influência da Ciência na sociedade.

A professora P2 deixa explícito que existe essa relação e interdependência entre Ciência e Tecnologia, corroborando com o que Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p. 60) destacam: “Essa relação entre ciência e tecnologia, aliada à forte presença da tecnologia no cotidiano das pessoas, já não pode ser ignorada no Ensino de Ciências, e sua ausência aí é inadmissível”. A professora P1 também considera as influências da tecnologia na sociedade, as mudanças que ocorreram na sociedade e no comportamento humano com a introdução das mídias, tecnologia, e ainda ressalta que a Ciência contribui para que o estudante compreenda melhor essas mudanças e se perceba enquanto indivíduo inserido num contexto social.

Na fala da professora P6, por meio do exemplo dado, ela consegue explicar as relações entre CTS, pois a professora salienta sobre a água no Ecossistema e qual o caminho percorrido até chegar às residências das pessoas. No entanto, consideramos que neste tema seria importante destacar uma visão mais crítica sobre questões voltadas ao uso da água pelas pessoas, aos cuidados para com esse recurso natural, bem como esclarecer como as usinas hidrelétricas podem ser prejudiciais para o meio ambiente. Esperava-se que também fossem destacadas tanto as contribuições como as limitações da Ciência e da Tecnologia. Como destacado por Fabri (2012):

Uma educação científica busca preparar o aluno para que saiba conviver com o avanço científico e tecnológico refletindo sobre os impactos, fazendo com que ele saiba se posicionar diante das situações que emergirem ao seu redor desde os anos iniciais até níveis superiores transformando os saberes do senso comum em conhecimentos mais elaborados (FABRI, 2012, p. 23).

Neste sentido, o professor contribui para que a criança desenvolva um olhar crítico diante do contexto no qual está inserida.

Dessa maneira, se o professor não tem claro quais são essas relações e como trabalhá-las no contexto escolar, acabará promovendo uma prática pedagógica não reflexiva e, portanto, acrítica diante das implicações da Ciência, Tecnologia e Sociedade. Bocheco (2011) destaca que:

A tarefa de levar a tecnologia até a sala de aula como objeto de ensino exige dos professores responsáveis pelo saber ensinado, uma determinada concepção de tecnologia. No entanto, resultados de pesquisas na área de Ensino de ciências apontam que tal concepção ainda é extremamente precária ou praticamente inexistente (BOCHECO, 2011, p. 109).

Dessa maneira, não se alcança “uma das funções do Ensino de Ciências no Ensino Fundamental e Médio, que é permitir ao aluno se apropriar da estrutura do conhecimento científico e de seu potencial explicativo e transformador, de modo que garanta uma visão abrangente, quer do processo, quer daqueles produtos [...]” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011, p. 60).

A professora P8 salienta que é possível realizar a articulação entre estas instâncias, no entanto, ao explicá-la, relata apenas a relação com a sociedade, como evidenciado na sua fala:

“Dá para fazer a relação, porque sempre quando eu começo um conteúdo, a gente fala sobre certo sistema, por exemplo, daí quando eu termino esse sistema, eles não relacionam com o corpo mesmo ali, mas daí na hora em que começo falar das doenças, eles falam ‘ah a minha tia isso o quê, o meu tio isso o quê...’ daí eles relacionam mais quando a gente fala sobre as doenças” (P8).

Em todos os planos de aulas das professoras participantes da pesquisa, constatamos que há o planejamento de temas que possibilitam a articulação entre CTS, conforme o plano de aula da professora P1no trecho a seguir:

“Saber que o ser humano passa por mudanças físicas, psíquicas e sociais ao longo da vida” (PL – P1).

Neste fragmento fica evidente que a professora planejou trabalhar não apenas os aspectos voltados ao aspecto biológico, mas também aos aspectos relacionados ao social e ao cultural, os quais também influenciam o comportamento e o desenvolvimento das pessoas. A professora P2 destacou questões em seu planejamento referentes às doenças e seus tratamentos, como pode ser observado neste fragmento:

“Entretanto, podem ocorrer doenças nos rins ou nas vias urinárias. As mais graves são as que afetam diretamente os rins, pois prejudicam o processo de filtração do sangue. As doenças mais comuns do sistema urinário são: cistite, cálculos renais e nefrite” (PL – P2).

O tema sexualidade e suas diferentes formas de manifestação, bem como assuntos voltados à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, e os métodos anticoncepcionais, são destacados nos planos de aula das professoras P3, P4, P8, P9:

“A sexualidade pode se manifestar de diferentes maneiras. Existem pessoas, por exemplo, que se sentem atraídas sexual e afetivamente apenas por outras do mesmo sexo que elas. Isso é chamado de homossexualidade. Existem também pessoas que sentem atração apenas por pessoas do sexo oposto ao delas, o que é chamado de heterossexualidade” (PL - P3).

“Conhecer formas de prevenção e contágio de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs e AIDS); Identificar métodos anticoncepcionais; Conhecer tecnologias de reprodução e da manipulação genética” (PL – P4).

“Caracterizar os sistemas genitais masculinos e femininos e as mudanças que ocorrem no corpo humano durante a puberdade, respeito às diferenças individuais do corpo e do comportamento nas diferentes fases da vida” (PL – P8).

“Conscientizar, desde cedo, sobre a importância de um planejamento familiar (PL – P9 – Eixo: Culturas e Sociedades). Quais os problemas que podem ocorrer quando se engravida muito cedo? Para as meninas e para os meninos. O que deve ser prioridade na adolescência” (PL – P9).

Nestes trechos destacados acima, fica evidente que as professoras levam em conta aspectos voltados não apenas aos aspectos científicos, mas também aqueles voltados aos fatores sociais e culturais que influenciam as diferentes formas de manifestar afeto e carinho. Outro aspecto importante para salientarmos diz respeito ao fato que, a partir desses temas, há possibilidade da professora desenvolver assuntos referentes ao respeito a essas diferenças individuais, bem como aos cuidados com o corpo, gravidez na adolescência e métodos anticoncepcionais.

Em alguns planos de aula verificaram-se temas sobre a influência humana e natural no meio ambiente, como poluição, aquecimento global, doenças respiratórias, destruição do solo. Como no trecho a seguir:

“Quando o ar poluído está parado, os efeitos da poluição aumentam. Quando o ar se movimenta, facilita a dispersão dos poluentes. Além do vento, a chuva também pode contribuir para diminuir a poluição do ar” (PL – P5, Eixo: Culturas e Sociedades).

Também se destaca, em alguns planos de aula, os aspectos voltados à articulação entre Ciências e Tecnologia, como os temas: vacina, energia eólica, adubo e clonagem, como nos exemplos de fragmentos dos planos de aula a seguir:

“Há milhares de anos, o ser humano aprendeu a usar a força do vento. Essa força produz movimento que gera energia, a qual é denominada de energia eólica”. A energia eólica é considerada uma ‘energia limpa’, ou seja, que não causa danos à natureza nem poluição ao meio ambiente” (PL – P5).

“Adubar: processo que corrige as deficiências de nutrientes para o crescimento das plantas. Adubo natural: orgânico – decomposição de plantas, fezes de animais pela ação de micro-organismos e minhocas; verdes – plantas cultivadas junto ou antes da cultura principal; mineral – feita por pó de rochas após um estudo do solo. Adubo químico: os que são produzidos pelas indústrias químicas e trazem riscos ao meio ambiente” (PL – P6).

“O que é clonagem? Podemos definir a clonagem com um método científico artificial de reprodução que utiliza células somáticas (aquelas que formam órgãos, pele e ossos) no lugar do óvulo e do espermatozoide” (PL – P9).

Nas aulas observadas das professoras, foi possível perceber em alguns momentos que elas estabeleceram articulações entre Ciência e Sociedade e entre Ciência e Tecnologia, desenvolvendo temas que possibilitaram essa articulação. A professora P1 trabalhou em suas aulas temas referentes às fases da vida e sexualidade, conforme trechos a seguir:

“Posteriormente a assistir o vídeo a professora perguntou para um aluno o que ele refletiu sobre o filme. O menino relatou que o filme mostrou o personagem na infância, e depois cresceu. E a professora complementou que mostrava o personagem enquanto criança, depois adolescente, depois adulto, ou seja, as fases da vida e suas características” (AULA 1 – P1).

“Na aula anterior as crianças tinham depositado várias perguntas (dúvidas) sobre sexualidade e puberdade na caixinha, para a professora responder, estas estavam sem identificação. Após as explicações a professora iniciou a dinâmica, algumas perguntas foram: Meu corpo está diferente, o que está acontecendo comigo? O que é puberdade? O que é masturbação? O que são mamilos? Conhecer, ficar e namorar... Será que já está na hora? Por que as mulheres menstruam? O que é menarca? O que é ciclo menstrual? O que é ovulação? O que é polução noturna?” (AULA 1 – P1).

A professora P2 desenvolveu o tema fecundação, e destacou que havia mulheres que não podiam engravidar e que devido a isso faziam tratamentos específicos para poderem ser mães. Como nesses trechos a seguir:

“E novamente a professora pergunta: E fecundação é o que? As crianças ficam em silêncio e ela responde, “’quando o espermatozoide rompe e entra no óvulo, e assim irá formar o ovo ou zigoto que irá formar o feto’” Após essa explicação a professora mostra outra imagem, a qual retratava o óvulo saindo do ovário. E depois destaca que há mulheres que não conseguem engravidar por meio da relação sexual e que por isso existem tratamentos específicos para que a mulher engravide” (AULA 1 – P2).

Neste fragmento da aula da P2, evidencia-se a articulação da Ciência com a Tecnologia, no sentido de salientar que existem tratamentos específicos para que ocorra a fecundação.

O que observamos é que o assunto foi anunciado, no entanto, não foi debatido ou investigado, apenas comentado. Consideramos que este assunto poderia ser mais bem trabalhado, no intuito de possibilitar que a criança desenvolva uma visão mais ampla sobre os aspectos voltados, por exemplo: à fecundação in vitro, controle de natalidade, manipulação genética (clonagem e células tronco), etc. Ampliando dessa forma o conhecimento dos estudantes sobre assuntos que são discutidos nos noticiários de telejornal, em revistas, etc.

Em relação à sexualidade, as professoras P3 e P8 explicam sobre a ideia de respeitar as diferentes formas de manifestar a sexualidade, bem como a importância do planejamento familiar. Como destacado no fragmento da aula da professora P3:

“E a professora explicou que heterossexual é toda a pessoa que se relaciona com pessoas do sexo oposto, ou seja, homem se relaciona com mulher, e mulher se relaciona com homem. E uma criança falou: “Ah! É o normal...” e a professora respondeu: “Não que seja normal D., normal todos são. Os heterossexuais, os homossexuais, os bissexuais... normais todos são! A única coisa é que a orientação é diferente. Então assim gente... heterossexuais...  A gente vê um casal de namorados, ou os nossos pais, no caso se for mãe e pai, casal. Se vê um casal que está namorando ou casados é um casal heterossexual. E o homossexual?” (AULA1 – P3).

Neste trecho observa-se a atenção da professora ao desenvolver esse tema fazendo a articulação com atitudes de respeito para com as diferentes manifestações da sexualidade. Dessa forma, a professora consegue relacionar o tema Sexualidade com a ideia de atitudes de respeito às diferenças individuais, valores importantes que deveriam fundamentar a sociedade. Essas discussões poderão colaborar para que a criança compreenda que a sexualidade, não se refere apenas ao gênero, à relação sexual, etc., mas sim que é influenciada por fatores sociais, afetivos e culturais. Além de possibilitar a discussão de questões presentes na sociedade como o preconceito e a intolerância.

Nesse sentido é fundamental que os conteúdos de Ciências sejam articulados com os temas advindos do social, para que os estudantes tenham uma visão de que os conteúdos desenvolvidos em aula fazem parte do contexto da sociedade, e que por meio desses conhecimentos tenham maior autonomia para tomar decisões no presente e no futuro.

Nessa perspectiva, tanto nos planos de aula quanto nas aulas observadas, constatou-se o trabalho com temas que sugerem uma inter-relação entre CTS. No entanto, consideramos que os temas poderiam ser mais bem desenvolvidos e explorados, isto é, de forma mais reflexiva se as professoras tivessem um conhecimento mais crítico sobre essas inter-relações, colaborando dessa maneira para o desenvolvimento do processo de ACT.

Em suma, o que depreendemos é que no discurso das professoras ainda falta entendimento sobre as implicações e imbricações da Ciência, Tecnologia e Sociedade. Avaliamos que o fato de as professoras desenvolverem esses temas em suas aulas pode ser considerado um caminho para que os estudantes possam perceber algumas relações e imbricações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Proposição II – Algumas professoras consideram a tecnologia uma ferramenta ou suporte para que os alunos compreendam os conceitos científicos, no entanto a tecnologia poderia ser vista como um dos eixos que organiza os conteúdos.

Mediante as falas das professoras colaboradoras, algumas apontaram a relação entre Tecnologia e a Ciência apenas como se a primeira fosse um recurso didático, ou um suporte para o desenvolvimento de conteúdos científicos. O que fica evidenciado nas falas das professoras P5, P7 e P9:

“A tecnologia está sendo um recurso para as aulas. Eu acho que... como vou dizer... a ciência estuda o homem, estuda o ambiente e que o homem faz parte dessa sociedade e desse ambiente” (P5).

“Eu acho que a Ciência está ali, e o que eles irão aprender irá interferir na sociedade e no seu futuro. E a tecnologia eu entendo como uma ferramenta que veio ajudar [...]” (P7).

“[...] a gente tem que se atualizar e a tecnologia é o nosso apoio, nosso suporte” (P9).

Na fala da professora P5 e P9 a tecnologia serve como um recurso para o ensino, e no discurso da professora P7pode-se destacar um fator importante relacionado à natureza da Ciência, a qual considera que a Ciência se transforma no decorrer da história e que é importante as pessoas estarem cientes dessas modificações. No entanto, não considera a Tecnologia também como uma criação humana, e que, portanto, também se modificará no decorrer do tempo. Pois,

O desenvolvimento científico e tecnológico tem estado na origem de mudanças fundamentais nos modos de vida em sociedade, conduzindo a novas formas de pensar a educação, em geral, e a educação em Ciências, no ensino básico, em particular. Defende-se, hoje, que o ensino de Ciências deve acima de tudo promover a formação de indivíduos cientificamente literados (MAGALHÃES; TENREIRO-VIEIRA, 2006, p. 85-86).

Nesta perspectiva, considera-se que um EC que possibilite aos estudantes terem uma visão mais ampla das inter-relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, contribui para que o estudante compreenda melhor de forma mais crítica:

[...] as notícias sobre questões científico-tecnológicas, a avaliar as repercussões sociais da Ciência e da Tecnologia, a compreender a contribuição da Ciência e da Tecnologia para a criação e/ou resolução de problemas sociais e a resolver problemas e tomar decisões, de forma racional e informada, sobre aspectos relacionados com a Ciência, a Tecnologia, a Sociedade e as suas inter-relações (MAGALHÃES; TENREIRO-VIEIRA, 2006, p. 88).

Dessa forma, consideramos que o uso da tecnologia na educação, como computadores, multimídia, lousas digitais, etc., são recursos que poderão contribuir de forma positiva para o processo de ensino e de aprendizagem no contexto escolar. No entanto, a tecnologia não se reduz à sua utilização em sala de aula como recurso didático, mas também é importante que a tecnologia seja “problematizada”, no sentido de que o professor reflita sobre temas relacionados à tecnologia no contexto social, e de como esta criação humana afeta diretamente o contexto social no qual as pessoas vivem.

Nesse sentido, avaliamos que a compreensão sobre a tecnologia e seus impactos na sociedade deveriam ser mais bem trabalhados nos cursos de formação continuada, a fim de que a Tecnologia seja considerada pelos docentes para além deum recurso didático nas aulas de Ciências, mas também seja objeto de estudo, e que sua utilização seja problematizada, contribuindo para a alfabetização tecnológica (BOCHECO, 2011). Esses cursos podem colaborar para que os professores que lecionam Ciências nos anos iniciais desenvolvam um olhar mais crítico sobre as relações entre CTS, e que, a partir disso, tenham a possibilidade de planejar aulas em que os temas sejam mais explorados, e que as imbricações dessas dimensões sejam planejadas e discutidas em suas aulas.

Compreensões sobre Alfabetização Científica e Tecnológica

Proposição I - A maioria das professoras participantes da pesquisa não conhecia o termo Alfabetização Científica e Tecnológica.

Nas entrevistas realizadas com as professoras de Ciências dos anos iniciais, constatou-se que a maioria delas não conhecia o termo alfabetização científica e tecnológica, como evidenciado nas falas das professoras P1, P3, P4, P5 e P9:

“Não. Não ouvi falar nesses dois conceitos. São dois conceitos?” (P1).

“Nunca ouvi falar sobre alfabetização científica e tecnológica, até imagino o que seja, na área tecnológica, usando a tecnologia em ciências, eu imagino que seja isso...” (P3).

“Eu acredito que seja mais sobre como funciona o nosso corpo e dos experimentos, e a tecnológica é mais a parte da informação, eu suponho que seja isso” (P4).

“(Silêncio) É entender a Ciência através da tecnologia?” (P5).

“Então a tecnológica a gente teve alguma coisa no período da pedagogia... Agora, a científica, eu vou ser sincera com você, essa eu não teria como te responder porque eu não tenho muito aprofundamento” (P9).

Constatamos que, nas falas de algumas professoras, o termo tecnologia está atrelado à ideia de recurso didático, ou seja, um meio para ter acesso ao conhecimento científico. Na fala da professora P9, fica evidente que a tecnologia é considerada como um suporte para se trabalhar os conteúdos de Ciências:

“Então... a tecnológica a gente teve alguma coisa no período da pedagogia... agora a científica, eu vou ser sincera com você, essa eu não teria como te responder, porque eu não tenho muito aprofundamento. Mas a tecnológica eu vejo assim... os recursos que nós temos hoje em dia para você trabalhar na aula de ciências, nossa... lhe dá um suporte muito bom (P9).

Essa ideia corrobora as falas das professoras P2, P7, P8, que destacam que:

“[...] eu acho que a alfabetização seria nesse caso fazer uso do que nós estamos recebendo de tecnologia, seja, microscópio, seja iPad, celular, micros” (P2).

“Eu acho que é você trazer para os estudantes a parte relacionada a ciências, e tecnologia também. Utilizar a tecnologia em ciências para você atingir um saber diferente da criança” (P7).

“Alfabetização sim, mas alfabetização científica e tecnológica não. Eu penso que isso é um subsídio para o professor saber do histórico, desde como era antes, como é hoje, fazer uma comparação, saber da tecnologia, do que você pode utilizar, o que está ali agora nesta época, digamos assim, qual é o material mais indicado, o que pode te ajudar mais em sala de aula” (P8).

Outra questão destacada pelas professoras é que alfabetização científica está relacionada ao conhecimento dos conteúdos de ciências, por exemplo. Bem como com as mudanças desse conhecimento no decorrer da história, como constatado nas falas das professoras a seguir:

“Pois é aí e que está... a alfabetização científica é a que eu não tenho, por eu não ser formada em Ciências... Ai, meu Deus... como é que eu vou te explicar... é a ciências pelas ciências, a ciências pelo método científico, como foi descoberto, como a gente mexe... ah, não sei como te explicar... como é que tem que ser a ciência, vamos dizer assim. É... vamos dizer assim... a doença como ela deve ser tratada, a água como ela se apresenta, os estados da água; e a tecnológica e o que essa água poderá virar, transformação”(P6).

“Eu penso que isso é um subsídio para o professor saber do histórico, desde como era antes, como é hoje, fazer uma comparação, saber da tecnologia, do que você pode utilizar, o que está ali agora nesta época, digamos assim, qual é o material mais indicado, o que pode te ajudar mais em sala de aula. [...] seria você saber também como era antes a Ciências, como é agora, como que você pode trabalhar agora com a ajuda da Ciência. Por exemplo, doenças que antes não eram diagnosticadas e agora já são, já tem vacinas para elas... É nessa perspectiva” (P8).

“Eu acredito que seja mais sobre como funciona o nosso corpo e dos experimentos; e a tecnológica é mais a parte da informação, eu suponho que seja isso” (P4).

A professora P4 reduz a ideia de tecnologia apenas às tecnologias da informação, dando maior ênfase ao caráter utilitário desse tipo de tecnologia. A professora P6 amplia a visão de tecnologia quando cita que está sendo utilizada para o tratamento da água, fazendo a relação da CTS.

Concluímos a partir das falas das professoras participantes da pesquisa, que o termo alfabetização científica e tecnológica não é familiar a elas, mas quando explicam sobre os objetivos do ensino de Ciências, muitas delas se aproximam da ideia de ensinar ciências para que as crianças possuam maior compreensão de mundo, e que os conteúdos trabalhados em Ciências fazem parte do cotidiano dos estudantes. No entanto, ainda falta o entendimento de que, além de uma melhor compreensão de mundo, as crianças adquirem, quando têm acesso à linguagem científica, o poder de tomar melhores decisões no contexto social no qual estão inseridas, isto é, usarem esse conhecimento na prática social. Como afirma Lorenzetti (2000, p. 78): “Estes conhecimentos adquiridos serão fundamentais para a sua ação na sociedade, auxiliando-o nas tomadas de decisões que envolvam o conhecimento científico”.

Em relação à alfabetização tecnológica, esta se resume, para a maioria das professoras, ao uso de tecnologias como recurso didático para melhor entendimento dos conteúdos propostos. Entendemos que os recursos tecnológicos precisam ser contemplados no planejamento do professor, no sentido de que os mesmos sejam utilizados em sala de aula, como recurso pedagógico. Entretanto, consideramos que ser alfabetizado tecnologicamente não se resume em conhecer e usar os equipamentos tecnológicos para buscar informações e conhecimentos, mas sim que o “papel da educação deve voltar-se também para a democratização do acesso ao conhecimento, produção e interpretação das tecnologias, suas linguagens e consequências” (SAMPAIO; LEITE, 1999, p. 15).

Outro aspecto a considerar é que não há como desvincular a Ciência da Tecnologia na sociedade contemporânea, assim como afirmam Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p. 71): “Parece pouco prudente considerar hoje o conhecimento científico, mesmo o da ciência básica, desvinculado das tecnologias de ponta, que por sua vez são alicerçadas, pelo menos parcialmente, naquela”. Nesse sentido, ao desenvolver os conteúdos de Ciências Naturais, o professor precisa estabelecer as relações entre CTS a fim de contribuir para que os estudantes desenvolvam uma visão crítica diante dos conteúdos propostos, e que possam tomar decisões mais conscientes no seu contexto social.

Defende-se que o papel da educação é possibilitar que os estudantes, desde os anos iniciais, possam ter acesso ao conhecimento científico e tecnológico. Que por meio da educação escolar os estudantes compreendam a linguagem científica e que esta tenha significados para eles (LORENZETTI, 2000), no sentido de compreenderem o contexto social e natural no qual estão inseridos, bem como sejam preparados para o mundo tecnológico, sejam reflexivos, e tenham uma visão mais crítica em relação ao uso da tecnologia.

Consideramos que seria importante que todos os professores além de compreender o significado desses conceitos, compreendessem também que a meta do Ensino de Ciências é a Alfabetização Científica e Tecnológica. Pois, se os professores tivessem esse conhecimento, isso poderia contribuir para uma prática pedagógica em Ciências mais reflexiva e direcionada para o desenvolvimento da ACT.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse artigo foi o de identificar e analisar as compreensões dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental sobre o objetivo do EC, sobre as relações entre CTS e sobre ACT. A partir dessa pesquisa empírica, foi possível compreender e identificar que grande parte das professoras considera que o ensino de Ciências Naturais contribui para que o estudante compreenda melhor o mundo no qual está inserido, pois os conteúdos desenvolvidos em Ciências Naturais fazem parte do seu cotidiano. Isso também pôde ser evidenciado nos planos de aula das docentes, nos quais encontramos expressões ou palavras que sugerem a relação do conteúdo com a vida do estudante. Nas aulas também foi possível perceber as relações que as professoras realizam do conteúdo com o cotidiano dos alunos.

Outro aspecto a ser destacado é a importância de o professor compreender as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, para que ele, em sua prática pedagógica, estabeleça essas imbricações, ao desenvolver os temas de Ciência Naturais. Nas falas das professoras ficou evidente que grande parte delas conhece a existência da relação entre CTS, entretanto, não apresentam a compreensão necessária para estabelecer as suas implicações no contexto da sala de aula. Constatamos que, tanto nos planos de aula quanto nas aulas observadas, foi possível evidenciar temas que sugerem a articulação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. No entanto, consideramos que, se os professores tivessem melhor compreensão dessas articulações e imbricações entre essas instâncias, esses temas poderiam ser mais discutidos e debatidos em sala de aula, colaborando para o processo de ACT. Mas, consideramos que o fato das professoras desenvolverem esses temas já se constitui num caminho viável para a ACT.

Algumas professoras consideram a tecnologia apenas como ferramenta ou suporte para que os alunos compreendam os conceitos científicos. No entanto, avaliamos que o uso da tecnologia na educação, como diversos recursos tecnológicos, poderão contribuir para o processo de aprendizagem do estudante. Entretanto, é necessário que a tecnologia não se reduza à sua utilização como recurso em sala de aula, mas que possa ser o objeto de estudo nas aulas de Ciências. Por isso, consideramos que temas relacionados à tecnologia no contexto social sejam discutidos nas aulas de Ciências Naturais, de acordo com a faixa etária.

Concluímos, a partir das falas das professoras, que o termo alfabetização científica e tecnológica não é familiar a elas, no entanto, quando explicam sobre os objetivos do ensino de Ciências, muitas delas se aproximam da ideia de ensinar Ciências para que as crianças possuam maior compreensão de mundo físico e natural, e que os conteúdos trabalhados em Ciências fazem parte do cotidiano dos estudantes. No entanto, ainda falta o entendimento que além da melhor compreensão de mundo que as crianças adquirem, quando tem acesso à linguagem científica, elas também poderão tomar melhores decisões no contexto social no qual estão inseridas, isto é, usarem esse conhecimento na prática social.

Nesse sentido, torna-se fundamental que o conceito de ACT e as inter-relações entre CTS sejam temas discutidos e debatidos nos cursos de formação continuada, bem como nos cursos de formação inicial, contribuindo para uma visão mais crítica do professor, ou futuro professor, sobre os objetivos de ensinar Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Early years teachers’ comprehension of the objectives in science teaching, scientific and technological alphabetization and the relationship between CTS in the elementary school

ABSTRACT

The purpose of the present study is to identify and analyze the early years of Elementary School teachers’ comprehensions of the objective of Science Teaching (ST) in this phase of education, of Scientific and Technological Alphabetization (STA) and of the relationships between Science, Technology and Society (STS). In order to collect data, nine teachers of cycle II working in the municipal educational system of Curitiba were interviewed and had their classes observed; finally, their class plans were analyzed. The analysis methodology applied was Textual and Discursive Analysis. It was possible to observe that most teachers understand that ST helps the students to have a greater comprehension of the world, and that the contents of this area are part of the children’s daily life. Although the teachers recognize the existence of relationship between STS, they do not present the necessary comprehension to establish the implications between STS in the classroom context, that is, some teachers consider technology as a didactic resource and most teachers collaborating with the research did not have knowledge of the term Scientific and Technological Alphabetization.

KEYWORDS: Science teaching. Early years. Scientific and technological alphabetization. Science, Technology and Society.

NOTAS

1 Para Auler e Delizoicov (2006) a democratização das decisões referentes aos temas sociais que envolve Ciência e Tecnologia estão em consonância com os pensamentos de Paulo Freire. Pois este autor defende o alfabetizar é muito mais que ler palavras, deve contribuir para a leitura “crítica da realidade”.

2 O Núcleo Regional do Tatuquara (NRE TQ) surgiu como o 10º núcleo da PMC por meio do Decreto nº 1.088/2015.

3 As quatro primeiras séries iniciais do Ensino Fundamental se referem aos anos iniciais do Ensino Fundamental, que ora são cinco.

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Recebido: 25 ago. 2019

Aprovado: 22 out. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n3.10604

Como citar:

BONFIM, H. C. C.; GUIMARÃES, O. M. Compreensões de professoras dos anos iniciais sobre os objetivos do ensino de ciências, da alfabetização científica e tecnológica e das relações entre CTS no ensino fundamental. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 488-512, set./dez. 2019. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/actio. Acesso em: XXX

Correspondência:

Hanslivian Correia Cruz Bonfim

Rua José Veríssimo, n. 723 Bairro Alto, Curitiba, Paraná, Brasil.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

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ACTIO : docência em ciências [recurso eletrônico] / Universidade Tecnológica Federal
do Paraná, Programa de Pós-graduação em Formação Científica, Educacional
e Tecnológica. – v. 1, n. 1 (Set.-Dez. 2016-). – Curitiba, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, 2016-
     v. : il.

    Modo de acesso: World Wide Web
    Quadrimestral
    Texto em português, espanhol, inglês e francês
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    ISSN: 2525-8923

         1. Ciência – Periódicos. 2. Ciência – Estudo e ensino – Periódicos. 3. Biologia
– Estudo e ensino – Periódicos. 4. Física – Estudo e ensino – Periódicos. 5. Química
– Estudo e ensino – Periódicos. 6. Matemática – Estudo e ensino – Periódicos.
I. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação
em Formação Científica, Educacional e Tecnológica.

                                                                                                     CDD: ed. 23 -- 505

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