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Estrutura multiplicativa de números naturais: um olhar para o livro didático de matemática dos anos iniciais do ensino fundamental

Marlí Schmitt Zanella

marlischmitt@gmail.com

orcid.org/0000-0002-1621-9934

Universidade Estadual de Maringá (UEM), Goioerê, Paraná, Brasil

João Marcos de Araújo Krachinscki

joao_akrachinski@hotmail.com

orcid.org/0000-0002-8573-6740

Universidade Estadual de Maringá (UEM), Goioerê, Paraná, Brasil

Idelmar André Zanella

andrezanel@yahoo.com.br

orcid.org/0000-0003-2132-7750

Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (SEED), Goioerê, Paraná, Brasil

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que analisa a abordagem conceitual da estrutura multiplicativa em manuais didáticos, pois consideramos que a formação e o desenvolvimento dos conceitos devem emergir a partir de um conjunto de situações-problemas que levem em consideração a representação e o próprio conceito. Com esta premissa, este estudo teve por objetivo classificar tipos de situações-problemas da estrutura multiplicativa de Números Naturais em uma coleção de livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental sob a perspectiva da Teoria dos Campos Conceituais, desenvolvida por Gerard Vergnaud. Este trabalho é vinculado ao Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática (GPECMA). A pesquisa, de caráter qualitativo, apresenta características da análise documental, baseando-se metodologicamente na análise de conteúdo, a qual considera necessário selecionar, explorar e tratar os dados com vistas a abordar o objetivo, que nos permitiu identificar e analisar as escolhas referentes à organização matemática e didática presente no ensino da estrutura multiplicativa na coleção de livros didáticos analisada. A partir da produção e análise de dados notamos que emergiram cinco tipos de situações multiplicativas. A formalização do algoritmo da multiplicação e divisão é apresentada no último volume da coleção. Dentre as situações identificamos a multiplicação entendida como soma de parcelas iguais, disposição retangular, combinação de possibilidades, repartir igualmente e quantos cabem, apresentados em três unidades de registro que se diferenciam pela representação utilizada em língua natural, figural e materiais manipuláveis. Destaca-se que a maioria das situações apresentadas mobilizam conceitos do isomorfismo de medidas. O raciocínio envolvido na classe de produto de medidas é contemplado em situações multiplicativas, deixando relegadas situações envolvendo divisão, o que indica a necessidade de propor aos estudantes mais situações que organizam o pensamento multiplicativo em diferentes aspectos, em que se trabalhe a multiplicação e a divisão na classe do produto de medidas. Depreende-se também a necessidade de abordar diversificadas situações multiplicativas, em diferentes contextos e grau de dificuldade, visto que muitas vezes o livro didático é o principal material utilizado pelo professor no preparo de suas aulas.

PALAVRAS-CHAVE: Isomorfismo de medidas. Produto de medidas. Campos Conceituais. Alfabetização Matemática.

INTRODUÇÃO

O ensino de Matemática tem passado por mudanças significativas especialmente no que diz respeito aos meios para auxiliar o estudante a elaborar seu conhecimento. As experiências que os estudantes vivenciam dentro ou fora do ambiente escolar e as escolhas didáticas e procedimentais do professor têm influenciado diretamente neste processo.

 Observa-se que é durante as experiências escolares, não escolares e/ou profissionais, que o sujeito encontra um número significativo de situações para elaborar seu conhecimento. Para potencializar situações de aprendizagem se faz necessário o desenvolvimento de atividades que privilegiem diferentes conceitos a partir de variadas situações, visto que, “[...] a análise da atividade em situação é um meio essencial para compreender os processos de aprendizagem” (VERGNAUD, 2009a, p. 14).

Para este autor, o conhecimento é adaptação, e esta, por sua vez, é compreendida sob dois aspectos. O primeiro aspecto diz respeito à adaptação do sujeito às diferentes situações que vivencia, e o segundo refere-se à evolução da organização da ação desenvolvida em diferentes situações que o aluno se adapta. As ideias defendidas por Vergnaud (1993) fundamentam a Teoria dos Campos Conceituais, que considera que um conceito se desenvolve para o sujeito a partir da relação indissociável da tríade que envolve a variedade de situações, os invariantes operatórios e as representações.

Considerando tais premissas, propomos neste estudo classificar tipos de situações problemas da estrutura multiplicativa de números naturais em uma coleção de livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental sob a perspectiva teórica da Teoria dos Campos Conceituais, pois o livro didático é um dos principais recursos de apoio didático do professor, como também representa uma instituição que formaliza e padroniza alguns aspectos didáticos para o planejamento docente (BITTAR, 2017).

Em relação aos documentos oficiais que orientam os conteúdos de Matemática voltados aos anos iniciais do Ensino Fundamental, ressaltamos que ao iniciar este estudo ainda estava vigente os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e que agora, em processo de transição, temos como documento normativo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017. Ressaltamos que este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla, iniciada em 2015, e por esse motivo também nos pautamos em documentos como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) aprovado em 2013.

Para atender ao objetivo deste estudo nos debruçamos sobre o bloco de conteúdos Números e Operações e, portanto, nosso olhar sobre o livro didático estava direcionado para algumas unidades e não para todo livro. O bloco de conteúdos Números e Operações espera que o estudante possa interpretar, analisar, formular e resolver situações-problemas, compreendendo diferentes significados das quatro operações envolvendo números naturais, dos quais nosso estudo se interessa em analisar e classificar as situações-problemas envolvendo a estrutura multiplicativa de números naturais.

A TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS COMO REFERENCIAL TEÓRICO DE ANÁLISE DE DADOS

A didática da matemática estuda os processos de ensino e de aprendizagem da Matemática, dando significado às tarefas e às atividades propostas aos estudantes, e com isso, busca relacionar a elaboração de conceitos e as atividades a serem trabalhadas em sala de aula para que favoreçam a formação e o desenvolvimento dos conceitos (ASTOLFI et al., 2002). Assim, um dos aspectos da didática da matemática é analisar os comportamentos e os discursos produzidos pelos estudantes, bem como as escolhas e as ações dos docentes durante situações de aprendizagem. É neste aspecto que está centrado nosso interesse em investigar a organização didática da estrutura multiplicativa de Números Naturais de uma coleção de livros didáticos de Matemática voltada para os anos iniciais do Ensino Fundamental, visto que o livro didático se constitui um dos principais recursos de apoio para o professor organizar e planejar o ambiente de ensino (BITTAR, 2017).

De acordo com Pais (2008) uma das teorias da didática da matemática é a Teoria dos Campos Conceituais (TCC), que tem proporcionado o estudo das ações dos alunos e as condições de produção, registro e comunicação durante situações de aprendizagem. De acordo com Vergnaud (2013) esta teoria fornece ao professor subsídios para a organização dos conteúdos em sala de aula, de modo a privilegiar uma diversidade de situações problemas relacionadas ao mesmo conceito.

No caso específico da Matemática, geralmente, após a percepção de propriedades, estruturas e possíveis padrões de comportamento caracterizam-se os objetos matemáticos mediante o uso de uma definição. Desta forma, Vergnaud (2009a) descreve que os conhecimentos elaborados pelo aluno estão relacionados com as operações que este é capaz de fazer sobre a realidade.

Para Vergnaud (2013) a formação e o desenvolvimento de um conceito devem emergir a partir de situações-problemas, consideradas na teoria como a primeira entrada de um campo conceitual. Assim, um conceito não pode ser apreendido isoladamente, mas também as diferentes situações são necessárias para compreendê-lo (BERNARDINO; GARCIA; REZENDE, 2019).

A TCC tem por finalidade estudar em que condições o aluno pode compreender, assimilar e acomodar um determinado conceito, sendo necessário para isso descrever e analisar a complexidade progressiva das diferentes situações propostas e estabelecer melhores conexões entre a forma operacional e predicativa do conhecimento, que consiste na passagem da ação sobre a situação problema no mundo físico e social para a linguagem e expressões simbólicas desse conhecimento (VERGNAUD, 2009a).

Considerando os propósitos deste estudo, destacamos que a TCC subsidiou a análise de uma coleção de livros didáticos de Matemática, especialmente no que se refere à classificação das situações problemas da estrutura multiplicativa propostas na coleção analisada, pois consideramos que a organização didática do livro permite uma aproximação com o que é ensinado e com a organização do ambiente de ensino e de aprendizagem pelo professor.

Justificamos também a escolha da TCC, enquanto referencial teórico, para analisar e classificar as situações, pois acreditamos que a aprendizagem do estudante também se estabelece frente a uma diversidade de situações problemas, e isto depende dos enunciados das situações, da estrutura cognitiva dos estudantes, do contexto envolvido, da característica numérica dos dados e de sua apresentação no livro didático, uma vez que o livro evidencia as relações institucionais de um objeto em uma determinada organização matemática (BITTAR, 2017). 

Ressaltamos que a diversidade de situações e também novas situações (novas relações e dados numéricos) possibilitam o uso de conhecimentos desenvolvidos anteriormente. Para Vergnaud (1998) um conceito se constitui por uma terna de conjuntos identificados por (S, I, R), onde S é a referência do conceito, ou seja, o conjunto de situações que dão sentido ao conceito; I é o significado do conceito, em que se identificam o conjunto de invariantes operatórios e R é o significante, que descreve o conjunto das formas de linguagem que permitem representar simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento. Desta forma, estamos considerando as situações como o primeiro contato do sujeito com o conceito, visto que são as situações que dão sentido ao conceito.

Outros dois aspectos são pertinentes para classificar as situações-problemas nos livros didáticos. O primeiro aspecto é a ideia de variedade de situações que um campo conceitual possui como, também, as variáveis ou o espaço numérico em que essas situações subsistem. O segundo envolve a história, pois os conhecimentos dos alunos são elaborados por situações que enfrentam e dominam progressivamente. Para uma classe de situações, o aluno tem várias decisões a tomar, e estas são também objeto de uma organização invariante, de tal forma, que as ações operatórias sobre um conceito podem ser analisadas a partir de uma variedade de situações (VERGNAUD, 2013). Neste contexto, estabelecer classificações às situações problemas, descrever procedimentos, detectar teoremas e conceitos em ação, analisar a estrutura e a função dos enunciados e das representações simbólicas é de interesse para a aprendizagem em Matemática.

Os significantes correspondem a modos de representação verbais, escritos, gráficos, pictóricos e esquemas daqueles significados precedentes. O conjunto das representações pode recorrer a todas as espécies de imagens, que se constituem como auxiliares para o processo de conceitualização (VERGNAUD, 2009a).

No processo de formação do conceito, a representação é instrumental e consiste em designar os objetos, em refletir sobre os objetivos e os meios, e em responder aos problemas de comunicação e de validação que podem colocar-se em situação, ou seja, permite-nos entender como o sujeito representa um conceito a partir de sua interação com uma ou várias situações. A representação põe em funcionamento o conhecimento associado à situação dada e funciona como intermediário entre os esquemas e a situação.

Neste estudo, em que se analisa a estrutura multiplicativa de Números Naturais, vamos descrever que tipos de situações multiplicativas são identificados em uma coleção de livros didáticos a partir da TCC.

De acordo com Vergnaud (1993) o campo conceitual da estrutura multiplicativa compreende o conjunto de situações cujo domínio requer uma ou várias multiplicações ou divisões, e o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar estas situações como atividades matemáticas. Neste caso, destacamos os conceitos de multiplicação, divisão, proporção simples e múltipla, função n-linear, razão escalar direta e inversa, quociente e produto de dimensões, combinação linear e aplicação linear, fração, razão, número racional, múltiplo e divisor. Para a TCC, a estrutura multiplicativa nos anos iniciais do Ensino Fundamental é representada por duas categorias principais: (1) isomorfismo de medidas e (2) produto de medidas. 

De acordo com Vergnaud (2009b) o isomorfismo de medidas é uma relação quaternária entre quatro quantidades, sendo, duas a duas, medidas diferentes, e uma dessas quantidades corresponde ao valor unitário. Há três classes de problemas, nominadas por M ou D, sendo M referente à classe envolvendo multiplicação e D referente à classe envolvendo divisão, a saber: (M1) multiplicação: conhecemos o valor unitário e outras duas quantidades, em dois tipos de medidas; (D1A) divisão em que se busca o valor unitário, e (D1B) divisão em que se busca a quantidade de unidades. No Quadro 1 exemplificamos situações multiplicativas de isomorfismo de medidas que contemplam cada uma das três classes.

Quadro 1 - Situações multiplicativas de isomorfismo de medidas

Multiplicação

(M1)

Partição

(D1A)

Quota

(D1B)

Paula tem 2 pacotes de maçã. Cada pacote tem 5 maçãs. Quantas maçãs Paula possui?

Pacotes maçãs

Maçãs

1

 

2

5

 

x

Ana pagou R$12,00 por 3 cadernos. Quanto custa cada caderno?

 

Quantidade de cadernos

Preço (R$)

1

 

3

x

 

12

Júlia tem R$30,00 e quer comprar canetas que custam R$6,00 cada uma. Quantos canetas Júlia poderá comprar?

Quantidade de jogos

Preço (R$)

1

 

x

6

 

30

Fonte: Adaptado de Vergnaud (2009b).

Segundo os pressupostos teóricos da TCC, Vergnaud (2009b) destaca que o produto de medidas é representado por uma relação ternária entre três quantidades, das quais uma delas é o produto de outras duas, e é subdividido em duas classes de problemas, a saber: (i) multiplicação, em que se busca a medida-produto, conhecendo-se as medidas elementares; (ii) divisão, em que se deseja encontrar as medidas elementares, conhecendo-se uma medida elementar e a medida produto. Estão subdivididas em produto discreto-discreto, produto contínuo-contínuo e noção de média.

De acordo com Vergnaud (1993) o esquema para representar esta situação é uma tabela cartesiana, pois o produto cartesiano de conjuntos fundamenta a estrutura do produto de medidas. Para analisar situações do produto de medidas podemos representar os dados por meio de dois conjuntos, ou seja, conjunto  representado por  e o segundo conjunto , representado por . Assim, o produto de medidas é dado pelo conjunto de todos os pares possíveis de serem formados por . No Quadro 2 apresentamos exemplos de situações problemas que contemplam o produto de medidas em suas diferentes classes, mas que não se esgotam nestas possibilidades, uma vez que as duas grandes classes envolvem noções de combinatória (M2B) e configuração retangular (M2A), em que multiplicação e divisão são contempladas nas duas classes.

Quadro 2 - Situações multiplicativas de produto de medidas.

Produto discreto

Configuração retangular

(M2A)

Produto discreto

Noção de cominatória

(M2B)

Produto contínuo

(D2)

João quer completar uma página de seu álbum de figurinhas. Em cada página há 3 colunas e 5 linhas. Quantas figurinhas ele pode colocar em cada página?

 

João pode colocar 15 figurinhas em cada página do álbum.

 Trocando somente de saia e blusa, Ana pode montar trajes diferentes. Se Ana têm 3 saias e 4 blusas, cada uma de uma cor diversa, quantos trajes diferentes ela pode montar?

.

 

Ana pode montar 12 trajes diferentes nestas condições.

A sala de aula de Maria tem a forma retangular cuja área é 20 m2. Sabendo que a largura desta sala é de 5 m, qual é o seu comprimento?

.

O comprimento da sala de aula é de 4 metros.

Fonte: Adaptado de Vergnaud (2009b).

De acordo com Vergnaud (2009b) o estudo da estrutura multiplicativa apresenta diversificados tipos de multiplicação e de divisão, e essa variedade de situações problemas deve ser cuidadosamente abordada em sala de aula para que os estudantes tenham contato e reconheçam a estrutura que compõe estas situações, e, consequentemente, desenvolvam estratégias de resolução. É a variedade de situações que o estudante enfrenta, bem como, os invariantes e representações que podem contribuir para a formação e o desenvolvimento de conceitos envolvidos na estrutura multiplicativa.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Destacamos que esse estudo pertence a um projeto de pesquisa mais amplo, iniciado em 2015 e por se tratar de uma análise do livro didático estava vigente o PNLD de 2013. Nesta análise constatou-se que a coleção Ápis, de Luiz Roberto Dante, estava entre as obras de maior distribuição em território nacional e, por conseguinte, verificou-se que esta coleção foi adotada em nossa região, com abrangência do Núcleo Regional de Educação de Goioerê. Ressaltamos também que este é o único autor com coleções aprovadas naquele PNLD de 2013 para os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Médio. Com base nestas informações, tivemos acesso à coleção Ápis por meio da Secretaria Municipal de Educação de Goioerê.

A Coleção Ápis de Matemática possui cinco livros, em que três abordam tópicos da alfabetização matemática (DANTE, 2014a, 2014b, 2014c) para o primeiro, segundo e terceiro anos do Ensino Fundamental e os demais voltados para os tópicos de Matemática referentes ao quarto (DANTE, 2014d) e quinto (DANTE, 2014e) anos do Ensino Fundamental.

Assim, iniciamos nossas análises acerca da organização didática e matemática presentes nos livros da coleção Ápis voltada aos anos iniciais do Ensino Fundamental e, por conseguinte, classificar os tipos de tarefas que se relacionam com os problemas pertencentes à estrutura multiplicativa. Para analisar a coleção de livros didáticos nos embasamos metodologicamente na análise de conteúdo de Bardin (2012), que sugere a organização dos dados em três fases.

A primeira fase representa a pré-análise, em que são selecionados e organizados os materiais para torná-los operacionais. Neste caso, selecionamos a coleção Ápis, contemplando cinco volumes (DANTE, 2014a, 2014b, 2014c, 2014d, 2014e). Na segunda fase ocorreu a exploração do material, em que realizamos a classificação dos tipos de situações multiplicativas a partir dos pressupostos teóricos de Vergnaud (1998, 2009a, 2009b, 2013), que no caso deste estudo, debruçou-se sobre os capítulos que contemplaram conceitos de multiplicação e de divisão.

Com base na análise preliminar dos cinco livros da coleção Ápis, identificamos os tipos de situações utilizadas para abordar a estrutura multiplicativa e a forma como estas são apresentadas, a partir das seguintes unidades de registros, elaboradas com base no aporte teórico de Vergnaud (1998, 2009a, 2009b, 2013) em que se consideram duas categorias, nominadas no referencial teórico, por isomorfismo de medidas (1), representada por uma multiplicação (M1), divisão partitiva ou partição (D1A) e divisão quotitiva ou quota (D1B), e a segunda categoria, representada pelo produto de medidas (2), que contempla o produto contínuo (D2) e produto discreto, que compreende a configuração retangular (M2A) e noção de combinatória (M2B).

No que se refere à forma como estas situações foram apresentadas no livro didático destacamos as seguintes unidades de registros: (U1) situações que exigem habilidades de leitura e interpretação em Língua Natural (LN) e requerem solução numérica; (U2) situações que exigem habilidades de leitura e interpretação Figural (F) e Língua Natural (LN) e requerem solução numérica; (U3) situações que exigem habilidades de leitura e interpretação em Língua Natural (LN) e requerem manipulação de registros para solução.

A partir dessas unidades de registro e de significado, realizamos a leitura dos livros didáticos em paralelo com a TCC. Na terceira fase da análise de conteúdo aconteceu o tratamento dos dados, que está imbricada com a exploração do material, visto que nesta fase realizamos a produção de dados e o tratamento dos resultados, bem como realizamos inferências e interpretações embasados nos pressupostos teóricos de Vergnaud (2009b). Desta maneira em cada situação presente nos livros analisados foram identificados os tipos de situações problemas, conforme a TCC, bem como o tratamento que cada uma delas requer para resolução.

A coleção Ápis está organizada em unidades, que possuem ilustrações que geram um questionamento ao aluno para iniciar a abordagem conceitual. Dante (2014a) propõe abordagem de aspectos interdisciplinares, algumas seções para “explorar e descobrir”, que visam desenvolver habilidades de investigação e sistematização do conhecimento, como também, pode apresentar desafios com maior complexidade do que problemas. Para finalizar cada unidade, uma seção de revisão e fixação dos conceitos estudados é apresentada.

Ressaltamos que a análise dos volumes do primeiro ao terceiro ano é apresentada em conjunto, por fazerem parte do ciclo de alfabetização matemática. Por conseguinte, os volumes do quarto e quinto ano são analisados em conjunto.

CICLO DE ALFABETIZAÇÃO: SITUAÇÕES QUE PREPARAM PARA O ESTUDO DA ESTRUTURA MULTIPLICATIVA

O livro didático do primeiro ano do Ensino Fundamental (L1) da coleção analisada tem seu objetivo direcionado para o estudo dos Números Naturais e inicia a experiência dos estudantes com a formalização dos números e de situações envolvendo operações de adição e subtração com quantidades pequenas. No entanto, na segunda unidade do livro, têm-se os objetivos de: (a) conhecer os números de 0 a 10 e (b) resolver situações envolvendo esses números. Além disso, são apresentadas algumas situações que contemplam ideias da estrutura multiplicativa. Sua apresentação se dá por meio da língua natural (LN), de modo que a comunicação entre os estudantes e o problema não se torne uma barreira no processo de solução deste.

A Figura 1 exemplifica uma situação presente no livro do primeiro ano, em que é necessária a utilização de ideias matemáticas advindas da estrutura multiplicativa do isomorfismo de medidas, embora seja apresentada como uma situação envolvendo estimativa.

Figura 1 – Situação envolvendo partição em L1

Fonte: Dante (2014a, p. 51).

Este tipo de situação não exige dos educandos uma familiarização com os algoritmos envolvendo multiplicação ou divisão, porém, o contato entre o estudante e os conceitos envolvidos nessa situação começa a ser sistematizado. Neste cenário, a representação dos vasos adquire status de objetos ostensivos, pois, segundo Ferreira e Barros (2013, p. 3) “[...] os objetos ostensivos são objetos manipuláveis na realização da atividade matemática, são objetos percebidos com algum de nossos sentidos”, permitindo assim que a representação dos vasos seja utilizada pelos estudantes para resolver a situação a partir dos símbolos (objetos discretos), facilitando a visualização dos argumentos levantados e contribuindo para a solução do problema proposto.

A situação retratada na Figura 1 é um exemplo de situações que envolvem uma divisão ou a partição do tipo D1A. A situação requer que as flores sejam distribuídas igualmente entre os dois vasos. Dessa forma, mesmo que os conceitos de divisão não estejam consolidados, os estudantes iniciam seu contato com as ideias matemáticas envolvidas no isomorfismo de medidas a partir de objetos ostensivos.

Outro exemplo de situação problema envolve ideias iniciais da multiplicação da classe do isomorfismo de medidas, em que pode indicar a ideia de proporção simples, um para muitos. No entanto, a ênfase dada por Dante (2014a) contempla multiplicação como soma de parcelas iguais, conforme exibe a Figura 2, com a situação intitulada “As crianças nos balanços do parque”.

Figura 2 – Situação multiplicativa do isomorfismo de medidas em L1

Fonte: Dante (2014a, p. 57).

Neste caso, a situação problema também é apresentada por meio da linguagem figural (LF), em que se apresentam crianças num parque, e por meio de uma problematização, leva os estudantes a solucioná-lo numericamente. Esta situação é classificada como M1 do isomorfismo de medidas e envolve a ideia de juntar quantidades iguais, fazendo a passagem da adição para a multiplicação. Esse tipo de situação pode contribuir, inicialmente, para o desenvolvimento de habilidades pertinentes a relação multiplicativa (M1).

A situação exemplificada na Figura 3 tem por objetivo desenvolver a ideia de dezena e agrupamento, e com isto contempla os conceitos de juntar quantidades iguais, classificada como M1.

Figura 3 – Juntar quantidades iguais no isomorfismo de medidas em L1

Fonte: Dante (2014a, p. 212).

Em suma, o livro destinado ao primeiro ano busca, por meio da problematização, introduzir situações que requerem a utilização de estratégias multiplicativas para desenvolver competências necessárias para essas situações. Nesse cenário, o tipo de situação ao qual o livro do primeiro ano dá maior destaque pertence à classe de isomorfismo de medidas, M1 e D1A. A presença dos objetos ostensivos permitem a visualização dos problemas e, consequentemente, a ação dos sujeitos para solucionar a situação. Portanto, a utilização de algoritmos é sustentada por meio dos objetos ostensivos, mesmo que não estejam explicitas.

O livro didático do segundo ano (L2) apresenta duas unidades específicas para tratar da estrutura multiplicativa. A partir da análise deste material é possível classificar as situações-problemas que possibilitam ao estudante reconhecer as ideias associadas à multiplicação por meio de três categorias: (a) juntar quantidades iguais, pertencente ao isomorfismo de medidas; (b) disposição retangular e (c) combinar possibilidades, da classe do produto de medidas. Relacionadas às ideias associadas à divisão foram identificadas duas categorias: (d) repartir igualmente e (e) quantos cabem pertencentes ao isomorfismo de medidas (VERGNAUD, 2009b). Para adentrar nas relações multiplicativas Dante (2014b) apresenta a multiplicação como decorrente de adição de parcelas iguais.

A Figura 4 exemplifica uma situação de isomorfismo de medidas, em que a multiplicação é vista como soma de parcelas iguais, classificada como M1, apresentando as ideias da multiplicação e inicializando o uso do algoritmo da multiplicação.

Figura 4 – Multiplicação como soma de parcelas iguais em L2

Fonte: Dante (2014b, p. 180).

A situação é apresentada por meio da língua natural, mas sugere que no processo de resolução sejam utilizadas fichas que podem ser recortadas em uma seção presente no livro. As fichas atuam como objetos ostensivos, que por meio da manipulação, facilitam a criação de esquemas para a consolidação de conceitos e proposições pertinentes na solução de tal situação.

Evidentemente, o tipo de situação representada é classificado por M1, pois utiliza a ideia de juntar parcelas iguais como correspondente à multiplicação. A Figura 5 demonstra outro tipo de situação em que são apresentados conceitos envolvendo produto de medidas.

Figura 5 – Disposição retangular em L2

Fonte: Dante (2014b, p. 181).

Nos exemplos destacados, a presença de objetos ostensivos indica a importância de se iniciar o estudo da estrutura multiplicativa com ferramentas que possibilitem a visualização e a criação de estratégias para resolver a situação, pois conforme afirma Vergnaud (2013) as representações simbólicas também possibilitam a formalização dos conceitos. Na Figura 6, o livro apresenta uma situação que envolve combinação de possibilidades, classificada por M2B do produto de medidas.

Figura 6 – Combinação de possibilidades em L2

Fonte: Dante (2014b, p. 183).

Destacamos que o modelo para o estudante definir as escolhas de sorvete, por meio de um quadro, adquire neste contexto status de objetos ostensivos e são necessários para atribuir significado as situações que são propostas.

Para apresentar ideias presentes em operações envolvendo o conceito de divisão, o livro utiliza, na maioria das vezes, a língua natural, e em alguns casos com o auxílio de ilustração presente ao lado da situação. A Figura 7 ilustra uma situação classificado como D1A do isomorfismo de medidas.

Figura 7 – Situação envolvendo partição em L2

Fonte: Dante (2014b, p. 215).

Com a utilização de objetos ostensivos os estudantes podem visualizar esquemas que os permitam chegar a uma conclusão, mas ao tratar-se de relação da estrutura multiplicativa, consideramos que a situação em questão seja do tipo D1A, presente no isomorfismo de medidas. Após esta atividade o algoritmo da divisão é apresentado aos estudantes como caminho para solucionar a situação.

Nesta unidade foi observada similaridade entre uma situação de partição de flores em dois vasos, com objetivo de mostrar uma divisão não exata. A partir das análises realizadas em L2 destacamos que são apresentadas situações do isomorfismo de medidas classificadas por M1 e D1A e do produto de medidas apenas para situações de multiplicação, classificadas por M2A e M2B.

Com base nos referenciais teóricos abordados nesta pesquisa identificamos as seguintes unidades de registro para o livro do segundo ano, identificados no Quadro 3.

Quadro 3 – Unidades de registro identificadas em L2

Conceitos

U1

U2

U3

Juntar quantidades iguais (M1)

27

18

1

Disposição retangular (M2A)

2

5

---

Combinação de possibilidades (M2B)

4

1

---

Repartir igualmente (D1A)

25

3

1

Quantos cabem (D1B)

9

---

---

Fonte: Autoria própria (2019).

A partir das interpretações destes dados inferimos que no L2, privilegia-se a abordagem da multiplicação por meio da ideia inicial de juntar quantidades iguais ou soma de parcelas sucessivas, em que são fornecidas aos estudantes situações em língua natural e figural, em que se busca uma solução numérica. Ressaltamos que apenas duas situações, uma envolvendo a multiplicação e outra a divisão, foram sugeridas a partir da utilização de materiais manipuláveis. Destacamos que não foram consideradas as situações problemas pertencentes à seção destinada à revisão do conteúdo, uma vez que se identificou que estas são semelhantes às situações apresentadas durante a unidade.

O livro do terceiro ano (L3) do Ensino Fundamental apresenta duas unidades destinadas ao estudo da estrutura multiplicativa, sendo a quinta unidade direcionada à multiplicação e a sétima unidade ao estudo da divisão.

Nestas unidades do livro tem-se por objetivo reconhecer as ideias associadas à multiplicação, trabalhar tabuadas do 2 ao 10, e apresentar o algoritmo usual da multiplicação com e sem agrupamento. A primeira ideia multiplicativa está associada à adição de parcelas iguais, seguida de uma situação que aborda disposição retangular e combinação de possiblidades, mantendo-se um conjunto numérico pequeno para os estudantes do terceiro ano, uma vez que ainda estamos no ciclo que compreende alfabetização matemática. A primeira situação proposta no L3 está ilustrada na Figura 8.

Figura 8 – Multiplicação no isomorfismo de medidas em L3

Fonte: Dante (2014c, p. 136).

As situações identificadas em L3 contemplam as categorias M1 e D1A do isomorfismo de medidas e M2A e M2B do produto de medidas. Com relação à disposição retangular (M2A), o autor apresenta problematização na língua natural e propõe aos estudantes utilizar 12 objetos iguais para montar diferentes disposições e anotá-las. No que se refere à combinação de possibilidades, o livro traz uma situação ilustrada em que devem ser formadas duplas entre dois meninos e quatro meninas. A relação multiplicativa que se relaciona a este tipo de tarefa é a M2A e M2B contida no produto de medidas. Estes tipos de situações são análogas àquelas apresentadas em L2, mantendo-se também um espaço numérico pequeno e por esse motivo não ilustramos novamente.

O autor apresenta uma sequência de atividades que contemplam o estudo da tabuada, e exemplifica multiplicação por 1, por 10 e por agrupamento. Uma seção intitulada “Multiplicação sem agrupamento” inicia a formalização da operação de multiplicação por meio do algoritmo usual, ilustrando uma situação que envolve a quantidade de lápis em duas caixas, formulada da seguinte forma: “Uma caixa tem uma dúzia de lápis de cor. Quantos lápis há em duas caixas?”, como mostra a Figura 9.

Figura 9 – Algoritmo da multiplicação em L3

Fonte: Dante (2014c, p. 155).

Para dar sentido a situação sugere-se o uso de fichas, como material manipulável, em que uma barra representa uma dezena e a bolinha representa uma unidade. Na sequência, o autor do livro apresenta a multiplicação por agrupamento, em que escreve , e desta forma, apresenta o algoritmo usual da multiplicação. A mesma ideia é usada para explicar a multiplicação entre centena por número menor do que 10.

Considerando os materiais analisados foram identificadas situações pertencentes ao isomorfismo de medidas classificadas por M1, D1A e D1B e do produto de medidas apenas situações de multiplicação, classificadas por M2A e M2B. Com base nos referenciais teóricos abordados nesta pesquisa identificamos as seguintes unidades de registro para o livro do terceiro ano, identificados no Quadro 4.

Quadro 4 – Unidades de registro identificadas em L3

Conceitos

U1

U2

U3

Juntar quantidades iguais (M1)

59

9

1

Disposição retangular (M2A)

2

6

---

Combinação de possibilidades (M2B)

---

2

---

Repartir igualmente (D1A)

36

1

1

Quantos cabem (D1B)

9

---

2

Fonte: Autoria própria (2019).

Durante toda esta unidade o autor apresentou quatro situações que se diferenciam das demais, em que três delas envolvem uma multiplicação comparativa, representadas por (C.1), e uma situação envolve uma divisão na classe de produto de medidas (B.1), como elencamos no Quadro 5.

Quadro 5 – Situações comparativas em L3

Autor

Conceito

Produto de medidas (disposição retangular)

C.1) As amigas Lurdes e Mara compraram adesivos para organizar seus cadernos. Lurdes comprou 2 cartelas com 9 adesivos em cada uma e Mara comprou 3 cartelas com 7 adesivos cada uma. Quem comprou mais adesivo? (DANTE, 2014b, p. 142).

B.1) Em cada página de um álbum, Vinícius pode colar 7 adesivos. Com 89 adesivos ele pode completar da página 1 até a página ____ e ainda colar ____ adesivos na página ____.

(DANTE, 2014c, p. 217).

Fonte: Adaptado de Dante (2014b, 2014c).

Depreende-se da análise realizada que os livros L1, L2 e L3, direcionados à Alfabetização Matemática, privilegiam situações pertencentes ao isomorfismo de medidas, que envolvem na sua maioria a ideia de multiplicação a partir de soma sucessiva de parcelas iguais e em língua natural, ou seja, não são oferecidas diversificadas situações contextualizadas com figuras ou com materiais manipuláveis.

No campo multiplicativo apenas sete situações envolvendo configuração retangular aparecem em L2 e oito em L3. Para a combinação de possibilidades são oferecidos apenas cinco situações em L2 e duas em L3, o que nos permite inferir que o produto de medidas é abordado em apenas 22 situações e todas elas praticamente similares em L2 e L3, ou seja, as situações não são apresentadas em grau de complexidade, todas sempre buscam os mesmos dados.

A ideia de divisão, a qual o autor denomina “repartir igualmente” e “quantos cabem” referem-se à classe de situações D1A e D1B, respectivamente, compreendida no isomorfismo de medidas. Nota-se que apenas uma situação envolvendo divisão na classe de produto de medidas (B.1) foi apresentada em L3 e está representada no Quadro 5, o que indica a necessidade de propor aos estudantes mais situações que organizam o pensamento multiplicativo em diferentes aspectos, em que se trabalhe a multiplicação e a divisão na classe do produto de medidas.

FORMALIZANDO CONCEITOS DA ESTRUTURA MULTIPLICATIVA

No livro do quarto ano (L4) o autor destaca como objetivos das unidades referentes à multiplicação e divisão com números naturais uma retomada das ideias associadas à multiplicação (juntar parcelas iguais, disposição retangular e combinação de possibilidades) e desenvolver o algoritmo da multiplicação. Com relação à divisão, é enfatizada a retomada das ideias de repartir igualmente e quantos cabem, além de desenvolver o cálculo mental, estimativa e o algoritmo da divisão.

Por se tratar de retomada de conceitos da estrutura multiplicativa e a partir de nossas análises, verificamos que as situações propostas dão continuidade ao espaço numérico utilizado, mesmo contendo situações com números relativamente pequenos, assim como a quantidade de situações envolvendo o produto de medidas (disposição retangular e combinação de possibilidades) também são oferecidas em número reduzido, como nos livros anteriores. Considerando L4 foram identificadas situações da classe de isomorfismo de medidas classificadas por M1, D1A e D1B e do produto de medidas apenas situações de multiplicação, classificadas por M2A e M2B. Apresentamos no Quadro 6 as unidades de registro identificas para o livro do quarto ano.

Quadro 6 – Unidades de registro identificadas em L4

Conceitos

U1

U2

U3

Juntar quantidades iguais (M1)

38

2

---

Disposição retangular (M2A)

1

3

---

Combinação de possibilidades (M2B)

5

---

---

Repartir igualmente (D1A)

35

1

---

Quantos cabem (D1B)

14

2

---

Fonte: Autoria própria (2019).

As situações multiplicativas do produto de medidas são oferecidas em número reduzido em L4, visto que apenas 9 situações foram identificadas na categoria do produto de medidas num universo de 49 situações multiplicativas.

A Figura 10 apresenta uma situação do produto de medidas, a única que mobilizou o raciocínio de divisão para esta classe em L4. De acordo com Vergnaud (2012) a variedade de situações possibilita que o sujeito desenvolva o raciocínio matemático de diferentes formas e com isto, elabore seu conhecimento sobre o conceito estudado. No caso específico da estrutura multiplicativa, as situações de divisão propostas pelo autor mobilizam o mesmo raciocínio e com isto, poderá ter dificuldades conceituais no estudo das quatro operações.

Figura 10 – Divisão no produto de medidas em L4

Fonte: Dante (2014d, p. 164).

O pensamento multiplicativo envolvido nesta situação diferencia-se das demais situações, uma vez que o raciocínio contempla uma relação ternária, em que se busca encontrar medidas elementares, enquanto no isomorfismo de medidas usam-se relações quaternárias. O grau de complexidade também é maior do que nas demais situações. Nota-se também que esta situação permite ao professor relacionar a multiplicação e a divisão como operações inversas.

No livro do quinto ano do Ensino Fundamental (L5) uma única unidade apresenta as operações de multiplicação e divisão. O autor destaca como objetivos a serem alcançados com esta unidade explorar as operações de multiplicação e divisão, algoritmos, cálculo mental e explorar as propriedades da multiplicação e divisão.

Em L5 não se verificou a ênfase dada à multiplicação a partir de somas de parcelas iguais, embora essa passagem não seja demonstrada pelo autor. Uma das situações apresentadas evidencia a multiplicação no isomorfismo de medidas, em que o autor apresenta três modos para resolvê-la por meio de decomposição, do algoritmo usual e geometricamente, e traz o seguinte enunciado: “Flávia trabalhou 25 horas por semana durante 12 semanas. Quantas horas ela trabalhou nesse período?”. As soluções para essa situação estão ilustradas na Figura 11.

Figura 11 – Multiplicação no isomorfismo de medidas em L5

Fonte: Dante (2014e, p. 80).

Embora a situação proposta mobilize o raciocínio envolvido no isomorfismo de medidas, nota-se que uma solução geométrica é sugerida pelo autor, o que indica que ideias usuais da configuração retangular sejam mobilizadas, o que nem sempre é coerente, pois as unidades utilizadas referem-se às horas e semanas, ou seja, medidas de tempo. Houve a preocupação em resgatar ideias da multiplicação por decomposição, fortemente trabalhada em L4.

Em relação às situações envolvendo divisão destacamos apenas uma para o produto de medidas, com o seguinte enunciado: “Em um cinema há 572 poltronas distribuídas em fileiras com 22 poltronas cada uma. Quantas fileiras há nesse cinema?”. Novamente, depreende-se desta análise a necessidade de proporcionar um contato maior do estudante com uma variedade de situações. O raciocínio multiplicativo para o produto de medidas, em certo grau, tem sido apresentado em número insuficiente em L3, L4 e L5, especialmente para a divisão, conforme identificamos apenas três, uma em cada livro. Novamente em L5, assim como em L3 e L4, identificamos uma situação envolvendo uma comparação multiplicativa, conforme ilustra a Figura 12.

Figura 12 – Multiplicação comparativa em L5

Fonte: Dante (2014e, p. 101).

Inferimos a partir de nossas análises que a as categorias de isomorfismo e de produto de medidas são contempladas em L5, destacando-se as situações mais abordadas que são multiplicativas do isomorfismo de medidas, conforme indicamos no Quadro 7.

Quadro 7 – Unidades de registro identificadas em L5

Conceitos

U1

U2

U3

Juntar quantidades iguais (M1)

19

1

---

Disposição retangular (M2A)

1

2

---

Combinação de possibilidades (M2B)

1

1

---

Repartir igualmente (D1A)

37

---

---

Quantos cabem (D1B)

6

---

---

Fonte: Autoria própria (2019).

As unidades de registros identificadas no Quadro 7 apontam que a abordagem dada pelo autor para as situações multiplicativas contemplou 25 situações, sendo 20 situações classificadas por M1 do isomorfismo de medidas e apenas cinco situações pertencentes à classe do produto de medidas (M2A e M2B), sendo uma destas uma divisão (disposição retangular).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise das situações multiplicativas propostas na coleção Ápis, depreende-se que a compreensão das ideias associadas à multiplicação podem representar progressões na elaboração dos conceitos pelos estudantes, em termos do raciocínio multiplicativo, à medida que há tomada de decisões e de ações para resolver variadas situações. Neste aspecto, destacamos que as unidades de registros identificadas nesta coleção privilegiam situações formuladas na língua natural. Apenas nos livros destinados à alfabetização matemática (L1, L2 e L3) há inserções de situações contendo a manipulação de materiais para abordar a multiplicação e a divisão, totalizando 7 situações.

Com relação à utilização de figuras para apresentar as situações foram disponibilizadas um total de 3 situações em L1, 27 situações de um total de 96 em L2, 18 situações de um total de 128 em L3, 8 situações de um total de 101 em L4 e 4 situações de um total de 68 em L5. As situações envolvendo figuras abarcam aspectos numéricos e de visualização espacial, especialmente importante para compreensão da classe de situações do produto de medidas em que o raciocínio multiplicativo refere-se à disposição retangular e combinação de possibilidades.

Em aspectos da classificação das situações da estrutura multiplicativa identificadas neste estudo, inferimos que a quantidade de situações, envolvendo multiplicação e divisão, é oferecida em número semelhante. No entanto, apenas duas situações de divisão classificadas no produto de medidas foram identificadas. Para esta classe o autor privilegia na coleção as situações envolvendo multiplicação. Ressaltamos que Vergnaud (2012) descreve a necessidade de proporcionar aos estudantes uma variedade de situações, pois a análise dos avanços conceituais dos estudantes passa pela experiência ao resolver diferentes tipos de situações. Para o autor, os estudantes constroem esquemas no início da aprendizagem de situações multiplicativas, que estão relacionados à sua interpretação sobre a situação para organizá-las, resolver ou explorar relações. Embora um esquema possa organizar uma determinada situação, a interpretação que os estudantes fazem pode seguir modelos distintos, ou seja, nem sempre recorrem aos modelos que emergem das situações, visto que o raciocínio multiplicativo está associado ao desenvolvimento de diferentes propriedades, a saber: (i) o entendimento de um grupo como unidade; (ii) a propriedade distributiva da multiplicação, em relação à adição e à subtração; (iii) a propriedade comutativa da multiplicação; (iv) os padrões de valor de posição associadas à multiplicação por dez e (v) a propriedade associativa da multiplicação.

A partir das análises identificou-se que em L1, L2, L3 e L4 privilegia-se a multiplicação como soma de parcelas iguais. Destacamos que essa ideia aponta a continuidade entre a adição e a multiplicação, mas que é limitada e local. A multiplicação entendida como soma de parcelas iguais pode gerar a ideia de que a multiplicação sempre aumenta, já que se adicionam parcelas iguais. Mas essa interpretação é validada quando se trabalha no conjunto dos números naturais e não se verifica, por exemplo, no conjunto dos números racionais. A aprendizagem matemática e o desenvolvimento do raciocínio multiplicativo demandam um trabalho consistente com e entre os diversos campos conceituais por um longo período de tempo.

Fosnot e Dolk (2001) também defendem que as situações usadas para apresentar as primeiras ideias da multiplicação passam a ser usadas como estratégias de resolução, ao passo que transformam-se em situações para pensar sobre relações numéricas. A ideia da multiplicação como adição sucessiva de parcelas iguais está entre os primeiros modelos do raciocínio multiplicativo construídos pelos estudantes. À medida que as ideias sobre a multiplicação evoluem, os modelos construídos pelos alunos também devem evoluir, mas para isso, é necessário proporcionar diversificadas situações aos estudantes.

As ideias multiplicativas estão ligadas às estruturas da Matemática. No entanto, também são características de mudanças no raciocínio dos alunos, no que diz respeito à perspectiva, à lógica, às relações matemáticas desenvolvidas ou modificadas. Assim, as estratégias usadas pelos alunos quando resolvem situações multiplicativas estão relacionadas com as ideias que possuem sobre a multiplicação e neste ponto reside à importância dos livros didáticos, pois podem oferecer uma variedade de situações e em diferentes níveis de complexidade. Algumas estratégias de referência comumente utilizadas nos livros didáticos analisados na resolução de situações multiplicativas envolvem: o uso de adição repetida, a contagem por salto, o uso de dobro e de metade, de múltiplos de dez, o recurso de produto parcial, propriedades de multiplicação e agrupamento flexível adequado aos números envolvidos.

Ressaltamos também que a coleção apresenta muitas situações que conduzem a reprodução em detrimento das que proporcionam a elaboração de conceitos pelos estudantes. Diante desta constatação, sugerimos que na prática pedagógica do docente, além do uso do livro didático, também faça uso de outros materiais didáticos para o planejamento das aulas. Enfim, resta pontuar que os dados desta pesquisa indicam que há ainda um caminho longo a ser investigado quanto à aprendizagem matemática dos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental em situações da estrutura multiplicativa e os materiais didáticos disponíveis ao professor, e esta busca contínua mostra sua relevância aos propósitos da Educação Matemática.

Multiplicative structure of natural numbers: an analysis of mathematics textbooks used in the early years of elementary school

ABSTRACT

This article presents the results of a study that analyzed the conceptual approach of the multiplicative structure in didactic manuals, because in our view, concepts should be formed and developed from a set of problem situations that consider the representation and the concept itself. With this premise, this study aimed to classify different problem situations of the multiplicative structure of natural numbers in a collection of textbooks used in the early years of elementary school from the perspective of the Theory of Conceptual Fields developed by Gérard Vergnaud. This study is linked to the Research Group on Science and Mathematics Teaching (Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática - GPECMA). This is a qualitative study with characteristics of documentary analysis and is methodologically based on content analysis. This analysis considered selecting, exploring, and treating data as necessary steps to meet the objective of the study and allowed us to identify and analyze the mathematical and didactic organization adopted in teaching the multiplicative structure in the collection of textbooks analyzed. When preparing and analyzing data, five types of multiplicative situations emerged. The algorithm of multiplication and division was formalized in the last volume of the collection. Among the problem situations identified were multiplication as the sum of equal parcels, rectangular arrangement, combination of possibilities, and dividing equally and determining how many fit. These problem situations were presented in three recorded units that differed by the representation used, in natural and figural language, and manipulable materials. It should be noted that most of the problem situations presented mobilized concepts of isomorphism of measures. The reasoning involved in the product of measures class was contemplated in multiplicative situations, excluding division situations, which indicated the need to propose to students more situations that organized the multiplicative thinking in different aspects, addressing multiplication and division in the product of measures class. It also implied the need to approach several multiplicative situations within different contexts and degrees of difficulty, since textbooks are often the main material used by teachers to prepare their lessons.

KEYWORDS: Isomorphism of measures. Product of measures. Conceptual Fields. Mathematical Literacy.

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Recebido: 25 ago. 2019

Aprovado: 11 nov. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n3.10603

Como citar:

ZANELLA, M. S.; KRACHINSCKI, J. M. A.; ZANELLA, I. A. Estrutura multiplicativa de números naturais: um olhar para o livro didático de Matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 465-487, set./dez. 2019. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/actio. Acesso em: XXX

Correspondência:

Marli Schmitt Zanella

Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Goioerê

Avenida Reitor Zeferino Vaz, s/n, Jardim Universitário, Goioerê, Paraná, Brasil.

Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional.

 

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