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Jogos matemáticos e a formação de professores indígenas nos anos iniciais do ensino fundamental

Maria Simone Jacomini Novak

maria.novak@unespar.edu.br

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Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Paranavaí, Paraná, Brasil

Maria Christine Berdusco Menezes

mcbmenezes@uem.br

orcid.org/0000-0002-3097-5242

Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, Paraná, Brasil

Evânia da Silva Novak Franco

evaniasnf@hotmail.com

orcid.org/ 0000-0002-3131-4809

Universidade Estadual de Maringá (UEM), Umuarama, Paraná, Brasil

RESUMO

Estudos sobre a formação de professores indígenas no Brasil mostram que esse processo iniciou-se de forma sistemática a partir da Constituição de 1988. Nos anos de 1990 criou-se a categoria Escola Indígena e esta acaba por exigir a contratação de professores indígenas para atuar com crianças nas diferentes etapas da educação. Este artigo expõe a relação entre a formação de professores indígenas e o ensino de matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Considerando a diversidade cultural dos povos indígenas, enfatizamos a etnomatemática e suas particularidades como entendimento da interrelação dos conhecimentos matemáticos indígenas e os conhecimentos universais. A metodologia adotada pautou-se em estudos teóricos e práticos, uma vez que nossa analise pauta-se também na análise de uma oficina pedagógica enfatizando o uso de jogos no ensino dos conteúdos da matemática. A oficina foi desenvolvida no decorrer do programa federal Saberes Indígenas na Escola, em dois momentos, na Universidade e em escolas indígenas, sendo uma escola da etnia Guarani e a outra da etnia Kaingang. Os estudos teóricos evidenciam a necessidade de relacionar os conhecimentos que os indígenas possuem sobre a matemática usada no dia a dia com os conhecimentos definidos no currículo escolar. Com as oficinas pedagógicas os professores indígenas relataram que as crianças indígenas quando brincam e jogam fazem uso da matemática, o que dá sentido para a elaboração de jogos matemáticos já que os mesmos são facilmente encontrados nas brincadeiras. Verificamos que, há avanços na política educacional pautada aos povos indígenas, entretanto, ainda requer uma sistemática permanente de pesquisas, estudos e manutenção de uma política diferenciada, específica, bilíngue e intercultural que garanta os direitos indígenas conquistados na Constituição de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Escolar Indígena. Formação de professores indígenas. Jogos matemáticos.

INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 é um marco para os povos indígenas ao expandir os direitos educacionais e com isso a possibilidade de uma educação específica, diferenciada, intercultural e bilíngue, o que possibilitou a eles, oriundo das lutas do seu movimento organizado, a busca por revitalização cultural, dentre outros, a partir do espaço escolar, utilizado durante o período colonial até finais da década de 1970 numa perspectiva homogeneizadora. No mesmo período, temos o surgimento da etnomatemática, como campo do conhecimento, tendo como um dos seus expoentes Ubiratan D’Ambrósio, na perspectiva de repensar uma matemática muito criticada pela falta de contextualização e aplicação na vida prática dos alunos e no caso dos indígenas, sem considerar seus conhecimentos tradicionais.

Percebe-se assim que o período entre o final da década de 1970 e o início dos anos de 1980 é frutífero em questionamentos das práticas vigentes, entre elas as perspectivas de educação escolar indígena integracionista. É o período em que o movimento social indígena se organiza na luta por políticas públicas para a melhoria de suas condições de vida, tendo como elementos norteadores o respeito à sua organização social, política, linguística e territorial. Nesse contexto, a escola indígena foi tomada e tem a potencialidade de ser um espaço de resistência, de busca pela interculturalidade que ultrapasse as barreiras da formalidade.

Após a Constituição de 1988, a educação escolar indígena teve uma vasta regulamentação jurídica, possibilitando cada vez mais um diálogo entre conhecimentos tradicionais, no caso aqui analisado, a etnomatemática e os conhecimentos acadêmicos científicos. Dentre os documentos desse novo ordenamento jurídico, encontra-se regulamentação específica para essa modalidade de educação por meio de leis, diretrizes e resoluções, que abrangem também as etapas educacionais, quais sejam a educação básica e a educação superior.

Para a efetivação de uma educação pautada em novos princípios, um dos elementos requeridos foi a formação de professores indígenas em nível superior (NOVAK, 2014). Essa formação ocorreu basicamente de duas formas: cursos específicos de licenciaturas e ingresso nos cursos existentes nas universidades. Sobre a primeira forma, destacamos a criação do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais (PROLIND) que oportunizou a formação de professores indígenas para atuarem nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sobre a segunda forma, destacamos ações como a do Estado do Paraná, que por meio da Lei Estadual nº. 13.134/2001 passou a reservar vagas para os indígenas ingressarem no seu sistema de educação superior público, composto por sete universidades estaduais e uma federal.

Diante desse contexto da abertura de escola indígena específica e diferenciada e a possibilidade dos próprios indígenas serem professores em suas comunidades, o presente artigo busca a discussão do programa Saberes Indígenas na Escola (SIE), um programa do governo federal que visa a formação continuada de professores indígenas. É objeto de discussão, nesse texto o numeramento, enfatizando os jogos como encaminhamento para as práticas de alfabetização matemática.

Nesse sentido o artigo se organiza da seguinte forma: iniciamos com a discussão sobre a etnomatemática e a inter-relação com os conteúdos universais da matemática e os conhecimentos indígenas, apresentando as diferentes formas de numeramento nas comunidades indígenas no Paraná; em seguida a formação de professores, os quais tem como cursos de formação o magistério indígena e cursos superiores; na sequência a apresentação do Programa, enfatizando possibilidades do ensino da matemática a partir de uma perspectiva intercultural nas escolas indígenas no Paraná; por fim, a realização de uma oficina pedagógica com professores indígenas participantes do SIE com a proposição de jogos para o ensino dos conteúdos dessa área.

A ETNOMATEMÁTICA E O NUMERAMENTO EM COMUNIDADES INDÍGENAS

Há no Brasil uma grande diversidade cultural e linguística. O último recenseamento (IBGE, 2010) mostra que os povos indígenas totalizam 817.963 pessoas, equivalente a 0,47% da população, dos quais cerca de 315 mil residem nos centros urbanos e cerca de 503 mil, residem na zona rural. Essa população é pertencente a 305 povos, falantes de 180 línguas distintas, mas que, devido à inclusão das parcialidades e dialetos aponta-se a existência de 274 línguas.

Dentre os desafios para garantir os direitos dos povos indígenas, há a necessidade de alcançar dois grandes objetivos, quais sejam, a participação da comunidade indígena na sociedade envolvente a partir de relações menos desiguais e a revitalização de sua identidade cultural. Nessa relação, a matemática é utilizada em momentos diversos, tais como: decisões de compra (onde há a necessidade de manusear o dinheiro); decisões sobre percursos (medições de comprimento e de tempo); identificação do número de ônibus (números), a forma como organizam o tempo e o espaço na vida (medidas de tempo). Momentos, estes, permeados pela forma de organização da cultura indígena e por elementos da matemática, na visão de D’Ambrósio (2002) de um “fazer matemático” contextualizado e coerente com a realidade cultural, que evidencia um cotidiano de relações cheias de elementos culturais próprios, o que se denomina de etnomatemática, ou seja, “A todo instante, os indivíduos estão comparando, classificando, quantificando, medindo, explicando, generalizando, inferindo e, de algum modo, avaliando, usando os instrumentos materiais e intelectuais que são próprios à sua cultura” (D’AMBRÓSIO, 2002, p. 22).

Em comunidades indígenas, são várias as situações cotidianas de utilização desse conhecimento. Quando fazem horta familiar, por exemplo, utilizam da medição de comprimento e de tempo, da classificação. Franco (2014) mostra que as populações indígenas fazem uso diário de conceitos matemáticos, a partir de ações oriundas de sua realidade sociocultural: na organização do espaço de vida; na distribuição do tempo; na medição das roças; na divisão das sementes e mudas; na definição de medidas, força e rapidez necessárias nas armadilhas conforme o tamanho dos animais; nas estratégias de pesca; na divisão dos víveres; na construção de suas casas; ao planejarem as distâncias das viagens; ao fazerem o manejo ecológico de seus territórios com períodos e locais de abundância e escassez, etc.

Nesse sentido, as crianças indígenas quando entram no espaço escolar possuem conhecimentos de matemática, uma vez que vivenciam com os adultos as diferentes situações práticas que as envolvem. O desafio da escola é integrar esses conhecimentos etnomatemáticos com os conhecimentos escolares.

Entendemos que práticas de numeramento e o uso de jogos para o ensino da matemática podem contribuir com os processos de ensino e de aprendizagem a partir da perspectiva da etnomatemática. Para Mendes (2001, p. 84) o numeramento diz respeito a “[...] formas de uso, objetivos, valores, crenças, atitudes e papéis que estão ligados não apenas à escrita numérica, mas às práticas relacionadas às formas de quantificar, ordenar, medir e classificar existentes em um grupo num contexto específico”.  Isto quer dizer que, não basta aprender a matemática na escola, é preciso saber usá-la em diferentes situações que a requeiram, permeadas por elementos próprios de cada cultura em diálogo com outras, ou seja, em práticas relacionais.

O numeramento tem respaldo no letramento. A palavra letramento aparece pela primeira vez no Brasil em 1986, trata-se da “[...] condição de um grupo social ou mesmo de um indivíduo se apropriar da escrita e de suas práticas sociais” (MENEZES, 2006, p. 45). Fonseca (2009, p. 49) afirma que o termo numeramento ou letramento matemático significa “[...] tratar das relações com conhecimentos matemáticos como práticas sociais. Nesse sentido, após o termo letramento associado a alfabetização dos códigos da leitura e escrita, surge o termo numeramento associado a alfabetização dos códigos da matemática. A aprendizagem inicial da matemática na escola, faz relação com a aprendizagem inicial da linguagem escrita (MENEZES, 2016), pois, tanto uma como a outra utiliza formas de numeramento e letramento. Se para ensinar a ler e escrever o professor faz uso dos códigos da escrita – alfabetização –, e por meio deste amplia para as diferentes formas de uso da leitura e escrita, na matemática o professor fará uso dos códigos (números, linhas, formas, etc.) – alfabetização matemática –, e a partir da compreensão desses códigos é possível ampliar as diferentes formas de uso em contextos diversos. A diferença em comunidades indígenas nesse processo do letramento e numeramento é o uso da etnomatemática, ou seja, dos conhecimentos culturais e tradicionais já adquiridos pelas crianças antes de seu ingresso na escola.

A matemática como componente curricular contribui na formação integral da criança, visto que propicia o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKI, 2007), por meio da resolução de problemas a criança desenvolve a atenção, investigação, percepção, análise, confiança, entre outras capacidades pessoais. Além disso, é uma área com um conjunto de saberes que desenvolve a forma de pensar, assim “[...] deve ser ensinada nas escolas porque é parte substancial de todo o patrimônio cognitivo da humanidade. Se o currículo escolar deve levar a uma boa formação humanística, então o ensino da matemática é indispensável para que essa formação seja completa” (ÁVILA, 2001, p. 8).

Nesse sentido, podemos perceber a relevância da matemática para a educação e para o ensino, na medida em que extrapole as ações sem significado, a construção de um conhecimento contextualizado a partir da realidade cultural dos diversos grupos. Em um currículo intercultural os conhecimentos indígenas acerca da matemática, precisam ser integrados ao conhecimento escolar, com base na etnomatemática.

Assim, o numeramento pressupõe a capacidade do indivíduo de interpretar o mundo que o cerca de forma crítica, de conseguir utilizar esses conhecimentos para resolver questões cotidianas, ou seja, que ele consiga, segundo Toledo (2003) desenvolver quatro papeis fundamentais com relação a utilização dos conhecimentos de matemática ou da língua, quais sejam: a) decodificação, entendida como aquele que consegue compreender e seguir as regras e procedimentos; b) participante, onde o conhecimento é construído junto com o aluno, ou seja, ele é ativo na construção do seu conhecimento; c) usuário, ou seja, a utilização diária que é feita dos conhecimentos matemáticos; d) analista, que é aquele sujeito capaz de utilizar a matemática para além de suas necessidades cotidianas, mas de forma crítica ajudando a compreender a sociedade envolvente.

Por meio da etnomatemática é possível proporcionar um conhecimento intercultural onde os jogos são um caminho para essa interação. Os povos indígenas em suas brincadeiras e jogos fazem uso de regras e de resolução de problemas, o que torna possível desenvolver o trabalho dos quatro blocos de conteúdo dessa área: números e operações; espaço e formas; grandezas e medidas, e tratamento da informação (BRASIL, 1997).

Em relação aos jogos que os povos indígenas realizam, destacamos o Jogo do Buso, por se tratar de um jogo que pode ser usado no ensino da Matemática. Piovezana, Silva e Piovezana (2016, p. 27) explicam sobre o Jogo do Buso realizado entre as crianças Kaingang e afirmam que:

[...] consiste num conjunto de 67 sementes, das quais sete devem ter metade de sua superfície de coloração diferenciada. As outras sementes (60), de cor única, ficam disponíveis na banca. O jogo acontece sobre uma superfície plana, podendo ser grupo contra grupo, em duplas ou de forma individual.

O jogo é uma das estratégias que possibilitam que o ensino e a aprendizagem da Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental nas escolas indígenas, passe a ter significado (NETO, 2019) fazendo com que ele se torne um jogo matemático, podendo trabalhar a soma, a subtração e a proposição de situações problemas a serem resolvidas pelas crianças indígenas de forma intercultural.

Há outras formas de brincadeiras e jogos das crianças indígenas. Geralmente elas tomam banho nos rios, sobem em árvores, brincam durante a coleta de frutos, jogam bolita (bolinhas de gude), fazem e brincam com peteca, com o arco e flecha e também jogam futebol, esporte muito praticado nas comunidades indígenas desde a infância. Entendemos esses e outros jogos e brincadeiras como base no ensino da Matemática nos anos iniciais.

Associados aos interesses dos indígenas e ao conhecimento cultural desses povos, os jogos matemáticos podem ser um excelente recurso para o processo ensino e aprendizagem, uma vez que fornecem aos professores possibilidades de problematizar os conteúdos a serem ensinados.

A escola em comunidades indígenas precisa cumprir com a função de ensinar e de ouvir os sujeitos envolvidos no processo, fazendo assim, uso da etnomatemática, o que significa que

[...] professor e estudante estabeleçam relações entre as diferentes etnomatemáticas: a cultura específica e a cultura globalizante, ou seja, o conhecimento que é tradicional (cultura local) e o conhecimento que é institucional (cultura universal). (BERNARDI; CALDEIRA, 2012, p. 414).

Nesse sentido, é importante a formação de professores indígenas, além da participação deles no desenvolvimento de atividades específicas, pois estes podem melhor apreender as demandas do cotidiano indígena para, a partir delas, desenvolver as atividades de compreensão e superação dos conflitos diários que envolvem as questões matemáticas.

Entendemos que práticas que considerem, no processo de numeramento, o uso de jogos e a relação entre a matemática tradicional dos povos indígenas com a matemática acadêmica, escolar contribuem com o aprendizado. Segundo Lescano (2014, p. 96) “A escola na comunidade indígena, hoje, será um instrumento privilegiado quando o seu modelo de ensino e aprendizagem se tornar, de fato, real, encantador, preparador e constituído pela coletividade, a fim de se aprofundar na interculturalidade”. Ela precisa considerar as diversas formas de aprendizagem e interação dos indígenas que ocorre nos espaços comunitários e que precisam ser potencializados pela escola para um aprendizado significativo que promova um amplo desenvolvimento humano para aqueles que frequentam, viabilizando um espaço escolar diferenciado, intercultural e específico.

FORMAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS NO PARANÁ: DO MAGISTÉRIO AO DIREITO DO ENSINO SUPERIOR

Diante da legislação aprovada nos anos de 1990, diversos documentos foram formulados por organismos e agências internacionais como a ONU, UNESCO, Banco Mundial, OIT e nortearam a elaboração de novas legislações educacionais destinadas às minorias (FAUSTINO, 2006).  Em relação às populações indígenas foi elaborada uma política pautada nos princípios da interculturalidade – articulação dos conhecimentos tradicionais com os conhecimentos universais – e do bilinguismo – presença das línguas indígenas nos processos de ensino e aprendizagem escolar. A reformulação da política educacional a partir desse período propiciou a criação da categoria “escola indígena” e, a legislação enfatiza que, “[...] para que a educação escolar indígena seja realmente específica, diferenciada e adequada às peculiaridades culturais das comunidades indígenas” (BRASIL, 1999a, 1999b) há a necessidade de que os professores que atuam nas escolas sejam professores indígenas.

Grande parte desses profissionais, no Paraná, são formados em magistério indígena, oferecido no Estado no período de 2006 a 2012, com a formação de 90 professores em nível médio para atuação nas escolas indígenas. Atualmente, há uma turma de Magistério Indígena em andamento. A formação ocorre em regime de alternância e é ofertado no Centro Estadual de Educação Profissional (CEEP), município de Manoel Ribas, Paraná. São 2 turmas com 35 estudantes cada: uma da etnia Guarani e a outra da etnia Kaingang.

Com relação ao ensino superior, a presença de indígenas nas Universidades Públicas Estaduais vem ocorrendo de forma mais sistemática desde 2001, com a Lei Estadual n° 13.134/2001, que instituiu 3 vagas em cada uma das universidades públicas do Estado, e sua substituta a Lei Estadual n° 14.995/2006 que amplia o número de vagas para 6 (NOVAK, 2014). A seleção dos candidatos ocorre pelo denominado Vestibular dos Povos Indígenas no Paraná, que realizou em 2018 sua XVIII Edição. O processo é realizado anualmente pelas Universidades envolvidas em sistema de rodízio. O processo já contou com mais de dois mil candidatos, contados os que concorrem para as Universidades Estaduais e a Universidade Federal do Paraná1. Convém ressaltar que neste ano (2019), iniciou uma turma específica de Pedagogia Indígena na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). O ingresso se deu por vestibular exclusivo aos indígenas das etnias Guarani, Kaingang e Xetá. São 52 estudantes que se matricularam e iniciaram o curso em 30 de abril de 2019.

As pesquisas realizadas em Terras Indígenas no Estado do Paraná2 evidenciam a baixa presença de professores indígenas atuando nas escolas indígenas. Dados da Secretaria de Estado da Educação (Paraná, 2019) mostram que o estado possui 39 escolas indígenas, 5.160 alunos matriculados na Educação Básica e 825 professores nelas atuando. Destes, 316 são indígenas, os quais são contratados para o ensino de língua indígena, para auxiliares, principalmente em comunidades que a língua indígena é a primeira língua falada e, há aqueles que assumem as salas de aula de aula de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

Nesse sentido o ensino da Matemática nas escolas indígenas do Paraná é realizado, majoritariamente, por professores não indígenas, que no compromisso em cumprir com os conteúdos do currículo, deixam de considerar os conhecimentos indígenas nos processos de ensino e de aprendizagem, pois as escolas indígenas, mesmo decorridos tantos anos da promulgação da Constituição carecem de um currículo intercultural garantido nas legislações vigentes, visto que o mesmo se organiza da mesma forma que das escolas não indígenas.

Em visitas as Terras Indígenas no Paraná verificamos que tanto os jovens, quanto as crianças e os adultos possuem conhecimentos matemáticos adquiridos no ambiente real de vivência. Entretanto, quando inseridos na escola, onde conteúdos e metodologias são definidas por educadores não indígenas, encontram uma lacuna entre a matemática que possuem e vivenciam e àquela que lhes tentam ensinar, que geralmente é apresentada cheia de fórmulas e teoremas prontos, aos quais se sentem obrigados a memorizar, decorar, e assim não conseguem relacionar uma com a outra.

Para Cabral e Fonseca (2009) no geral os alunos consideram a matemática como algo muito difícil, com muita coisa para aprender, entendendo esse conhecimento como algo dado, pronto e acabado, com metodologias que desconsideram a produção cultural dos conceitos. Isso é reforçado quando o estudante se depara com escolas, professores e equipe pedagógica que têm essa mesma concepção, cujas metodologias são focadas em aspectos operacionais, e a fundamentação teórica parte apenas dos elementos acadêmicos, tomados como científicos, sem a formação de conceitos e distante das experiências reais de cada um, o que acarreta o desinteresse do estudante à aprendizagem da matemática, e o faz sentir-se incapaz.

Acadêmicos indígenas da Universidade Estadual de Maringá, durante a realização de um curso de formação continuada, no âmbito dos projetos do Laboratório de Arqueologia Etnologia e Etno-história da UEM (LAEE/UEM) (FAUSTINO et al., 2019) relataram que a Matemática é uma ciência de difícil compreensão, comentários como “Sempre tive dificuldades em Matemática”, “Ai, Matemática não é pra mim”, “Esta é mais difícil, ah não sei fazer”, apresentam esta concepção em relação à matemática, consideravam-na difícil, muito complicada, disseram que por muitas vezes que não entendiam nada do que o professor da disciplina ensinava. Dentre outros fatores, julgamos que, por vezes isso pode ser ocasionado pelo “[...] estranhamento da linguagem que a escola toma como legítima, pelas dificuldades causadas por esse estranhamento e pela cobrança de um conhecimento linguístico que ela ‘supõe’ que eles já saibam ou aceitem como certo” (CABRAL; FONSECA, 2009, p.139).

Com relação à organização curricular e ao ensino da Matemática para as populações indígenas, um importante documento orientador dos fundamentos gerais para o ensino e a aprendizagem é o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) de 1998, que traz objetivos, orientações e subsídios para a organização das propostas pedagógicas e programas das diversas disciplinas do currículo escolar de maneira mais específica, considerando a diversidade das populações indígenas.

O RCNEI considera a matemática como um conhecimento de extrema importância para as populações indígenas, pelo seu caráter utilitário e para o entendimento do mundo do não índio, além do desenvolvimento de relações com o outro e da potencialidade que a Matemática tem na construção de projetos comunitários visando a promoção da sustentabilidade, assim, o documento afirma que:

Saber matemática é um pré-requisito para o desenvolvimento de atividades administrativas, de proteção ambiental e territorial, e de atenção à saúde, entre outras. Reivindicar a posse do território imemorial e vigiar as fronteiras, por exemplo, exige a compreensão de aspectos cartográficos, como escala e área. Operar rádio transmissor também requer cumprir horários rígidos e sintonizar frequências. Administrar o posto de saúde local ou entender como administrar medicamentos contra malária, tuberculose ou mesmo gripe, envolve a compra de remédios, verificação de datas de validade, prescrição e medição de quantidades especificas de medicamentos. Índios contratados pela Funai, prefeituras ou secretarias locais, manipulam contracheques e extratos bancários. Lidar com dinheiro é ainda uma preocupação constante para todos aqueles que comercializam produtos na região ou exportam para outros países (BRASIL, 1998, p. 160).

Além desta utilidade prática do cotidiano das populações indígenas, o RCNEI destaca a importância da matemática para a construção de conhecimentos de outras áreas, citando a História, a Geografia, as Ciências Naturais dentre outras. O documento enfatiza que “[...] o estudo da matemática contribui para o desenvolvimento de capacidades relacionadas ao raciocínio e à abstração” (BRASIL, 1998, p. 160).

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASIL, 2013a, p. 367) “[...] as escolas indígenas possuem autonomia para, na definição de seus projetos político-pedagógicos, organizar o Ensino Fundamental de acordo com as especificidades de cada contexto escolar e comunitário”. Como estratégia de ensino sugere que o lúdico esteja presente, e orienta que

[...] as brincadeiras, as danças, as músicas e os jogos tradicionais de cada comunidade e das diferentes culturas precisam ser considerados componentes curriculares ou instrumentos pedagógicos importantes no tratamento das “questões culturais”, tornando mais prazeroso o aprendizado da leitura, da escrita, das línguas, dos conhecimentos das ciências, das matemáticas, das artes (BRASIL, 2013, p. 367).

Entendemos que no tocando à legislação, a Educação Escolar Indígena, no que diz respeito à formação de professores indígenas, sobretudo a partir dos anos de 1990 e um ingresso mais sistematizado dos indígenas no Ensino Superior, teve avanços consideráveis, embora ainda seja preciso avançar para a viabilização de um ensino intercultural e que considere os conhecimentos tradicionais e de fato possibilite a autonomia para definição de currículos interculturais. As ações desenvolvidas em programas governamentais como o Observatório da Educação (OBEDUC) e o SIE tem mostrado o quão importante é a contribuição que as pesquisas desenvolvidas nas universidades tem para a construção dessa autonomia, à medida que com a participação efetiva dos indígenas, tem contribuído com a sua formação acadêmica em consonância com seus conhecimentos tradicionais para a gestão e condução de suas escolas

SABERES INDÍGENAS NA ESCOLA: UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA AOS PROFESSORES INDÍGENAS

A Ação Saberes Indígenas na Escola (SIE) é um programa do Governo Federal (MEC/SECADI) de formação continuada de professores indígenas, em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e os estados e municípios, que teve início na segunda Gestão da presidente Dilma Rousseff (2014-2016). Foi instituída pela Portaria nº 1.061, de 30 de outubro de 2013 do Ministério da Educação (MEC) e regulamentada pela Portaria nº 98, de 6 de dezembro de 2013 da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e a Resolução nº 54, de 12 de dezembro de 2013.

O SIE está orientado pelos princípios da especificidade, da organização comunitária, do multilinguismo e da interculturalidade que fundamentam os projetos educativos nas comunidades indígenas e destina-se à Formação Continuada de professores indígenas que atuam nas escolas indígenas de Educação Básica contemplando quatro eixos específicos: Letramento em língua indígena como língua materna; Letramento em língua portuguesa como língua materna; Letramento em língua indígena ou língua portuguesa como segunda língua ou língua adicional; Conhecimentos e artes verbais indígenas.

Seus objetivos são os de promover a formação continuada de professores indígenas da educação básica, especialmente daqueles que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental nas escolas indígenas; desenvolver recursos didáticos e pedagógicos que atendam às especificidades da organização comunitária, do multilinguismo e da interculturalidade que fundamentam os projetos educativos nas comunidades indígenas; oferecer subsídios à elaboração de currículos, definição de metodologias e processos de avaliação que atendam às especificidades dos processos de letramento, numeramento e conhecimentos dos povos indígenas; fomentar pesquisas que resultem na elaboração de materiais didáticos e paradidáticos em diversas linguagens, bilíngues e monolíngues, conforme a situação sociolinguística e de acordo com as especificidades da educação escolar indígena (BRASIL, 2013b).

A Formação Continuada, no Paraná, é destinada aos professores indígenas das etnias Kaingang, Guarani e Xetá, que habitam territórios, envolvendo 39 escolas de educação básica indígena. No Paraná o SIE está sendo desenvolvido pela Universidade Estadual de Maringá, Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História (UEM/LAEE) em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, Departamento da Diversidade e Direitos Humanos (SEED/DEDI).

Considerando a organização dos Territórios Etnoeducacionais, a ação conta, até o momento, com seis Sedes e seus respectivos Núcleos. A UEM/PR integra a Sede coordenada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-MG), cujos Núcleos são: UEM/PR, Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS/RS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC), Universidade de São Paulo (USP/SP), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES/ES) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/RJ).

O Núcleo-UEM/Paraná, conta com 263 bolsistas sendo que 257 são indígenas e 6 não-indígenas, há ainda os participantes voluntários composto por coordenadores da Educação Escolar Indígena junto aos Núcleos Regionais de Educação, diretores e membros das equipes pedagógicas de todas as escolas indígenas. O Planejamento da formação é feito juntamente com os pesquisadores e professores indígenas cujas decisões são registradas em atas aprovadas pelos participantes. A formação ocorre com seminários, pesquisas de campo, reuniões, cursos e oficinas de produção de materiais didáticos de alfabetização em língua materna, elaborados pelos próprios indígenas, contemplando diferentes linguagens e formatos como vídeos, coletâneas, jogos, documentários e livros.

O Núcleo-UEM tem o apoio de caciques e lideranças indígenas que aderiram ao programa em reunião realizada em dezembro de 2013, pelo governo do estado, antes do início de sua implantação no Paraná. A metodologia da formação continuada associa atividades de cursos, sessões de estudos, registros de textos, organização de palestras, mesas redondas e debates, levantamentos, discussões, elaboração e desenvolvimento de planejamentos e de materiais pedagógicos.

Destacamos, entre os diferentes momentos de formação continuada pelo SIE, a realização de um curso com o objetivo de disseminar a importância de práticas pedagógicas diferenciadas, considerando a etnomatemática e a produção de jogos matemáticos para o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem na área, visando estabelecer a relação entre os conhecimentos indígenas e o conhecimento escolar. 

O planejamento do curso com os jogos, considerou o atendimento da legislação da Educação Escolar Indígena, e as reuniões com os professores indígenas que solicitavam formas diferentes de ensinar os conteúdos matemáticos na escola, envolvendo o lúdico, a brincadeira, dentre outras formas que pudessem articular os conhecimentos tradicionais e acadêmicos.

A formação foi realizada em dois momentos. O primeiro ocorreu na UEM, em 2014, contando com a participação de 20 professores formadores do SIE, das etnias Kaingang, Guarani e Xetá. O segundo ocorreu em duas escolas indígenas, a Escola Estadual Indígena Cacique Tudjá Nhanderú, localizada na Terra Indígena Laranjinha, município de Santa Amélia e o Colégio Estadual Indígena Professor Sergio Krigrivaja Lucas, localizado na Terra Indígena Faxinal, no município de Cândido de Abreu.

Na Universidade3 utilizamos como metodologia explicações sobre os jogos e sua importância no aprendizado da matemática. Por meio de diálogo, os professores puderam relatar vivências de jogos e brincadeiras que ocorrem em suas comunidades, como por exemplo: subir em árvores, brincar no rio, jogar bola, brincam no cipó. Além disso, fazem brinquedos com taquara e armadilhas como o mondepi4, disseram também que as crianças ajudam os mais velhos nos afazeres domésticos. Concordamos com Marcos Luiz (2015, p. 20), quando afirma que “Na cultura indígena Kaingang os brinquedos e brincadeiras além de ser próprio da infância, são grandes fontes na transmissão dos saberes, valorizando mais a sua cultura e fortalecendo a sua identidade”. Isso ocorre com as outras etnias, ou seja, tanto os Guarani quanto os Xetá valorizam os jogos e brincadeiras como fonte de transmissão de seus conhecimentos.

Diante desse diálogo, apresentamos os jogos que poderiam ser trabalhados nas escolas indígenas, com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que este grupo de professores tinha solicitado jogos matemáticos para que, a partir deles, pudessem incorporar os conhecimentos culturais e usá-los nas escolas. Apresentamos, a partir de planejamento prévio, que considerou o pedido dos professores, os seguintes jogos: Combate; Kala, Onça, Corrente, Joaninha, Troca Cartela; Brincadeiras com Tecidos; Ratinho na Toca; Tartaruga; Descubra; Cubra e Descubra; Sempre 12, Caça Palavras; Passatempo, Bozó; Mosaico da Multiplicação.

Os professores se organizaram em grupos e jogaram para vivenciar na prática as regras dos jogos. Foi entregue a eles materiais e as regras para a elaboração de cada jogo trabalhado durante o curso de formação pedagógica. Dessa forma, puderam debater e refletir sobre o uso dos jogos nas escolas indígenas, e manifestaram a possibilidade de adaptação de alguns jogos para a língua indígena, apresentando como exemplo, o caça-palavras.

Figura 1 – Jogos matemáticos construídos com os professores indígenas no Paraná

Fonte: LAEE/UEM (2015).

Nas escolas das terras indígenas realizamos oficinas pedagógicas com os professores e equipe pedagógica com o objetivo de elaborar jogos matemáticos, a fim de que, partindo deles, os professores indígenas sugerissem alterações e/ou novas regras contemplando os conhecimentos indígenas e situações diferenciadas que vivenciam em seu cotidiano.

O grupo participante elaborou jogos matemáticos que pudessem contribuir com a aprendizagem das crianças nessa área e ampliar os recursos pedagógicos disponíveis na escola. Para esse momento houveram muitos estudos e buscou-se relacionar o conhecimento indígena sobre a matemática durante as discussões e confecção dos jogos. Segundo os professores, os alunos gostam quando há esse recurso pedagógico, pois a aula fica mais divertida, e acabam aprendendo sem perceber.

Entre as discussões realizadas é importante destacar a necessidade de trazer os conhecimentos tradicionais indígenas para as atividades desenvolvidas na escola, da forma que foi proposto com a organização dos jogos matemáticos, temos uma possibilidade de reflexão sobre as interfaces entre os jogos apresentados e os jogos indígenas, bem como as possibilidades de utilização das regras dos jogos que as crianças tem no seu cotidiano, permeado por elementos da cultura que não são trazidos para a escola.

Buscamos trazer alguns elementos e materiais que fazem parte do dia a dia das crianças e jovens indígenas na confecção dos jogos, como as sementes e os balainhos, considerando que no cotidiano da escola os professores indígenas possam aperfeiçoá-los e adequá-los conforme a realidade e necessidade.

Destaca-se o Jogo da Onça que foi criado pelos indígenas, sendo que para jogar precisa ter uma onça e 14 cachorros. Seu objetivo é a onça capturar 5 cachorros, da mesma forma que no jogo de damas, e os cachorros precisam imobilizar a onça (CALDERARO, 2006). E o Jogo Buso, também usado pelos indígenas nas brincadeiras com as crianças.

Figura 2 – Professores indígenas durante a formação pedagógica na UEM

Fonte: LAEE/UEM (2015).

Ressaltamos que a disciplina de matemática, tem como encaminhamento fundamental a resolução de problemas, independente do conteúdo a ser abordado. Com os jogos matemáticos verificam-se vários momentos em que as crianças precisam resolver problemas, por exemplo, com o Jogo da Onça pode-se questionar: de que forma é possível imobilizar a onça? Quais estratégias deve-se usar? Esse e outros elementos presentes no jogo possibilitam a criança pensar, refletir, desenvolver o raciocínio lógico, a criatividade, dentre outros elementos, constituindo-se um grande aliado para o seu ensino e aprendizagem. Moura (1992, p. 53) diz que é possível “[...] definir o jogo como um problema em movimento. Problema porque envolve a atitude pessoal de querer jogar tal qual o resolvedor de problemas que só os tem quando estes lhe exigem busca de instrumentos novos de pensamento”.

Com o Jogo Buso, cuja regra, utilizamos a do indígena Kaingang Marcos Luiz (2015, p. 29), “juntava-se seis grãos de milho e pintava-se de preto um de seus lados e duas ou mais pessoas jogavam e apostavam quantas sairiam com o lado pintado para cima. Ganhava quem acertasse o maior número de grãos pintados voltados para cima”, é possível elaborar várias situações problemas:

a) quem saiu com 2 grãos de milho pintados para cima, quantos ficaram virados para baixo sem pintar?

b) se tenho 6 grãos pintados e 5 saíram virados para cima, quantos ficaram virados para baixo?

c) em uma partida o Aluno A saiu com 5 grãos de milho pintados para baixo e o Aluno B saiu com 3 grãos de milho pintados para cima. Quem ganhou essa partida?

O relato dos professores indígenas que participaram das atividades e posteriormente trabalharam com os jogos nas suas respectivas comunidades trazem essa relação de aprendizado relativo ao jogo, despertando o interesse da criança por aqueles elementos que perpassam, dentre outros suas regras, tais como estratégias, somas, subtrações.

Além desta relação com a resolução de problemas, que promove o desenvolvimento do pensamento, o ensino com o jogo tem a característica também de ser mais atrativo, uma vez que se diferencia da maneira tradicional de ensinar, é um recurso pedagógico que possibilita o numeramento e a inter-relação entre os conhecimentos indígenas e escolares.

Uma característica importante do jogo diz respeito ao seu desenvolvimento em grupo. Tradicionalmente os povos indígenas organizam a vida no coletivo, decidem e resolvem os problemas no dia a dia de forma comunitária. Nos grupos cada um tem um papel, mas visando resolver algo para todos. Os jogos acontecem em grupo, e por isso é considerado como favorável para a aprendizagem das crianças indígenas, remetendo à própria organização social desses povos.

 Com a realização da formação continuada dos professores indígenas em matemática por meio do SIE, verificamos que houve o envolvimento desses sujeitos durante o processo e o mais valioso e enriquecedor foi o fato de, a partir dessa formação, vislumbrarem possibilidades de integrar conhecimentos indígenas para o ensino da Matemática fortalecendo a etnomatemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como destacado, depois de um longo período na história do Brasil de muito extermínio tanto físico como dos elementos culturais das populações indígenas, tais como suas línguas e conhecimentos tradicionais, houveram a partir da Constituição de 1988, no âmbito das lutas dos movimentos sociais e de um período de redemocratização, esforços para recuperação desses conhecimentos, sobretudo como elemento orientador das práticas que envolvem esses povos na busca por relações menos desiguais com a sociedade envolvente, a partir da educação escolarizada, tomada como elemento de luta para esses povos.

Um dos avanços a partir da política dos anos de 1990 foi o direito de formação de professores indígenas, por meio da oficialização da categoria “Escola Indígena”, uma ação ainda recente, mas que tem contribuído para que os próprios indígenas assumam suas escolas e ensinem suas crianças e jovens a partir de conhecimentos de sua cultura relacionando com a cultura universal.

As ações desenvolvidas no âmbito do Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História tem contribuído para o fortalecimento da cultura dos povos indígenas no Paraná, viabilizadas pelo desenvolvimento de projetos de extensão como foi o caso do envolvimento dos acadêmicos indígenas que frequentavam cursos de graduação terem participado de uma formação em matemática básica que pudesse contribuir para o êxito no desenvolvimento do curso de graduação.

É possível verificar que em algumas situações onde as crianças indígenas apresentam aprendizagem insuficiente na escola é decorrente da forma como eles recebem este ensino, e sendo assim, o fator fundamental a ser investigado é o professor; seja pela formação que ele recebeu ou pela falta de recursos da escola; ou por ser um professor não indígena ministrando as aulas deixando de considerar a cultura indígena em seus planejamentos; ou que seja um professor indígena que precisa de formação continuada a fim de incorporar a própria cultura no ensino dos conteúdos escolares com metodologias e recursos diferenciados e problematizadores; de qualquer forma, o papel do professor é de extrema relevância para o avanço e sucesso no processo de ensino e aprendizagem das crianças indígenas.

Com a formação continuada dos professores indígenas por meio de um programa governamental, foi possível desenvolver estudos e oficinas pedagógicas para refletir e contribuir com possibilidades de metodologias e recursos para as práticas nas escolas indígenas. Avaliamos que essas ações têm obtido êxito, embora seja necessária a permanência de políticas de formação de professores em exercício para a melhoria de atuação nas escolas indígenas, até porque trata-se de uma ação muito recente destinada especificamente aos povos indígenas.

O SIE propiciou uma formação pedagógica continuada específica aos professores indígenas. Durante a formação pedagógica a Matemática foi uma das áreas que teve destaque, pois entre os eixos do SIE o numeramento era um deles. Buscou-se ao longo do texto discutir sobre a importância do numeramento e do uso dos jogos indígenas relacionados com a matemática o que gerou a necessidade, por parte dos professores indígenas, de uma oficina específica de jogos matemáticos.

Para o desenvolvimento dessa oficina, priorizou-se os conhecimentos etnomatemáticos a fim de viabilizar os princípios da interculturalidade no processo de formação continuada de professores indígenas. Entendemos que essa formação teórico-prática contribuiu aos professores indígenas, podendo assim, incorporar no planejamento das aulas, o jogo como um recurso pedagógico para o ensino de conteúdos matemáticos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Mathematical games and the formation of indigenous teachers in the early years of elementary school

ABSTRACT

Studies on the formation of indigenous teachers in Brazil show that this process began systematically after the 1988 Constitution. In the 1990s the category Indigenous School was created witch consequently requires the hiring of indigenous teachers to work with the children in the different stages of education. This article discusses the formation of indigenous teachers and mathematics teaching in the early years of elementary school. Considering the cultural diversity of indigenous peoples, we emphasize ethnomathematics and its particularities as understanding the interrelationship of indigenous mathematical knowledge and universal knowledge. The methodology adopted was based on theoretical and practical studies, as, in order to develop of the article, there was a proposition of a pedagogical workshop emphasizing the use of games in the teaching of math contents. The workshop was developed during the Federal Indigenous Knowledge at School Program, in two moments, at the University and in indigenous schools, one of Guarani ethnicity and the other of Kaingang ethnicity. Theoretical studies highlight the need to relate the knowledge that indigenous people have about the mathematics used in everyday life with the knowledge defined in the school curriculum. With the pedagogical workshops, indigenous teachers reported that when indigenous children play they make using mathematics, which makes sense for the elaboration of mathematical games since they are easily found in play. We note that there are advances in educational policy based on indigenous peoples, however, it still requires a permanent systematic of research, studies and maintenance of a differentiated, specific, bilingual and intercultural policy that guarantees the indigenous rights conquered in the 1988 Constitution.

KEYWORDS: Indigenous School Education. Indigenous teacher training. Mathematical games.

NOTAS

1 A UFPR insere-se no processo em 2005 a partir do Convênio nº 502/2004, celebrado entre a UFPR e a SETI. Suas vagas foram aprovadas, segundo Bevilaqua (2005) juntamente com a reserva de 20% de vagas para alunos negros e 20% para alunos oriundos de escolas públicas. Sobre os indígenas sua participação foi regulamenta pela Resolução nº 37/04 do Conselho Universitário, que para os indígenas, prevê vagas gradativas, sendo cinco vagas em 2005 e 2006, sete vagas em 2007 e 2008 e dez vagas a partir de 2009. O processo seletivo vem ocorrendo, desde então, em conjunto com as demais universidades públicas do Estado.

2 No Paraná São 37 Terras Indígenas. Dessas, 18 encontram-se regularizadas, 6 em processo de regularização e 13 não regularizadas (PARANÁ, 2012).

3 Para a organização dos jogos contou-se com o apoio do Laboratório de Ensino da Matemática da Universidade Estadual de Maringá.

4 Mondepi é uma armadilha pequena, é o diminutivo de Monde, é feito pelas crianças indígenas para pegar passarinhos.

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Recebido: 21 ago. 2019

Aprovado: 05 nov. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n3.10557

Como citar:

NOVAK, M. S. J.; MENEZES, M. C. B.; FRANCO, E. da S. N. Jogos matemáticos e a formação de professores indígenas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 430-448, set./dez. 2019. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/actio. Acesso em: XXX

Correspondência:

Maria Simone Jacomini Novak

Rua Antônio Pietro Bom, 994 – Jardim Dias, Maringá, Paraná, Brasil.

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e Tecnológica. – v. 1, n. 1 (Set.-Dez. 2016-). – Curitiba, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, 2016-
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