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Prática de ciência e tecnologias na rede municipal de ensino de Curitiba: re-visitando a historicidade do pesquisado

Manuelle P. da Costa Simeão

manuellepereiradacostasimeao@gmail.com

orcid.org/0000-0002-4140-3573

Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil

Luciane Ferreira Mocrosky

mocrosky@gmail.com

orcid.org/0000-0002-8578-1496

Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil

RESUMO

O presente artigo apresenta compreensões sobre as marcas históricas que sustentam o ensino de Ciência e Tecnologias nos anos iniciais da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Optou-se por seguir a elaboração de uma re-visão da trajetória da Prática de Ciência e Tecnologias (CT) na referida rede, no contexto da educação em tempo integral. Entende-se que (re)conhecer os caminhos já trilhados pode favorecer a ação pedagógica pela compreensão de modos de conceber esse ensino, de maneira a contribuir com a alfabetização científica das crianças. Do estudo realizado com os documentos orientadores para a educação em tempo integral, bem como, currículo de Ciências, políticas públicas de implantação e efetivação da prática e de autores que estudaram o tema, constatou-se que as práticas de Ciência e Tecnologias na RME de Curitiba encontra-se imersa em um processo dinâmico e de constante (re)elaboração sobre conhecimento científico e tecnológico e tudo o que ele envolve. Muitas das mudanças ocorrem a cada nova gestão, o que poderia implicar em descontinuidade se não fosse a prevalência da equipe pedagógica. Do explícito sobre o CT como prática educativa, as marcas históricas vêm apontando a alfabetização científica e tecnológica como o traço do ensino de Ciências nos anos iniciais.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Ciência e Tecnologia. Ensino Fundamental. Anos iniciais. Educação em Tempo Integral.

INTRODUÇÃO

O ensino nos anos iniciais da Educação Fundamental, em qualquer modo disciplinar em que a ciência esteja organizada, carrega a complexidade de que não há uma licenciatura específica para formar o professor para esta etapa escolar. Assim, o pedagogo tem sido o profissional mais adequado à docência no início do trajeto escolar de crianças (BAUMANN, 2009; ORLOVSKI, 2014; LIDIO, 2015).

Não obstante as complexidades de alfabetizar, quando o compromisso é com o ensino, mantendo as crianças ativas em escolas que funcionam em tempo integral, as dificuldades são ainda maiores. Que projetos podem ser elaborados e desenvolvidos para que a escola não corra o risco de ampliar apenas o tempo de permanência do aluno, divorciado do avanço na aprendizagem?  Sobre isso, há um investimento em organizar práticas para a escola que funciona em tempo estendido. Entretanto, nem sempre estas dirigem incialmente um olhar atento a quem colocará as intenções proclamadas em planos para ações pedagógicas, tendo em vista a formação generalista dos professores. Ou seja, ficam lacunas, dificultando possibilidades de o professor se formar, alinhado com aquilo que se almeja no ensino inserido nessa modalidade.

Nesse sentido, a Rede Municipal de Ensino de Curitiba organiza a escola de tempo integral pautada em práticas que abrangem diversos campos dos saberes. Entre elas destaca-se a prática de Ciência e Tecnologias (CT), que objetiva

[...] ampliar a aprendizagem científica que perpassa o conhecimento histórico de como a ciência é produzida, as construções lúdicas, os modelos, a experimentação e o uso de espaços não formais e diferentes ferramentas tecnológicas (CURITIBA, 2016, p. 75).

A experiência de uma das autoras, que desde 2012 vem atuando como docente da prática de CT, tem revelado a névoa que encobre tal ensino pela insuficiência de conhecimentos de base epistemológica, bem como, a falta de clareza do que tais práticas podem significar para a alfabetização dos alunos. Sobre isso, Rodrigues e Rodrigues (2018, p. 61) afirmam:

Uma das dificuldades dos professores do ensino fundamental é entender que, ao desenvolverem temas de ciências em suas aulas, também alfabetizarão, tanto nos códigos oral e escrito quanto no desenvolvimento do conhecimento científico.

Muito disso decorre pelos entendimentos de ciência e tecnologia, quando se tem no horizonte o ensino para crianças e a perspectiva de que todas as unidades curriculares ou práticas participam do movimento de alfabetização.

O ensino de CT na Rede Municipal de Ensino (RME) de Curitiba, não tem sido tematizado em discussões acadêmicas. Existem pesquisas que versam sobre a educação em tempo integral na Prefeitura de Curitiba (ARCO-VERDE, 2003; GERMANI, 2006; SCHELLIN, 2015; FARION, 2016; WHITERS, 2016; MORMITO, 2018) que tratam dos mais diversos aspectos da educação e das escolas com essa modalidade de ensino. Entretanto, não se identificou, até o momento dessa pesquisa, um recorte específico para a prática de CT.

A leitura orientada pela procura da prática de CT nos trabalhos supracitados permite inferir que está pode estar associada, em algumas escolas, ainda ao laboratório de informática, às mídias, às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), ou seja, às tecnologias enquanto recurso pedagógico. Mostram, também, mudanças em denominações e encaminhamentos didáticos, reforçando o intento de ensinar Ciência através do aparato tecnológico.

Assim, entende-se que a construção da prática de CT passa ainda por um processo de compreensão em toda a RME. De um modo geral, as mudanças que surgem no cotidiano da escola, muitas vezes vêm de modo prescritivo. Envoltos no trabalho, docentes são conduzidos a alterar rotinas pedagógicas num intervalo de tempo restrito, sem pensar muito sobre o que as mudanças anunciam. Desse modo, muitas das mudanças instituídas via Secretaria de Educação levam algum tempo para serem compreendidas e colocadas em prática pelos professores nas salas de aula.

Dada a distância entre o que preconizam os documentos oficiais e a intervenção pedagógica, entende-se que, é no estar na escola ensinando, na formação continuada ofertada pela Rede Municipal e no entendimento das orientações curriculares que o professor se constitui como um docente dos mais diversos campos do saber. Visando contribuir com a formação do professor que ensina prática de CT, buscou-se, neste artigo, explicitar uma re-visão que trate da história da prática de Ciência e Tecnologias na RME, que se dá no contexto da educação em tempo integral. Re-visão, assim grafada, indica que as pesquisadoras têm uma visão do tema e nesse estudo buscaram voltar, considerar novamente o que de certo modo era conhecido, valendo-se de um estudo sistemático dos documentos orientadores de práticas de CT na escola de tempo integral e no diálogo com autores que se dedicam ao tema. Como a visão se estabelece de forma mais direta no âmbito subjetivo, é importante voltar para um re-visar que aponte entendimentos que se estabeleçam na intersubjetividade e contribuam, assim, com o professor que busca clareza para sua atuação didático-pedagógica.

TRAJETO METODOLÓGICO

Com a intenção de expor uma história re-visitada e refletida do ensino de Ciência e Tecnologias na RME de Curitiba, a investigação consistiu na análise dos documentos: Diretrizes Curriculares Municipais (2006), Caderno Pedagógico de Educação Integral (2012), Currículo do Ensino Fundamental 1º ao 9º ano, v. IV – Ciências da Natureza (2016), Subsídios para a organização das práticas educativas em oficinas nas unidades escolares com oferta de educação em tempo integral (2016).

Optou-se por uma pesquisa qualitativa, seguindo uma postura fenomenológica na execução de seus procedimentos, como orienta Bicudo (2011; 2013; 2018 apud SIMEÃO; MOCROSKY), pautando-se num estudo analítico-reflexivo, refletindo sobre os documentos, destacando o que eles dizem ao indagar-se sobre: “como a Prática de CT vem se constituindo na RME de Curitiba?”  Buscou-se esclarecer as inquietações sobre a docência, destacando o ensino de Ciência e Tecnologias nos anos iniciais como fenômeno investigado.

Primeiramente, foi realizado um levantamento dos documentos que instituíram e que asseguraram a permanência das referidas práticas na RME de Curitiba, que possibilitaram entender o movimento de constituição das mesmas e avançar para compreendê-lo na atualidade, tomando por solo o contexto profissional em que se estava inserido. Assim, focou-se no que vem sendo efetuado na cidade de Curitiba. Tendo os textos em mãos, a hermenêutica (GADAMER,1997; BICUDO, 2005, 2011) se apresentou como uma possibilidade de interpretação para a compreensão, por buscar “o que” dizem os documentos orientadores, leis, partindo da leitura do próprio texto no “como” organiza a modalidade de ensino nos anos iniciais.

Realizou-se então leituras sucessivas das orientações da RME de Curitiba, dialogando com pesquisadores que estudam o ensino de Ciência e Tecnologia nos anos iniciais e sua relação com o contexto da educação em tempo integral. A realização desta leitura interpretativa e reflexiva levou a compreensão do questionamento que move o estudo: que marcas de um acontecer histórico permanecem orientando docentes, desenhando trajetos, esboçando a história, possibilitando compreender a prática de CT?

A PRÁTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CURITIBA: OS FIOS PARA UMA TESSITURA HISTÓRICA

A prática de Ciência e Tecnologias acontece na RME no contexto da educação em tempo integral. Sobre esta modalidade de educação ofertada pela RME, em que crianças passam uma jornada diária de 9 horas na escola, destaca-se que sua oferta se dá em

Escolas Municipais de Tempo Integral, que atendem 50% ou mais de seus estudantes em período integral, dentro do espaço escolar. Unidades de Educação Integral (UEIs), que atendem estudantes em contraturno em espaços vinculados às escolas municipais que ofertam ensino regular. [...] Unidades de Educação Integral (UEIs), não vinculadas a escolas municipais, que atendem estudantes em contraturno em espaço próprio (CURITIBA, 2012, p. 9).

A terminologia utilizada para o tempo ampliado tem trazido confusões conceituais com a denominação “Educação Integral”. Atualmente a RME diferencia tempo integral de educação integral, mas nos documentos de implantação e em alguns estudos encontrados na literatura há um misto de tempo integral e educação integral para falar da ampliação do tempo na escola. Deste ponto em diante, mesmo que falemos educação integral para se referir ao tempo ampliado, vamos assumir a denominação educação de tempo integral. São exemplos as explicitações feitas por Germani (2006). Sobre isso a RME enfatiza que educação integral é “o objetivo principal de qualquer escola independentemente de sua carga horária” (CURITIBA, 2016, p. 22). Nesse sentido, o que se propõe para o tempo ampliado envolve a educação integral ao fixar que o objetivo [...] é aprofundar, oportunizar e especializar o trabalho com os conhecimentos escolares. Bem como, com os conteúdos humanizadores equalizando, oportunizando e diversificando percursos e estratégias didáticas. Com o uso de metodologias que considerem o aluno e seu desenvolvimento global. (CURITIBA, 2016, p. 23).

O currículo da escola com jornada ampliada implementa em seu Projeto Político Pedagógico, uma rotina de nove horas diárias, desenvolvendo metodologias diferenciadas que considerem o estudante em seu desenvolvimento global. Desdobra as áreas do conhecimento em cinco práticas educativas, voltadas à leitura e escrita, à arte, ao esporte, ao lazer, à cultura, à educação ambiental, à experimentação científica e ao uso das tecnologias. São elas: práticas de acompanhamento pedagógico; práticas artísticas; práticas do movimento e iniciação esportiva; práticas de educação ambiental e Práticas de Ciência e Tecnologias.

Na educação em tempo integral concebemos o termo prática enquanto organização “didático/pedagógica” que tem como objetivo fundamental qualificar estratégias relacionadas ao experimentar, testar, manipular, construir, montar, entre outros, por meio da interação entre os sujeitos, os espaços, os tempos e os recursos, para ressignificar os conhecimentos escolares (CURITIBA, 2016, p. 9, grifo nosso).

O estudo sobre o histórico da educação em tempo integral de Curitiba, apresentado por Germani (2006), mostra que o projeto no município começou a ser implantado na década de 1960. Segundo informações que constam no site da SME, o marco inicial da educação em tempo integral foi o Grupo escolar Papa João XXIII transformado em centro experimental.

O órgão municipal responsável pela coordenação urbanística da cidade Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) implantou projetos em parceria com as Secretarias Municipais de Educação, da Criança, do Bem-Estar Social, da Saúde, da Cultura e dos Esportes. O IPPUC, no uso de suas atribuições, estabeleceu a divisão do município em setores educacionais, seguindo as determinações do Art. 61º da Lei do Plano Diretor. Conforme essa Lei, previa-se a criação de Centros Educacionais com ‘localização geográfica no centro de cada setor para servi-lo de sede’ (CURITIBA, 1968, p. 2 apud GERMANI, 2006, p. 46).

Em seus estudos, Germani (2006) teve sua primeira experiência de atendimento integrado da criança no grupo escolar Papa João XXIII, neste centro experimental, os alunos tinham acesso às atividades diversificadas no período do contraturno. Porém, as discussões sobre uma proposta pedagógica para a educação em tempo integral tiveram início nos anos 80, na gestão do então prefeito Roberto Requião de Mello e Silva.

Segundo estudos apontados por Arco-Verde (2003), Germani (2006), Schellin (2015), Farion (2016), Whiters (2016) e Mormito (2018), a educação em tempo integral de Curitiba perpassou constantes mudanças na gestão, que influenciaram diretamente na manutenção, criação e até mesmo na extinção de propostas pedagógicas para a educação.

A educação em tempo integral, segundo as autoras supracitadas, seguiu os modelos de São Paulo (PROFIC – Programa de Formação Integral da Criança) e Rio de Janeiro (CIEPs – Centro Integrado de Educação Pública) na sua implantação.  A partir de 1987, foram criadas oito Escolas de Tempo integral (ETIs) em Curitiba. Eram quatro escolas construídas especificamente para a oferta de educação em tempo integral, com projeto arquitetônico característico e quatro escolas que ganharam um prédio anexo ao já existente (SCHELLIN, 2015. p.44).

Schellin (2015) descreve que nas ETIs os estudantes tinham a jornada diária de 9 horas (das 8h às 17h), em que eram trabalhados os componentes curriculares da base nacional comum e ainda eram ofertados projetos complementares desenvolvidos em laboratórios devidamente equipados de Ciências, fotografia e outros voltados a leitura e a pesquisa. Começam, portanto, a aparecer indícios de um trabalho voltado à ciência na educação em tempo integral com a criação desses laboratórios. No entanto,

A partir de 1989, devido à falta de uma política educacional para as ETIs, que contemplasse as especificidades do tempo ampliado, somente os componentes curriculares da base nacional comum passaram a ser ofertados ao longo do dia, objetivando a ampliação das atividades didáticas, em detrimento aos projetos anteriormente propostos (SCHELLIN, 2015, p.46).

No início dos anos 90, na gestão do então prefeito Jaime Lerner, foram construídos os CEIs (Centro de Educação Integral), para os quais era prevista a ampliação da carga horária, passando de quatro horas para oito horas diárias o ensino nos anos iniciais. A estrutura ficou conhecida como complexo II, composta por três andares e em cada pavimento era desenvolvida uma proposta pedagógica.

O primeiro piso constitui-se num espaço destinado ao trabalho de cultura corporal. Os conteúdos a serem trabalhados neste piso estão contidos na proposta de Educação Física do Currículo Básico (Jogo, Ginástica, Dança e Esportes).

O segundo piso era um espaço destinado ao desenvolvimento da cultura artística. Os pressupostos também estão contidos no currículo básico, especificamente na proposta de Educação Artística.

No terceiro piso houve uma divisão do espaço físico para dar condições de desenvolver atividades ligadas à cultura da multimídia e à educação ambiental. A multimídia “tem de se tornar matéria de ensino”, dando aos alunos condições intelectuais para que, utilizando-se desses conhecimentos adquiridos, possam fazer uma leitura crítica da realidade que perpassa os meios de comunicação, tanto os meios impressos (livros de bolso, revistas, quadrinhos, jornais, cartazes e malas diretas) quanto os eletrônicos (discos, rádios, televisão e cinema) (GERMANI; MIGUEL, 2006, p.15, grifo nosso).

Na trajetória investigativa, procurou-se por documentos que legitimassem a implantação do ensino em tempo integral na Prefeitura de Curitiba. Foi encontrada, no arquivo geral da educação do município, uma proposta preliminar datada de 1992, que instituía entre outras atividades a cultura técnico-científica, conforme Figura 1.

Figura 1 - Proposta Pedagógica Preliminar para implantação dos CEIs

Fonte: Arquivo Público Municipal (Caixa: 558, v. 1, 1992, p. 12).

Sobre a cultura técnico científica, destaca-se o trecho transcrito na Proposta Pedagógica Preliminar conforme ilustrado na Figura 2:

Figura 2 - Proposta Pedagógica Preliminar para implantação dos CEIs

Fonte: Arquivo Público Municipal (CAIXA: 558, v. 1, 1992, p. 14).

Na leitura investigativa, compreende-se que a proposta estava amparada pelo currículo vigente àquela época (1991–1992), centrada na Pedagogia histórico-crítica, tal como delineada no Brasil por Demerval Saviani. Segundo Batista e Lima (2015), nesta

[...] diferentemente das correntes liberais, a educação é entendida como um elemento inserido nas relações sociais. Professores e alunos são considerados agentes sociais, chamados a desenvolver uma prática social, centrada não na iniciativa do professor (pedagogia tradicional) ou na atividade do aluno (pedagogia nova), mas no encontro de seus diferentes níveis de compreensão da realidade através da prática social comum a ambos (BATISTA; LIMA, 2015, p.71).

Constata-se vestígios teóricos da Pedagogia histórico-crítica na proposta, entretanto, ela não continha especificidades que pudessem orientar gestores e professores para que o preconizado pudesse refletir no trabalho a ser realizado nesse ambiente. 

Paralelo ao que vinha se desenvolvendo no âmbito da educação em tempo integral no município de Curitiba, também existiam os programas de contraturno, vinculados a outras secretarias, como o programa do CISAR (Centro de Integração Social Arlete Richa) que aconteceu de 1986 a 2004. Esse programa passou a ser vinculado ao Governo Federal em 1989, com o projeto RECRIANÇA, em que eram atendidos crianças e adolescentes de 7 a 17 anos em atividades esportivas e culturais no período do contraturno escolar. Em 1992, acaba o convênio com o Governo Federal e o programa passa a ser administrado pela prefeitura, como o nome de Programa de Integração Social da Criança e do Adolescente (PIÁ), vinculado à Secretaria Municipal da Criança (SMCr). Em 2004 a SMCr foi extinta e o PIÁ foi incorporado à Secretaria Municipal da Educação. Existiu também o PIÁ ambiental, que passou a ser administrado pela SME em parceria com a UNILIVRE -Universidade Livre do Meio ambiente, que em 2003 passou-se a denominar programa ECOS (Espaços de Contraturno Sócio Ambiental) (CURITIBA, 2006, p. 30).

Ainda no trajeto investigativo, outro documento foi localizado, a “Proposta Pedagógica PIÁ” (2004), que regulamentava as atividades desenvolvidas no Programa de Integração Social da Criança e do Adolescente - PIÁ, trazendo em seu texto, traços de uma prática de ciência e de construção do conhecimento. O explicitado nesse material apresenta algo muito parecido com a proposta de 2012, no Caderno Pedagógico da Educação Integral, o que pode ser considerado que teve o PIÁ como um elemento inspirador, principalmente no tocante à prática de CT.

A proposta em tela previa espaços de construção do conhecimento (ECC) e uma das seções compreendia o “Pequeno inventor”, que fazia parte dessa organização pedagógica dos ECCs. Nessa seção, uma concepção de ciência é explicitada pela SME como produto de atividade humana, impregnada de valores, costumes, que sofre mudanças e, portanto, se torna um conhecimento questionável e sempre em elaboração. Segundo esse documento, o objetivo era de que as crianças e adolescentes se apropriassem da ciência e tecnologia, ampliando assim sua visão de mundo.

Figura 1 - Proposta Pedagógica Preliminar para implantação dos CEIs

Fonte: Prefeitura de Curitiba (2004).

Em 2006, elabora-se o caderno com as Diretrizes Curriculares Municipais, contendo 4 volumes. O último deste volume foi dedicado à Educação Especial e Inclusiva, Educação Integral e Educação de Jovens e Adultos. Nesse documento não aparece mais o termo ‘cultura da multimídia’ e insere-se a prática com a denominação ‘Ciência e Tecnologias da Informação e Comunicação - CTIC’.

Figura 4 - Diretrizes Curriculares Municipais – DCM, 2006

Fonte: http://multimidia.educacao.curitiba.pr.gov.br/2016/12/pdf/00125424.pdf.Acesso em: 14 de maio de 2018.

A partir desse momento, a prática é descrita no documento em apenas duas páginas, comunicando ao docente que a ciência e a tecnologia estão presentes no cotidiano e que se faz importante para a formação integral do cidadão conhecer tais tecnologias e os modos como o homem se relaciona com elas. O documento aponta as tecnologias da informação e comunicação como importantes ferramentas, permitindo a exploração dos diversos meios de comunicação, afirmando que o objetivo é a formação de cidadãos capazes de utilizar essas ferramentas de forma crítica (CURITIBA, 2006. p. 36-37).

Na medida em que esse estudo avançou, constatou-se que desde a sua implantação a educação em tempo integral no município de Curitiba se deu em meio a uma pulverização de espaços, de propostas e de uma miscelânea de projetos. Há, portanto, um entendimento de educação em tempo integral que foi sendo consolidado na RME, no entanto, algumas ações deixam de ser efetivas devido à falta de investimento e continuidade de propostas. É importante destacar que, a partir de 2006, com as DCM, surge o nome CTIC – que comunica uma identidade. Mesmo que o documento não traga tanto amparo, um passo foi dado: tem-se uma tentativa de assegurar que nesses espaços de educação em tempo integral a Ciência e a Tecnologia estejam presentes.

O INÍCIO DE UMA CAMINHADA ACOMPANHADA DE UM DOCUMENTO ORIENTADOR EXCLUSIVAMENTE DESTINADO À EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL DE CURITIBA

Considerando as constantes reformulações no Currículo e Diretrizes para a Educação na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, a ocorrida no ano de 2012, promoveu mudanças nas escolas de tempo integral, que foram dirigidas por meio do caderno de Orientações Pedagógicas encaminhado às unidades escolares.

Figura 5 - Caderno pedagógico da educação integral, 2012

Fonte: http://www.educacao.curitiba.pr.gov.br/conteudo/cadernos-de-orientacao-da-educacao-integral/8238. Acesso em: 14 de maio de 2018.

Outra mudança que merece destaque, além do caderno pedagógico, é que em 2012 a Secretaria Municipal de Educação aderiu ao Programa Mais Educação (PME), “isso ocasiona muitas discussões e reflexões sobre a Educação em Tempo Integral, com a renovação de ações” (FARION, 2016, p. 43).

Na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, embora as discussões sobre a Educação em Tempo Integral ocorram desde os anos 80, nas duas últimas décadas tiveram um novo olhar, a partir da escrita das Diretrizes Curriculares, em 2006, e, mais recentemente, pela preocupação da Secretaria Municipal da Educação em ressignificar os conceitos e conteúdo para o tempo ampliado.

Nesse material foram organizadas e incorporadas novas práticas e, por ser um caderno dedicado somente às atividades realizadas no tempo ampliado, o documento trouxe mais visibilidade e identidade para a educação em tempo integral. Além disso, oportunizou leitura e estudo com temas específicos para os docentes atuantes nessas práticas e apresentou modos de conduzir as atividades dentro das práticas e na prática de Ciência e Tecnologias da Informação e Comunicação (CTIC). Constata-se que a Rede Municipal de Ensino de Curitiba caminha em busca de uma escola que contribuí para a alfabetização científica e tecnológica de seus estudantes, mediante a realização de um conjunto de iniciativas didático-metodológicas.

O Caderno Pedagógico de Educação Integral (2012), documento que regulamentou as práticas, aponta para a “necessidade de ampliar as discussões acerca das relações entre ciência, tecnologia e sociedade (CTS) em vários contextos culturais” (CURITIBA, 2012, p. 180). Identifica-se, portanto, que há uma preocupação, sobre a relação CTS, apresentada logo na introdução do texto analisado. Ao ler sobre a primeira intenção proclamada, infere-se que existe uma intenção de proporcionar novas abordagens para o ensino, almejando uma alfabetização científica e tecnológica que cultive, ainda nos anos iniciais, cidadãos conscientes do papel da ciência e da tecnologia na sociedade, bem como, uma educação que proporcione um posicionamento crítico e uma tomada de decisão frente a situações enfrentadas no seu cotidiano. Tais ações podem ser amparadas pelo que preconizam estudos apontados por Lorenzetti; Siemsen; Oliveira (2017, p. 05).

Se por um lado entende-se que o propósito da “ciência escolar é ajudar os estudantes a alcançar níveis mais altos de alfabetização científica” (BYBEE, 1995, p. 28, tradução nossa) sendo “necessário fomentar e difundir a alfabetização científica em todas as culturas e em todos os setores da sociedade. [...] a fim de melhorar a participação dos cidadãos na tomada de decisões relativas à aplicação de novos conhecimentos” (DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE, 1999, p. 5), por outro, ações efetivas devem ser desenvolvidas no contexto escolar no sentido de contribuir para a ampliação dos níveis de alfabetização científica e tecnológica dos alunos.

O texto do material elaborado em 2012, para orientar o ensino, aponta para um horizonte, mas deixa a cargo do professor tecer encaminhamentos, inclusive para a compreensão do que seja CTS.

O caderno também apresenta a prática dividida em três eixos: ‘Nas trilhas da Ciência’; ‘Construção e aplicação de modelos na Ciência’ e a ‘Ciência no cotidiano’. No entanto, afirma-se no documento que não há uma necessidade em perpassar os três eixos ao se trabalhar com determinados conteúdos.

Para tanto, os conteúdos são estruturados em eixos temáticos, para que não sejam tratados como assuntos isolados. Eles indicam perspectivas de abordagem e dão organização aos conteúdos sem se configurar como sequência rígida, pois possibilitam estabelecer diferentes relações. (CURITIBA, 2012, p. 181). Os cursos de formação continuada, que se intensificaram a partir do ano de 2013, foram organizados de forma que o professor pudesse contemplar ao menos um dos eixos em seu planejamento.

Em 2015, um novo currículo estava sendo gestado e a prática de Ciência e Tecnologias da Informação e Comunicação (CTIC) foi incorporada ao novo Currículo do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Curitiba e sofreu uma nova alteração na denominação, passando a se chamar Ciência e Tecnologias (CT).

Em 2016, foi publicado o Currículo do Ensino Fundamental de Curitiba 1º ao 9º ano, na gestão do então prefeito Gustavo Fruet. A secretária da Educação nessa época promoveu a construção coletiva do currículo, em que foram ofertados, por meio de formação continuada, encontros regionais de cada área do conhecimento para o planejamento por meio de discussões realizadas nas semanas de estudos pedagógicos, grupos de estudos e reuniões pedagógicas. Ainda em 2015, todos os professores da RME foram convidados às reuniões de validação do novo currículo proposto, além de contribuições, que poderiam ser feitas on-line.

Em 2016 é lançado também, o caderno “Subsídios para a organização das práticas educativas em oficinas nas unidades escolares com oferta de educação em tempo integral”, conforme a Figura 6.

Figura 6 - Caderno lançado em 2016

Fonte: Prefeitura de Curitiba (2016).

O caderno é exclusivo à educação em tempo integral e contempla aspectos do trabalho pedagógico a serem desenvolvidos nas escolas que ofertam essa modalidade de ensino. Apresenta as oficinas que podem ser desenvolvidas nas práticas, a organização do tempo e espaço e contempla o conceito de ‘pareamento’.

O processo de pareamento na construção do planejamento das oficinas, se refere à busca de relações entre os conteúdos dos Componentes Curriculares e as Práticas Educativas do Currículo do Ensino Fundamental, dentro de uma mesma área do conhecimento. Ampliando as possiblidades de diversificar e qualificar o trabalho no tempo ampliado (CURITIBA, 2016, p.16).

Segundo o documento da RME, as oficinas devem ser desenvolvidas com base nesse conceito de pareamento, considerando as especificidades e necessidades de acordo com cada realidade escolar.

Muitos termos são sugeridos, alguns possíveis encaminhamentos, mas como material orientador de práticas, fica latente entendimentos das bases que sustentam inclusive o referencial teórico.

Os cadernos, currículos e diretrizes que orientam a prática de CT demonstram a história de uma prática em construção, que busca ressignificar o ensino de ciência e tecnologia alinhada a uma perspectiva CTS. Aparecem nos documentos a preocupação com a prática pedagógica em sala de aula e com procedimentos metodológicos para o fazer docente. São etapas, encaminhamentos e sugestões que os professores podem seguir. Todavia, estes mesmos documentos, carecem de uma sustentação teórica densa, ou seja, algumas ações podem ser colocadas em prática na sala de aula, sem o devido conhecimento e entendimento epistemológico por parte do docente, para que este ao estar em sala de aula, sendo responsável por ministrar oficinas na prática de CT, seja um agente transformador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura dos documentos oficiais da RME permitiu a elaboração, de uma descrição de um trajeto histórico, que se fez pertinente para o entendimento do contexto em que a Prática de CT surgiu. Os trajetos históricos re-vistos permitiram a tessitura de uma história para a prática de Ciência e Tecnologias na RME de Curitiba. História esta que acompanha todo o desenvolvimento da educação em tempo integral e educação integral, bem como, os estudos contemporâneos sobre o ensino de ciência e tecnologias.

A figura a seguir explicita uma tentativa de síntese desse trajeto histórico.

Figura 8 - Uma tentativa de tessitura da história da prática de Ciência e Tecnologias na RME de Curitiba

Fonte: Autoria própria (2019).

Compreende-se, portanto, com as leituras realizadas sobre a educação em tempo integral na RME de Curitiba, que a prática de Ciência e Tecnologias se apresenta como uma estratégia pedagógica inovadora para a ampliação e o aprofundamento de conteúdos científicos e tecnológicos, visando uma formação humana integral nos anos iniciais do ensino fundamental.  Ainda, tem como solo a alfabetização científica e tecnológica seguindo um enfoque CTS. A supressão de “Informação e Comunicação”, realizada em 2014 e formalizada no documento de 2016 não foi comunicada por escrito. Todavia, ao compreender a prática como um todo, entende-se que ao se nomear “Ciência e Tecnologias”, abrangeram-se as tecnologias em geral, não só as Tecnologias da Informação - TIC, o que aponta uma aparente mudança na concepção de tecnologia. No entanto, como já comentado anteriormente, entende-se no estudo da história da prática, que esta se encontra em meio a um processo de construção e reconstrução. Passos têm sido dados, mas a permanência do “s” na palavra tecnologias ainda representa a prevalência do caráter instrumental e antropológico da tecnologia.  O plural lança luz sobre o instrumento e o instrumental, o ter e o saber usar. Percebe-se que entendimentos epistemológicos sobre a tecnologia, ainda encontram-se em processo de compreensão e de construção.

Do estudo realizado com os documentos orientadores para a educação em tempo integral, das políticas públicas de implantação e de autores que estudaram o tema e discorreram sobre o histórico da educação em tempo integral de Curitiba, entende-se que sempre há mudanças políticas de gestão, as quais, em determinados períodos, buscam comprometer-se com um ensino de ciências pautado em uma construção coletiva do conhecimento que contemple aspectos históricos, políticos e culturais. Todavia, constatou-se, que em alguns momentos ocorrem descontinuidades nas propostas pedagógicas, gerando, encaminhamentos para um ensino desconexo como, por exemplo, a criação de um documento orientador exclusivo para as práticas no tempo ampliado, que veio somente no ano de 2012, enquanto as práticas educativas existiam desde a criação dos CEIs em 1992.

Outra questão pertinente levantada no estudo, mostrou que muitas das lacunas e descontinuidades de propostas pedagógicas voltadas à educação em tempo integral como um todo, decorrem das constantes mudanças nas gestões. Destaca-se que avanços vêm acontecendo, principalmente no que tange ao ensino de Ciência, que podem ser observados devido a uma consolidação da equipe de professores, que vem se mantendo, em sua maioria, frente as mudanças político-partidárias na prefeitura. Com isso, os documentos da RME se mostram a nós desenhando possíveis trajetos formativos ao esboçar a história da prática de CT na rede, se lançando como aberturas para o fazer docente. São marcas históricas que evidenciam, por um lado, a tentativa de sintonia com pesquisas acadêmicas sobre o ensino de ciências e tecnologias e, por outro lado, a demasiada “sintetização” de concepções, gerando fragilidades teóricas dirigidas aos docentes.

Science and technology practice in the municipal education network of Curitiba: re-visiting the historicity of the researched

ABSTRACT

This article presents understandings about the historical marks that underpin the teaching of Science and Technology in the initial years of the Municipal Education Network of Curitiba. It was decided to follow a path of elaborating a re-vision of the trajectory of the Science and Technology (TC) in this network, in the context of full-time education. It is understood that (re) knowing the paths already traced can favor pedagogical action by understanding ways of conceiving this teaching, so as to contribute to children's scientific literacy. From the study carried out with the guidance documents for full-time education, as well as curriculum of Sciences, public policies of implementation and effectiveness of the practice and authors who studied the theme, it was verified that the Science and Technology Practice in RME de Curitiba is immersed in a dynamic process of constant (re)elaboration on scientific and technological knowledge and everything that it involves. Many of the changes occur with each new management, which could imply in discontinuity if it were not the prevalence of the pedagogical team. From the explicit about TC as an educational practice, historical marks have been pointing to scientific and technological literacy as the trait of Science Teaching in the early years.

KEYWORDS: Teaching Science and Technology. Elementary School. Early years. Integral Education.

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Recebido: 18 jun. 2019

Aprovado: 16 out. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n3.10260

Como citar:

SIMEÃO, M. P. da C.; MOCROSKY, L. F. Prática de Ciência e Tecnologias na Rede Municipal de Ensino de Curitiba: re-visitando a historicidade do pesquisado. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 92-109, set./dez. 2019. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX

Correspondência:

Manuelle Pereira da Costa Simeão

Av. Paraná, n. 133, Cabral, Curitiba, Paraná, Brasil.

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Tecnológica Federal do Paraná, 2016-
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