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Atividades de estudo para aprendizagem e desenvolvimento de neoformações em aulas de ciências: uma reflexão epistemológica a partir da teoria histórico-cultural
Edson Schroeder
ciencia.edson@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8917-2017
Universidade Regional de Blumenau (FURB), Blumenau, Santa Catarina, Brasil
Daniela Tomio
danitomiobr@gmail.com
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Universidade Regional de Blumenau (FURB), Blumenau, Santa Catarina, Brasil
Neste artigo objetivamos apresentar a análise de uma atividade de estudo desenvolvida por um coletivo de estudantes e um professor de Ciências da Natureza, de uma escola pública da rede municipal de Blumenau/Santa Catarina. A descrição, análise e interpretação da atividade e seus efeitos para aprendizagem e o desenvolvimento de neoformações pelos estudantes é o objeto dessa investigação. A partir disso, propomos uma reflexão epistemológica, com pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, levando-se em consideração obras do bielorrusso Vigotski e Davidov, para compreender a atividade de estudo como unidade de análise de desenvolvimento humano e, assim, uma contribuição para o fomento de experiências inovadoras para o ensino de Ciências, ancoradas no entendimento de processos de aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: Formação humana. Neoformações. Aprendizagem. Desenvolvimento. Ensino de Ciências.
INTRODUÇÃO
Para iniciar esse texto, convidamos o leitor a observar os registros de estudantes de uma escola pública acerca de seus percursos formativos a partir de uma atividade de estudo, em aulas de Ciências da Natureza:
Figura 1 – Registros de estudantes a partir de uma atividade de estudo
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Desenhos, fotografias e textos escritos como esses exemplares foram elaborados por um coletivo de estudantes com seu professor, a partir de um conjunto de ações propostas em uma atividade de estudo com o conteúdo curricular “Plantas”. Uma análise desse percurso e seus efeitos para aprendizagem e o desenvolvimento de neoformações pelos estudantes é objeto de investigação nesse trabalho. A partir disso, propomos uma reflexão epistemológica, com pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, para uma compreensão da atividade de estudo como unidade de análise de desenvolvimento humano e, assim, uma contribuição para o fomento de experiências inovadoras para o ensino de Ciências na escola, ancoradas no entendimento de processos de aprendizagem. Vigotski (2004b) assevera que a aprendizagem é condição essencial para os processos de desenvolvimento do estudante, logo, confere à escola uma função primordial para a constituição dos sujeitos. Em sua perspectiva teórica, ressalta que este desenvolvimento acontece por intermédio da atividade, movimento em que, na aula de Ciências, a cultura é internalizada, conforme Leontiev (2017) argumentou posteriormente. Ou seja, trata-se da passagem de um plano psicológico socialmente estabelecido (o plano interpsíquico) para o plano psicológico individual (o plano intrapsíquico). Deriva daí a tese, também desenvolvida por Davidov (1986), de que a atividade de ensino, atividade organizada e efetivada pelo professor, pode originar este processo de internalização que ocorre entre o plano interpsíquico e o plano intrapsíquico. Portanto, com a atividade de estudo estabelece-se a dialética entre o ensinar e o aprender, com a emergência do desenvolvimento e suas consequências sobre o que concebemos como formação humana. Assim, atribui-se à atividade de ensino uma estreita relação com a atividade de estudo, o que possibilita os estudantes serem inseridos no universo da cultura, em nosso caso, da ciência. Conforme Davidov (2017), argumentou em sua teoria sobre o ensino voltado para o desenvolvimento: uma atividade de estudo origina a constituição, por parte do estudante, de uma postura teórica em relação à realidade. Ainda, de acordo com Vigotski (2001) a formação humana tem gênese social, isto é, a aprendizagem como condição para humanização, depende do meio cultural, uma vez que os estudantes internalizam procedimentos e linguagens, uma elaboração teórica formulada por Vigotski (2001) conhecida como Lei do Desenvolvimento Cultural: em um primeiro momento, como atividade interpsíquica e posteriormente como atividade intrapsíquica.
Portanto, consideramos a atividade de estudo como uma atividade fundamental (com vista à formação humana) em que os estudantes são conduzidos a agir à frente de si mesmos (VIGOTSKI, 2004a). Pela atividade de estudo, nos processos de apropriação do conhecimento, há o desenvolvimento de novas formações, ou seja, o desenvolvimento de um produto mental novo – uma nova forma de pensar. Isto denota uma importante característica da atividade: a natureza investigativa, que conduz a um protagonismo ativo e criativo pelos estudantes, uma vez que são desafiados a percorrer a trajetória investigativa feita por aqueles que desenvolveram determinado conceito teórico. O estudo a que nos referimos, com caráter produtivo e não reprodutivo, trata-se daquele que conduz o estudante a engajar-se em atividades para sua evolução como ser social. Neste processo de criação de significados, como adiantaria Vigotski (2001), a aprendizagem se transforma em atividade revolucionária.
Os estudantes, em aulas de Ciências, não criam conceitos, teorias, princípios, contudo, pela atividade de estudo, se apropriam deles. Na atividade, perfazem ações mentais (DAVIDOV, 1986) análogas com as que originaram conceitos, teorias, e princípios, ou seja, cultura científica, mas têm a oportunidade de conhecer e pensar sobre os processos reais por meio dos quais os pesquisadores formaram conhecimentos. Assim, a aula de Ciências pode se modificar em um ambiente (VIGOTSKI, 2017), mas em escala menor, que reflete processos que deram origem aos conhecimentos.
Davidov concretiza esta tese na teoria do ensino desenvolvimental, indicando a forma de estruturação da atividade de estudo dos alunos por um caminho que os leva a formarem o pensamento teórico a partir da reprodução do caminho investigativo do cientista e da obtenção de conclusões cientificas acerca desse objeto (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 338).
Nessa direção, destacamos a opção em elaborar nosso percurso teórico a partir de dois pressupostos da Teoria Histórico-Cultural do Desenvolvimento, levando-se em consideração quatro obras do bielorrusso Lev Semionovich Vigotski (1896-1934), publicadas no Brasil: “A formação do pensamento e da linguagem” (publicada no ano de 2001), “Psicologia Pedagógica”, “Teoria e método em psicologia” (ambas publicadas em 2004) e “Imaginação e criação na infância” (publicada em 2009), a saber:
a constituição do estudante em sua humanidade (sua formação humana) requer que ele se aproprie dos instrumentos culturais, internalizando-os, ou seja, fazendo com que se tornem meios de sua própria atividade;
o processo de apropriação implica em uma complexa atividade da consciência humana e diz respeito à generalização e a formação de conceitos, de modo a superar os limites da experiência sensorial imediata.
No que se refere às análises, optamos em fazê-las através da fundamentação das mesmas em duas categorias teórico-analíticas, de acordo com a compreensão vigotskiana a respeito da relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento das neoformações, sendo elas: a) tomada de consciência e b) intervenção da vontade (arbitrariedade).
Compreendemos que no processo de elaboração do conhecimento o professor assume um papel fundamental - o de organização da atividade de ensino como atividade culturalmente constituída, com atenção voltada para aspectos essenciais como a formação de espaços de interação e comunicação. Outrossim, no que se refere a uma atividade de estudo, conforme Vigotski (2004b) argumenta, os conhecimentos científicos envolvidos consistem no signo mediador da atividade, o que resgata a ideia, originalmente proposta pelo autor do método da dupla estimulação, consistindo na própria tarefa sugerida, bem como nos signos (conceitos) utilizados pelo professor, como mediadores centrais (tomando-se a relação estudante ↔ mundo), de modo a permitir que ele alcance níveis mais elevados de pensamento, perceptíveis pela forma como o organiza e o expressa, enquanto linguagem. Ou seja, segundo Vigotski (2002), por intermédio da aprendizagem, os estudantes desenvolvem duas importantes neoformações (do ponto de vista da formação humana), assim designadas: a tomada de consciência e a intervenção da vontade. A tomada de consciência diz respeito aos processos psicológicos de um estudante que envolvem a sua relação com os conceitos científicos constituindo uma nova estrutura de generalizações (um sistema de conceitos ou campo semântico), estrutura anteriormente desconhecida (não conscientizada), mas sempre a partir de saberes já pré-existentes. Deste modo, Vigotski (2001, p. 290) compreende esta importante questão relacionada ao funcionamento psicológico: “[...] a tomada de consciência passa pelos portões dos conceitos científicos”, daí a importância das disciplinas escolares.
Por sua vez, a intervenção da vontade relaciona-se ao plano da arbitrariedade a partir da tomada de consciência, ou seja, diz respeito à intencionalidade mediada nas ações sobre o mundo e, de maneira especial, na relação do estudante consigo mesmo. Estamos nos referindo a um complexo campo semântico (VIGOTSKI, 2001) que caracteriza uma formulação linguística de relações, essencial para o que percebemos por “compreensão”. A aprendizagem resulta no processo de solução de algum desafio que se coloca para o pensamento do adolescente. Só como resultado da solução desse desafio surge o conceito (VIGOTSKI, 2001), o que envolve uma relação pessoal do estudante com os conhecimentos. Posteriormente, retomamos as duas neoformações nos contextos da análise.
O professor coordena o processo de ensino com base em leis gerais, e seus estudantes necessitam lidar com estas leis gerais da forma mais clara possível, por intermédio da exploração de suas manifestações (HEDEGAARD, 2002). Neste contexto, recursos e metodologias têm um papel constitucional numa atividade de estudo. No método funcional de dupla estimulação (VIGOTSKI, 2004; 2001), o estudo da formação dos processos psicológicos elevados (neoformações) acontece pela análise das atividades simbolicamente mediadas, ou seja, pela análise dos estudantes integrados em suas atividades (de estudo).
A atividade de estudo que aqui apresentamos, priorizou a exploração pelos estudantes, objetivando-se a autonomia (na forma de pensar e agir) com implicações sobre o desenvolvimento intelectual. Partindo deste princípio, o professor em questão abdicou de práticas mais tradicionais no ensino de Ciências, como as abordagens centradas em conteúdos organizados de forma linear, fora de contextos e o acanhado protagonismo dos estudantes em sala de aula. Seu intento se fundamentou na convicção de que o ensino de Ciências, bem como o de outras áreas do conhecimento tem uma importante função na educação dos indivíduos. A partir dessa perspectiva foi possível apreender o papel essencial dos professores (como reguladores da atividade), uma vez que ela nos possibilita o desenvolvimento de uma compreensão não determinista sobre como a mente é construída conjuntamente (observando-se a relação professores ↔ estudantes), em atividades mediadas (pelo instrumento) e como sofrem a ação dos aspectos sociais e culturais na construção de subjetividades. Aí situa-se a centralidade da perspectiva histórico-cultural.
A proposta de atividade de estudo foi desenvolvida pelos pesquisadores com um coletivo de estudantes de uma escola pública, parceira da universidade em trabalhos de pesquisa, extensão e estágios curriculares. O professor de Ciências do relato é, também, um dos pesquisadores/autores desse artigo. Este foi acompanhado da outra pesquisadora/autora durante o percurso da atividade de estudo, gerando dados com observação participante, registros em diário de campo e análise dos documentos produzidos com os estudantes. O percurso analisado aconteceu em aulas de Ciências de um coletivo de estudantes de 7º ano, durante seis semanas do ano letivo. Ainda, ressaltamos que na atividade de estudo analisada, realizou-se um trabalho colaborativo com a professora da disciplina de Artes da escola, colimando forças para a transformação da atividade em atividade revolucionária. Evidentemente não estamos nos referindo às grandes revoluções (políticas, sociais, científicas), mas sim àquelas possíveis de se materializar em uma sala de aula: a dos estudantes, via conhecimento científico, transformando a si mesmos.
ESTABELECENDO UM CAMPO SEMÂNTICO PARA O ESTUDO DAS PLANTAS: A TOMADA DE CONSCIÊNCIA COM CIÊNCIA E ARTE
O conjunto de ações que apresentamos a seguir sucedeu em uma classe do sétimo ano, numa escola pública municipal de Blumenau, no estado de Santa Catarina/Brasil, e teve como elemento central o registro das ideias dos estudantes por intermédio da elaboração de textos, desenhos, fotografias, além da prática da leitura, visando à sistematização dos conhecimentos e a organização do pensamento, ou seja, a tomada de consciência e a arbitrariedade. Todas as etapas tiveram, essencialmente uma aspiração: a de proporcionar ao estudante um campo de estudos e aprimoramento pessoal, para que não fosse estimulado apenas a trazer respostas prontas, mas apresentasse disponibilidade afetiva e intelectual (VIGOTSKI, 2004b; 2001) na busca de alternativas para os desafios, com enfoque no incremento da imaginação e a criatividade, como meios do funcionamento psicológico superior e que dizem respeito à formação humana. Para Vigotski (2009) é exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro, erigindo-o e transformando o seu presente:
Na verdade, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando também possível a criação artística, a científica e a técnica. Nesse sentido, necessariamente, tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia (VIGOTSKI, 2009, p. 13).
O contagiante entusiasmo dos estudantes serviu ao professor como um indicador para propor caminhos e alternativas mais adequados à atividade, o que envolveu o planejamento de ações que incluíssem a relação dos estudantes com os conhecimentos necessários ao estudo, não se excluindo a afetividade como emoção fundamental associada aos atos da criação (PIETROCOLA, 2004). Por sua vez, as ações também atenderam a algumas inquietações do professor: não há respostas prontas sobre como ensinar Ciências, pois as situações de sala de aula são tanto inesperadas como desafiadoras, por isto, acrescentamos ser importante a atenção ao que ocorre no cotidiano social, bem como às dúvidas e necessidades dos estudantes, valorizando-se suas contribuições.
Considerada um desafio à pedagogia atual, a imaginação e a criatividade tem sido tema de estudos e pesquisas. No entanto, a escola, tal como se configura na realidade, muitas vezes não tem aberto espaço significativo ao pensamento criativo entre os estudantes e professores. Os estudantes se realizam como pessoas criativas quando conseguem cultivar diferentes formas de abordar, conhecer e compreender o mundo em que vivem: “é essa capacidade de fazer uma construção de elementos, de combinar o velho de novas maneiras, que constitui a base da criação” (VIGOTSKI, 2009, p. 17). Assim, entendemos que é possível por meio da aprendizagem desenvolver o pensamento criador nos estudantes. Isto significa estar atento às necessidades educativas básicas como a curiosidade, a imaginação, a exploração, a descoberta, bem como o desenvolvimento das percepções estéticas. Privá-los dessas necessidades, seguramente, compromete o fato dos estudantes reconhecerem-se como indivíduos criadores e exploradores, pois: “tanto o sentimento quanto o pensamento movem a criação humana” (VIGOTSKI, 2009, p. 30). Pietrocola (2004, p.128), assim apresenta este aspecto dualista e complementar:
Não há nada mais humano que o pensamento criativo. A capacidade de produzir ideias para representar e explicar o mundo tem garantido nossa sobrevivência nas mais diversas condições e permitido a evolução da espécie humana. Se tivéssemos que eleger uma única característica para nos diferenciar dos demais seres vivos, talvez fosse a imaginação e não a racionalidade a que melhor cumprisse tal tarefa.
Como já mencionamos anteriormente, as ações desenvolvidas para o estudo das plantas caracterizaram-se pela possibilidade de se inter-relacionar duas áreas do conhecimento: ciência e arte. Uma das ações desenvolvidas pelo professor, de forma preliminar, foi o estudo de árvores, principiando pela percepção das mesmas como organismos possíveis de serem conhecidos não somente por um enfoque científico, mas, também estético, ou seja, por intercessão da arte. Neste sentido, o professor introduziu o conceito “árvore” de duas formas: como organismo vivo, na perspectiva biológica e mais adiante, com apoio da professora de Artes, a partir do artista holandês Vincent van Gogh (que desenvolveu um particular interesse em representá-las), analisando sua obra com intuito de cultivar a criatividade humana em seu mais apurado sentido. Prosseguiu, partindo de ações com elementos racionais e estéticos, por intermédio da linguagem científica e da linguagem universal da arte, propondo um estudo de aprofundamento sobre as árvores, compreendendo-as como organismos vivos presentes em nosso cotidiano e que estabelecem uma intensa e dinâmica interação com outros organismos vivos e estruturas não vivas do planeta. A partir desta complexidade, desenvolveu-se aspectos de natureza científica (como a germinação e seus processos, os elementos necessários para a sobrevivência da planta, as árvores e suas relações com outras plantas e com os animais, formas de reprodução e disseminação de sementes, o papel das árvores nos ecossistemas, entre outros temas), tendo em vista uma transformação mais apurada, por meio da abordagem científica, das compreensões que os estudantes já traziam consigo sobre as árvores.
Entretanto, a construção do conceito poderia ser mais bem elaborada, com as contribuições da arte. Juntamente com a professora, optou-se, então, trabalhar com a temática partindo das obras de diferentes artistas1 que utilizaram as árvores como objeto da imaginação e da criação, em distintas épocas e contextos históricos. Posteriormente, a professora de Artes propôs a leitura e discussão do livro de Mike Venezia (1997) e, como resultado, os estudantes passaram a conhecer mais sobre a vida e a obra de Vincent Van Gogh, suas experiências, seu contexto histórico e sua visão de mundo. Nesta etapa da atividade de estudo, os conteúdos foram abordados tendo-se por base os três eixos norteadores do ensino da arte: a produção, referindo-se ao que chamamos de fazer artístico, a apreciação, que implicou numa leitura e compreensão da obra e, finalmente, uma contextualização, que permite ao indivíduo perceber a obra e sua produção a partir de um contexto histórico e social. Propôs-se aos estudantes imaginarem e registrarem, a partir de uma releitura de van Gogh, árvores que faziam parte dos seus cotidianos, conforme mostrado na figura 2.
Figura 2- Duas representações de estudantes sobre árvores na releitura de van Gogh
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Neste sentido, Vigotski (2009; 2004b; 2001) compreende a imaginação como uma complexa dimensão das funções psicológicas superiores, uma vez que esta integra outras funções em suas relações peculiares. Para Vigotski (2009), a imaginação necessita ser materializada (criada) numa palavra, num artefato, numa forma.
Em paralelo, os estudantes iniciaram uma exploração a partir das árvores encontradas na comunidade e, de forma particular, de um grande flamboyant existente na escola (figura 3), que serviu de ponto de partida para o “Projeto Germinação”, utilizando suas sementes. Este projeto possibilitou uma compreensão mais apurada dos fatores físicos e biológicos associados ao processo da germinação, pois tiveram que responder a questões como o tempo necessário para que o fenômeno ocorresse, por que grande parte das sementes não germinava, qual seria o solo mais adequado, entre outras de natureza científica.
Para tanto, foi necessário construir e manter sementeiras para observação, além do registro escrito e desenhado, no acompanhamento das etapas de crescimento da planta.
Outra frente de trabalho foi o “Projeto Jardim Suspenso”, que consistiu em proceder a um levantamento das espécies epífitas que habitavam a árvore, além de uma investigação mais cuidadosa a partir das questões: “como as plantas chegaram até o flamboyant?” e “que estratégias utilizavam para sua sobrevivência?” Além destes dois projetos de natureza investigativa, o professor também propôs a elaboração de um álbum botânico, que consistiu na coleta de informações científicas sobre a espécie alvo do estudo, registros desenhados e fotografados, herborização e elaboração de um texto escrito sobre a árvore contendo seus dados vitais.
Figura 3- O flamboyant da escola e seu “jardim suspenso”
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
O estudo das plantas, no Brasil, é parte integrante do currículo de Ciências e, algumas vezes, é desenvolvido por meio de atividades de estudos que priorizam apenas os aspectos informativos das plantas. Na atividade de estudo analisada, o professor, ao atribuir um enfoque interdisciplinar ao tema, apresentou um esforço no sentido de determinar uma síntese que gerou compreensões novas e ampliadas do tema de estudo, sobretudo no que diz respeito à utilização de linguagens, consequentemente, o estabelecimento de novas relações conceituais entre conhecimentos distintos, um importante aspecto a que Vigotski (2001) se refere como a tomada de consciência.
O ensino da Arte busca, entre seus objetivos, a formação estética dos estudantes; por sua vez, o ensino de Ciências também contribui de forma significativa para que os estudantes ampliem sua compreensão de mundo, por intermédio dos conhecimentos relacionado às Ciências da Natureza. Ratificamos que este conhecimento não deveria ser ensinado pela lógica transmissão - recepção passiva por parte dos estudantes. O que evidenciamos é que a relação atividade de ensino/atividade de estudo, adequadamente organizadas, podem determinar “a mudança da estrutura funcional da consciência” o que se constitui “no conteúdo central e fundamental de todo o desenvolvimento psicológico” (Vigotski, 2001, p. 281). Portanto, professores podem possibilitar aos estudantes uma oportunidade para exploração e a apresentação de suas ideias sobre determinados temas (o que implica na existência de um campo semântico), mas, para isto, faz-se imperioso o estabelecimento de contextos compartilhados e encorajadores, aspecto que faz com que os estudantes adquiram segurança e envolvimento com as práticas científicas. A respeito deste, digamos, aspecto psicológico, Vigotski (2004, p. 144) faz um interessante alerta:
Quem entre nós já pensou que fonte inesgotável de excitações emocionais radica em um curso comum de geografia, astronomia ou história, considerando que as aulas desses objetos devem ir além dos seus esquemas lógicos e tornar-se objeto de trabalho não só do pensamento, mas também do sentimento.
Não há dúvidas no que se refere ao valor do ensino centrado na exploração e no protagonismo do estudante, em detrimento do ensino que apenas incentiva a utilização da memória e a reprodução do conhecimento, na grande maioria das vezes, sem significados. O que se pretende é conduzi-lo, via atividade de estudo, a colocar-se a frente de si mesmo, uma vez que a natureza da educação se caracteriza pela mudança.
O ESTUDO DAS PLANTAS E A INTERVENÇÃO DA VONTADE, VIA EXPLORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FORMA SITUADA E CONCRETA
No desenvolvimento da atividade de estudo, a aula-passeio a um parque florestal caracterizou-se como etapa fundamental de exploração de um conhecimento situado e concreto (e aguardada com muita ansiedade pelos estudantes). Esta exploração distinguiu-se pela execução de tarefas específicas por meio dos procedimentos mais gerais alcançados pelas ações antecedentes. Ou seja, tratou-se de uma etapa em que o estudante, por meio de uma base conceitual já estabelecida, foi instado a organizar um álbum de registros (como produto final da atividade de estudo), com desenhos de observação, fotografias e textos relatando aspectos conceituais e estéticos, a partir da visita de estudos ao parque florestal, intitulado “Encontros com a Floresta”. A sua elaboração constituiu-se na resolução de tarefas exigidas por distintas situações, tendo-se por base o exercício da observação, também como variante da tarefa inicial. Importante destacar que na etapa de sua elaboração, os estudantes atuaram na perspectiva da autonomia intelectual, o que, evidentemente, também dizia respeito à aplicação dos conhecimentos. É necessário dizer relatar que as supervisões constantes e apoio dos professores de Ciências e Artes foram determinantes para esta etapa. Tem-se, aqui, outra condição basilar relacionada à perspectiva histórico-cultural - a participação guiada, ou seja, o envolvimento de indivíduos que não só se comunicam, mas compartilham objetivos e coordenam esforços em atividades de natureza cultural (trata-se do plano interpessoal da atividade).
O professor optou em conhecer a Floresta Atlântica in loco2, estudando-se suas características como um importante bioma brasileiro, utilizando para isto explicações com a retomada da conceituação científica anteriormente desenvolvida e materializada numa espécie de “glossário das plantas”; isto, a partir do exercício da observação e dos registros escritos e desenhados, além dos fotográficos. Posteriormente, em sala de aula, os estudantes organizaram e analisaram as imagens, com o intuito de prover elementos de ordem conceitual e estética e que pudessem contribuir para a elaboração dos textos como ação que contemplasse a explicitação de compreensões alcançadas sobre as plantas: “De fato, tomar consciência de alguma operação significa transferi-la do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na imaginação para que seja possível exprimi-la em palavras” (VIGOTSKI, 2001, p. 275), asseverando, ainda, que “[...] a mudança da estrutura funcional da consciência é o que constitui o conteúdo central e fundamental de todo o processo de desenvolvimento psicológico” (VIGOTSKI, 2001, p. 281). Ou seja, nesta etapa da atividade de estudo, o desafio dos estudantes não foi apenas elaborar simbolicamente uma compreensão sobre a floresta, relacionando diferentes conhecimentos já estudados sobre as plantas, mas necessitavam fazê-lo de forma criativa. A respeito desta relevante questão pedagógica, expomos um princípio estabelecido por Vigotski (2001, p. 171):
Onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta novas exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o desenvolvimento do intelecto, o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com um extremo atraso.
O Parque Ecológico Spitzkopf, de propriedade particular, situa-se cerca de 20 quilômetros do centro de Blumenau, na região sul do município. Trata-se de uma importante unidade de preservação, abrindo suas portas para visitantes interessados em manter um contato direto com o bioma Floresta Atlântica ainda preservado. O parque apresenta-se como uma excelente opção de lazer e educação para a população de Blumenau e região, devido a sua localização estratégica e a qualidade dos ecossistemas ali existentes. Grupos de estudantes de diferentes níveis de ensino, orientados por professores que visitam o parque buscam conhecer e aperfeiçoar seus conhecimentos sobre a floresta. Durante as caminhadas podem ser realizadas paradas em determinados pontos e, nestes, feitas observações repassando-se informações sobre os ecossistemas locais.
A utilização do parque como espaço educativo é muito importante, pois se transforma num laboratório vivo onde os estudantes entram em contado direto com a floresta, podendo conhecê-la de modo mais intenso e significativo. No parque, as atividades são desenvolvidas, principalmente, em distintos percursos (ou trilhas interpretativas), onde podem ser explorados aspectos do ambiente local, sua flora e fauna, etc. A flora pode ser explorada em diferentes situações, como a identificação de espécies nativas, formas, adaptações, floração, frutificação, importância para o ecossistema, relação entre as espécies, entre outras.
A fauna que vive no parque é muito rica, sendo registrada a presença de mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, artrópodes, entre outros invertebrados. A visualização dos vertebrados é mais complexa do que as dos invertebrados, porque a maioria possui hábitos crepusculares e, geralmente, se escondem quando sentem a presença humana. No entanto, vertebrados como mamíferos, aves e répteis podem ser identificados por meio de indícios como rastros, pegadas, fezes, tocas, ninhos, restos de alimentos e entre outros. Podem ser visualizados com relativa facilidade animais como borboletas, aranhas, formigas, besouros ou, também, indícios da sua presença, na forma de teias, ninhos, colmeias, formigueiros, etc.
A proposta para observação da natureza do parque veio ao encontro da necessidade de se obter informações mais detalhadas sobre os elementos bióticos (plantas, animais, fungos), os elementos abióticos (solo, água, ar), suas relações e suas interdependências. Como objetivo foi apresentado aos estudantes características do local, possibilitando a interpretação dos significados dos ecossistemas ali presentes e sua importância a partir dos conhecimentos já aprendidos na escola. Em outros termos, a ação centrou-se em duas dimensões associadas ao funcionamento psicológico mais elevado, conforme Vigotski (2004a) adianta: o alcance do grau de abstração e as relações de generalidade, originadas a partir das ações. Aqui, estamos nos referindo aos conceitos científicos envolvidos na atividade de estudo, entendendo-os como instrumentos culturais orientadores das ações dos estudantes em suas relações consigo mesmo e com o mundo. Os conceitos estabelecem-se na relação estudante - mundo em contextos histórico e culturais que lhe atribuem significados. Por sua vez, as relações de generalidade relacionam-se ao estabelecimento de uma relação entre conceitos (campo semântico de significados) com suas inúmeras relações conceituais, constituídas na atividade, o que gera uma intensa atividade intelectual (quando os estudantes são apresentados a contextos desafiadores). Na escola, dando prosseguimento ao desafio proposto originalmente, os estudantes organizaram o álbum de registros, com elaboração dos textos.
Seguem alguns excertos exemplares, na forma de citações, extraídas do álbum:
“A oportunidade de visitar nossa floresta foi muito importante, pois além de sermos contemplados com uma linda paisagem, tivemos a oportunidade de aumentar os nossos conhecimentos de botânica e zoologia. Para identificar característica do habitat florestal, tivemos que nos preparar anteriormente. As principais características daquela região são: a umidade, mata densa e caminhos tortuosos. [...]. Também encontramos uma grande diversidade de plantas. O relacionamento de conhecimentos de botânica e zoologia nas atividades foram constantes, porque as plantas, os animais e o meio ambiente estão ligados entre si, ou seja, um depende do outro”. [Estudante A].
“[...] na entrada do parque, observamos uma árvore cujo nome popular era “pinheiro-do-brejo”. Seu nome científico era Tachodium distichum. Tinha as pontas das raízes sobre o solo (pneumatóforos). Tinha, com certeza, mais de cem anos. [...]. Mais adiante, sobre uma rocha, encontramos musgos, samambaias e selaginelas. Sobre uma árvore vimos uma espécie de bromélia que nos chamou a atenção. [...]. Conseguimos concretizar nossos objetivos durante toda a caminhada”. [Estudante D].
“Os peixes nadam. As aves voam. As cobras rastejam.
Os gafanhotos pulam e nós brincamos.
E a floresta continua linda como sempre foi”. [Estudante F].
Também destacamos desenhos de observação (figura 4) e com fotografias (figura 5) realizados pelos estudantes para o álbum. As imagens representam respectivamente: a) uma bromélia sobre o tronco; b) as diferentes formas e tamanhos das plantas do parque; c) O caeté e suas cores; e d) o parque, com sua flora e fauna.
Figura 4- Distintas representações dos estudantes da flora do parque
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Figura 5 - A floresta pelo olhar dos estudantes, imagens obtidas no decorrer da caminhada e que fizeram parte do álbum de registros
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Posteriormente, o álbum foi uma referência para a divulgação da atividade exploratória com seus resultados, distinguindo um percurso histórico de estudantes e professores engajados em tarefas socialmente compartilhadas e mediadas pelo conhecimento científico. Nestes termos, entendemos que o álbum se constituiu em um importante amplificador cultural por duas razões:
a) o álbum, como meio material resultante das ações mediadas que desvelou, além de campos semânticos (conceituais), aspectos da estrutura do funcionamento psicológico dos estudantes, um aspecto denominado por Heedegard (1996) como procedimento epistemológico teórico, ou seja, os estudantes desenvolvem pensamento teórico na forma da reflexão, análise e planejamento. Em outros termos, segundo Daniels (2003), saber utilizar de forma consciente e controlar voluntariamente os sistemas simbólicos socioculturais do que concebemos como cultura científica. Em uma análise preliminar, foi possível verificar, pela leitura dos textos, observação dos desenhos e explicações atribuídas às fotografias, não apenas a utilização de conceitos, mas a presença de um sistema de conceitos, fundamentado em determinadas relações recíprocas de generalidade (VIGOTSKI, 2001), ou seja, não apenas temos a evidência de uma tomada de consciência, mas também da presença da arbitrariedade, ou seja, os estudantes explicitaram um sistema de conceitos a partir do entendimento da Mata Atlântica como importante bioma, considerando suas características e funções além do compromisso ético de cada estudante no que diz respeito ao que precisa ser feito para sua preservação. A escrita, portanto, revelou-se um recurso imperioso e, sobre ela, Vigotski (2001, p.320-321, grifo nosso) assim se manifesta:
Mas na escola a criança aprende, particularmente graças à escrita e à gramática, a tomar consciência do que faz e a operar voluntariamente com suas próprias habilidades. Suas próprias habilidades se transferem do plano inconsciente e automático para o plano arbitrário, intelectual e consciente.
b) a aprendizagem trata-se, também, de um processo social que se baseia na comunicação intra e extraclasse. Portanto, se por um lado o álbum de registros expressou relações entre processo mentais e conteúdo, por outro ele também explicitou objetivos e motivações em termos dialeticamente interativos, tendo-se a atividade criadora como emergência da relação racionalidade - afetividade, tanto nos textos como nos desenhos. Observamos além de estilos de escrita (na forma de relatos, histórias e poesias), o olhar atento e detalhado às formas, cores, traços e texturas (nos desenhos e nas fotografias). No caso das produções dos estudantes autores, ficou evidente o alcance das aulas de Ciências e de Artes no que Vigotski (2001) chamou de mudança da estrutura funcional da consciência. O álbum de registros também expressou, tanto em sua forma material como conceitual, a relação entre sistematização e historicidade, uma vez que vinculou ações humanas com contextos histórico-culturais importantes e necessários, no que diz respeito à socialização dos conhecimentos dentro e fora da escola. Ponderamos, ainda, que isto ocorre na medida em professores fazem uso do que Davidov (1986) chamou de exposição do “caráter problemático do conhecimento”, que se vincula com a exploração (compreendida como método da pesquisa no estudo, como tarefas cognoscitivas específicas: “Isto quer dizer que, em cada matéria escolar, devem ser incluídas tarefas que, para serem executadas, exigem que as crianças assimilem a experiência da atividade criadora das pessoas” (DAVIDOV, 1986, p. 161).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com intuito de finalização e, com ela, apresentar contribuições, consideramos necessária a retomada dos dois pressupostos histórico-culturais apresentados no início do nosso texto.
No primeiro, inferimos que a constituição do estudante em sua humanidade (sua formação humana) requer que se aproprie dos instrumentos culturais, internalizando-os, ou seja, fazendo com que se tornem meios de sua própria atividade. Nesse sentido, o que se apresenta em evidência, aqui, é o conhecimento científico como signo mediador na relação estudantes ↔ mundo, com a emergência de subjetividades. Por intermédio das aulas de Ciências os estudantes não só tiveram a oportunidade de adentrar em contextos conceituais mais elaborados (resultantes da atividade humana) como, aos poucos, no processo de apropriação, elaboraram uma formulação linguística de relações, ou, em outros termos, procedimentos epistemológicos teóricos. Na atividade de estudo analisada a tomada de consciência dos conceitos científicos envolvidos no estudo das plantas aconteceu por intermédio de um conjunto de ações com enfoque em diferentes atividades exploratórias, também com a valiosa participação dos conhecimentos científicos relacionados à arte, um aspecto que certamente tornou muito mais robusto e significativo o processo de tomada de consciência. Mais adiante os estudantes, a partir de uma atividade de exploração em um parque florestal, foram desafiados a elaborarem diferentes simbolizações de relações (a intervenção da vontade), como resultado de toda a trajetória histórica que caracterizou a atividade de estudo. Portanto, há sim, impactos da escolarização na aprendizagem, com implicações sobre o desenvolvimento. Os conhecimentos permitem aos estudantes uma ampliação significativa sobre suas compreensões a respeito de circunstâncias históricas específicas (a cultura científica, em nosso caso).
No segundo pressuposto, ressaltamos que o processo de apropriação implica em uma complexa atividade da consciência humana e que diz respeito à generalização e a formação de conceitos, de modo a superar os limites da experiência sensorial imediata. Assim, novamente nos apoiamos em Vigotski (2004), no sentido de valorizar a educação formal como condição para conduzir os estudantes à frente de si mesmos. Superar os limites da experiência sensorial imediata significa, como diria Vigotski, uma intensa luta, travada pelo estudante consigo mesmo e com o mundo. A luta é travada na medida em que o estudante se apropria dos conhecimentos científicos que se apoiam numa base conceitual preexistente e a transforma em sua estrutura. Na atividade de estudo aqui relatada, damos destaque ao valor atribuído pelo professor à prática da escrita autoral, que aconteceu em diversos momentos, sobretudo no desafio final de elaboração do álbum de registros. Essa escrita, como atividade criadora, possibilitou ao estudante um deslocamento da sua atenção sobre os significados da comunicação (trata-se de pensar não “com” palavras, mas “sobre” palavras), ou seja, pela escrita fez-se necessário refletir sobre as próprias formas de pensamento (daí o entendimento de Vigotski a respeito do encadeamento de uma luta interior). Evidentemente isto exigiu do estudante não só a presença de um campo semântico já estabelecido pelas aprendizagens anteriores, mas, sobretudo, o trânsito autônomo pelas relações de generalidade. Indicamos, aqui, uma questão essencial para a perspectiva histórico-cultural, fundamentada na interpretação conferida por Vigotski para o conceito de Zona de Desenvolvimento: ao serem desafiados, os estudantes desenvolvem novos níveis de pensamento, isto em termos quantitativos (aprendem novos conceitos e procedimentos), bem como qualitativos (utilizam os conceitos em termos de formulações linguísticas → isto é, adquirem novas formas de pensar e recriar procedimentos → novas formas de fazer, por conseguinte, novas formas de falar, escrever e agir).
Acrescemos às nossas reflexões, também amparadas em Davidov (1986), que os estudantes, pelas tarefas e a resolução dos desafios a elas associados, desenvolvem um modo geral para a resolução de tarefas específicas (a arbitrariedade). E isto implica que os estudantes desenvolvam a capacidade de refletir, analisar e planejar, mas com pensamento teórico (DAVIDOV, 1986). Reafirmamos que este desenvolvimento tem sua gênese na cultura, como produto da atividade. Segundo Davidov (1985, p. 22), “o desenvolvimento da atividade prática social [...] da pessoa se fundamenta no desenvolvimento histórico do pensamento”.
Ainda, sobre a atividade de estudo por nós analisada, adiantamos que é imperativo que os estudantes criem e mantenham o interesse pela ciência. Evidentemente é fundamental que tenham ao seu lado professores, do mesmo modo, motivados e interessados em ensinar. E isto sucede na medida em que os estudantes são acompanhados e desafiados a partir dos contextos culturais e históricos em que a ciência foi construída como uma complexa e importante expressão do estar e se transformar humanos. Deste modo, as atividades de estudo, em sala de aula, podem pautar-se na realização dos estudantes como indivíduos orientados para o pensamento autônomo e criador. A própria ciência, como atividade humana, é rica em exemplos admiráveis que podem, em sala de aula, se transformar em pontos de referência extremamente valiosos.
Com essa análise, interpretamos a atividade estudo em sua potência para aprendizagem e o desenvolvimento de neoformações pelos estudantes em aulas de Ciências e a importância de uma compreensão epistemológica, a partir da abordagem histórico-cultural, para professores (e pesquisadores da Educação/Ensino) planejarem e interpretarem percursos formativos nessa direção. Davidov (1985) nos apresenta uma recomendação que consideramos fundamental para os professores, no que diz respeito sobre como organizam suas atividades de ensino: as disciplinas escolares precisam incluir habilidades de estudo exigidas para a aprendizagem dos seus conhecimentos: isto é, pela atividade de estudo, os estudantes não internalizam apenas um campo semântico de significados específicos da área, internalizam, também, os seus procedimentos.
Nossas convicções se fundamentam no pressuposto de que o ensino de Ciências tem função ativa na educação dos adolescentes, uma vez que professores engajados podem inspirar expectativas para o desenvolvimento de uma compreensão não determinista sobre como construímos a nossa humanidade e nossos códigos e como a ciência é fundamental para esta compreensão. Percebemos, portanto, a urgência desse processo na formação dos estudantes de hoje, desprovidos e estreitados por cenários marcados pela violência, a intolerância, a alienação, que em nada contribuem para o que compreendemos por formação humana.
Study activities for learning and development of neoformations in science classes: an epistemological reflection based on historical-cultural theory
In this article we present the analysis of a study activity developed by a group of students and a professor of Natural Sciences, from a public municipal school in Blumenau/Santa Catarina. The description, analysis and interpretation of this activities and its effects for the learning and the development of neoformations by the students have been the object of this investigation. Based on that, we propose an epistemological reflection, with assumptions of the Historical-Cultural Theory, taking into account works by Belarusian Vygotsky and Davydov, to understand a study activity as a unit of analysis of human development and, thus, a contribution to the development of innovative experiences for science teaching, anchored in the understanding of learning processes.
KEYWORDS: Human formation. Neoformations. Learning. Development. Science teaching.
NOTAS
1 Isto aconteceu por intermédio da projeção de imagens e, também, pela apreciação de livros ilustrados sobre a história da arte. Foram mostradas e analisadas, num primeiro momento, obras de artistas conhecidos como Gaugin, Monet, Constable, Dufy, Klimt e Vincent van Gogh.
2 No município de Blumenau as escolas têm interessantes opções para visitações e estudos, permitindo o encontro dos estudantes com espaços naturais, “desemparedando” a escola. Esses contextos podem aqui ser conhecidos: http://www.turismoblumenau.com.br/o-que-fazer/parques-recantos-e-jardins/listar.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 09 set. 2019 Aprovado: 18 nov. 2019 DOI: 10.3895/actio.v5n1.10670 Como citar: SCHROEDER, E.; TOMIO, D. Atividades de estudo para aprendizagem e desenvolvimento de neoformações em aulas de Ciência: uma reflexão epistemológica a partir da teoria histórico-cultural. ACTIO, Curitiba, v. 5, n. 1, p. 1-19, jan./abr. 2020. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX Correspondência: Edson Schroeder Rua Heinrich Hosang, n.41 fundos, Victor Konder, Blumenau, Santa Catarina, Brasil. Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional. |
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
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ACTIO : docência em ciências [recurso eletrônico] / Universidade Tecnológica Federal
do Paraná, Programa de Pós-graduação em Formação Científica, Educacional
e Tecnológica. – v. 1, n. 1 (Set.-Dez. 2016-). – Curitiba, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, 2016-
v. : il.
Modo de acesso: World Wide Web
Quadrimestral
Texto em português, espanhol, inglês e francês
Título extraído da tela de título (visualizado em 23 jun. 2021)
ISSN: 2525-8923
1. Ciência – Periódicos. 2. Ciência – Estudo e ensino – Periódicos. 3. Biologia
– Estudo e ensino – Periódicos. 4. Física – Estudo e ensino – Periódicos. 5. Química
– Estudo e ensino – Periódicos. 6. Matemática – Estudo e ensino – Periódicos.
I. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação
em Formação Científica, Educacional e Tecnológica.
CDD: ed. 23 -- 505
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Bibliotecário: Adriano Lopes CRB-9/1429
ISSN: 2525-8923