Os usos da letra errante: democracia e escrita em Rancière e Derrida
Resumo
Em uma virulenta crítica a Derrida, Christian Thorne filia a acepção de escrita de Jacques Rancière ao projeto da desconstrução. O presente artigo parte desse texto para analisar o sentido da associação entre escrita e democracia nos dois referidos teóricos franceses. Para tanto, revejo alguns aspectos da conceituação de dois textos de Derrida, A farmácia de Platão, em que tal democracia da escrita é referida, e Assinatura acontecimento contexto, que desdobra a ideia de uma iterabilidade geral, a meu ver essencial para compreender o modo democrático de circulação da letra escrita. Em seguida, retorno à crítica de Thorne ao universalismo de Derrida – crítica esta que ecoa alguns comentários de Chartier sobre a generalidade dos conceitos da desconstrução e sua parca utilidade para a história do livro e da leitura –, para propor uma compreensão das intimidades e diferenças da acepção de escrita (e de sua associação a certa democracia da letra errante) nos dois filósofos franceses. Rancière, a meu ver, recupera a conceituação derrideana, mas lhe imprime um outro uso: no teórico mais jovem, a errância democrática da letra se liga ao advento histórico da revolução estética, isto é, a certo contexto moderno em arte e literatura. Este uso histórico permite à conceituação de Rancière contornar a generalidade e a pretensão de universalidade criticada em Derrida, por Thorne e Chartier. Mais do que isso, sua teoria se mostra passível de ser lida em consonância com a reflexão sobre a história do livro e da leitura no Ocidente, o que fica evidente pela frequência com que aqui a circulação aleatória da letra se encarna em figuras de “maus leitores”, como Dom Quixote e Ema Bovary. Trata-se de personagens ficcionais, é claro, mas que enformam à sua maneira certos eventos históricos como a anonimização do leitor e a quebra dos protocolos clássicos de legibilidade.
Palavras-chave
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PDFDOI: 10.3895/rl.v26n49.18836
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