Formação sociotécnica de cidadania e extensão universitária: avanços no campo analítico interdisciplinar dos estudos CTS
Resumo
As ações individuais e as posições dos cidadãos provocam mudanças políticas e sociais que refletem o contexto da sociedade globalizada e das formas com que informações e conhecimentos circulam e são socializados e apropriados. No campo educativo, os desafios são crescentes, sobretudo com a inteligência artificial e as tecnologias digitais enquanto meios para alcançar uma democratização de saberes e conhecimentos.
Durante, e após, a pandemia da COVID-19, o mundo viveu intensamente o isolamento social, associado ao uso das tecnologias digitais, impulsionando e intensificando a comunicação entre pessoas, instituições e o mercado. Todos os continentes puderam fazer trocas de iniciativas educacionais, em todos os níveis, desenvolver projetos interdisciplinares, e até projetos de extensão universitária. Na América Latina, os avanços foram significativos, com iniciativas acadêmicas relevantes, que permitiram o exercício da cidadania sociotécnica.
Os desafios que hoje passam a ocupar espaço no imaginário dos países do Norte Global como ameaças futuras a serem evitadas pela ação no presente são problemas que há muito tempo fazem parte da realidade do Sul Global: fome, doenças, miséria, desigualdade, fragilidade das instituições, acelerada degradação ambiental, precariedade de infraestruturas e serviços básicos, etc. Para além da conveniência de encontrar soluções fáceis, apoiadas na noção de que o avanço da tecnologia convencional vai salvar o mundo, é preciso conceber alternativas para a produção, difusão e apropriação de conhecimentos e tecnologias que se proponham a transformar efetivamente a realidades. Evitar o adiamento de ações urgentes é premente, descrendo em tecnologias convencionais como único meio para nos oferecer saídas, ou mesmo na atuação dos mercados em coordenar soluções para os problemas da Humanidade.
Os complexos desafios que temos a enfrentar exigem novas perspectivas, conceitos, abordagens e formas de ação. Evocam a necessidade de um olhar interdisciplinar e integrador para o tratamento de problemas. Convidam, no âmbito das universidades, à busca por novas alianças com atores frequentemente ignorados pelos espaços formais de produção de conhecimento, bem como à conexão efetiva entre aquilo que deveria ser indissociável: as dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão.
Nesta edição especial, apresentamos avanços nas discussões em torno destes temas abordados. O artigo intitulado Letramento digital e extensão universitária no campo Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) introduz o conceito de sociotecnologia, aplicado ao letramento digital, o qual nos ajuda a compreender a função das ferramentas digitais em atividades extensionistas. Elas podem ser auxiliares de processos de letramento, conscientização, interação e comprometimento de atividades acadêmicas junto às comunidades. Do mesmo modo, o artigo sobre a Formação permanente em Economia Solidária: O caminho da Rede Mandala para a formação de educadores populares acrescenta contribuições para o campo da educação e da tecnologia. Os aspectos da formação profissional e de geração de renda devem ser trabalhados e vivenciados na extensão universitária, um espaço coletivo consolidado de discussões e avanços no ensino formal e não formal, de troca de saberes, de produção de conhecimento e de construção da cidadania sociotécnica. No artigo que faz um apanhado de iniciativas de tecnologia social, nomeado: Iniciativas de tecnologias sociais da Fundação Banco do Brasil: Prêmio 20 anos, destacam-se as soluções de problemas de comunidades que podem resolvê-los com a aplicação de tecnologias que reúnem ideias solidárias e comunitárias. Foram destacados os projetos premiados pela Fundação Banco do Brasil, os quais encontraram soluções que podem ser replicadas em outras comunidades, tanto pela acessibilidade e custos, quanto pela organização, planejamento do trabalho e gerenciamento. A análise teve como base teórica as políticas públicas de garantia e promoção de direitos e deveres. As etnias indígenas possuem suas tecnologias sociais, as quais fazem parte da cultura e do cotidiano destes povos originários.
O artigo nomeado Percursos interpretativos de objetos da diversidade cultural indígena em museus trata das representações destes povos por meio dos acervos expositivos e reservas técnicas de museus e da visão de seus visitantes. Nos diálogos interculturais, proporcionados pelo Museu de Arte Indígena, entre os objetos e as falas de visitantes entremeiam-se ideias de cultura e cidadania, e de diversidade étnico-cultural. Com o título Hackathon Meninas Normalistas - inovação pedagógica em tecnologia e divulgação científica para os cursos de formação de professores, nível médio, destacam-se as relações entre atividades museais e as práticas de ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática. Atividades de gênero e ciência são realizadas em um espaço democrático e inovador, como o Museu Ciência e Vida (MCV), localizado no estado do Rio de Janeiro. Assim, docentes e discentes organizaram, juntamente com o MCV, uma maratona de aprendizagem que pôde ampliar a carga horária do ensino de ciências, a qual é menor se comparada a outros cursos de nível médio.
A edição encerra as reflexões sobre as alternativas políticas, científicas e tecnológicas que podem endossar a cidadania sociotécnica com o artigo nomeado: Percepción ambiental de la contaminación hídrica de comunidades de las barrancas: Chalchihuapan y Ahuatlán, Cuernavaca, Morelos; México. As tecnologias também podem colaborar para modificar a paisagem, permitindo que as pessoas alterem os ambientes naturais, como os ecossistemas. Ainda a humanidade percebe o mundo natural como espaço para viver, mas não para cuidar. Instituições públicas e comunidades precisam trabalhar comportamentos insustentáveis, que se voltam para a destruição e não para a preservação da biodiversidade, dos microclimas e de corpos d’água.
Em resumo, os textos apresentados apontam que iniciativas individuais e coletivas podem trazer resultados sociais. Todavia, precisamos exercitar nossa cidadania, participação e direitos. Mudanças de perspectivas refletem no clima social, em políticas inclusivas, em redução de privação em termos de expectativa de vida, de serviços de saúde e educação públicas, de renda e direitos, e democratização da ciência, tecnologia e sociedade. As universidades, grandes estruturas educativas, estão preparadas para trabalhar com as comunidades por meio de projetos de extensão interdisciplinares, promotores da educação e da participação crítica, e responsáveis pela solução de problemas e tomada de decisões.
Esperamos, com as discussões apresentadas no âmbito deste número da Revista Tecnologia & Sociedade, contribuir com o desenvolvimento do corpo de conhecimento a partir do qual se afirma, em uma perspectiva interdisciplinar, a necessidade de buscarmos outros olhares e práticas de ensino, pesquisa e extensão para a superação dos múltiplos desafios ao pleno desenvolvimento sustentável, inclusivo, justo e humano.
Palavras-chave
Texto completo:
PDFDOI: 10.3895/rts.v20n62.19815
Apontamentos
- Não há apontamentos.
Direitos autorais 2025 CC-BY

Esta obra está licenciada sob uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.