Formação sociotécnica de cidadania e extensão universitária: avanços no campo analítico interdisciplinar dos estudos CTS

Maclovia Corrêa da Silva, Maria Eugenia González Ávila, Silvania Sousa do Nascimento, Rafael de Brito Dias, Rafaela Mota Ardigó

Resumo


As ações individuais e as posições dos cidadãos provocam mudanças políticas e sociais que refletem o contexto da sociedade globalizada e das formas com que informações e conhecimentos circulam e são socializados e apropriados. No campo educativo, os desafios são crescentes, sobretudo com a inteligência artificial e as tecnologias digitais enquanto meios para alcançar uma democratização de saberes e conhecimentos.

Durante, e após, a pandemia da COVID-19, o mundo viveu intensamente o isolamento social, associado ao uso das tecnologias digitais, impulsionando e intensificando a comunicação entre pessoas, instituições e o mercado. Todos os continentes puderam fazer trocas de iniciativas educacionais, em todos os níveis, desenvolver projetos interdisciplinares, e até projetos de extensão universitária. Na América Latina, os avanços foram significativos, com iniciativas acadêmicas relevantes, que permitiram o exercício da cidadania sociotécnica.

Os desafios que hoje passam a ocupar espaço no imaginário dos países do Norte Global como ameaças futuras a serem evitadas pela ação no presente são problemas que há muito tempo fazem parte da realidade do Sul Global: fome, doenças, miséria, desigualdade, fragilidade das instituições, acelerada degradação ambiental, precariedade de infraestruturas e serviços básicos, etc. Para além da conveniência de encontrar soluções fáceis, apoiadas na noção de que o avanço da tecnologia convencional vai salvar o mundo, é preciso conceber alternativas para a produção, difusão e apropriação de conhecimentos e tecnologias que se proponham a transformar efetivamente a realidades. Evitar o adiamento de ações urgentes é premente, descrendo em tecnologias convencionais como único meio para nos oferecer saídas, ou mesmo na atuação dos mercados em coordenar soluções para os problemas da Humanidade.

Os complexos desafios que temos a enfrentar exigem novas perspectivas, conceitos, abordagens e formas de ação. Evocam a necessidade de um olhar interdisciplinar e integrador para o tratamento de problemas. Convidam, no âmbito das universidades, à busca por novas alianças com atores frequentemente ignorados pelos espaços formais de produção de conhecimento, bem como à conexão efetiva entre aquilo que deveria ser indissociável: as dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão.

Nesta edição especial, apresentamos avanços nas discussões em torno destes temas abordados. O artigo intitulado Letramento digital e extensão universitária no campo Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) introduz o conceito de sociotecnologia, aplicado ao letramento digital, o qual nos ajuda a compreender a função das ferramentas digitais em atividades extensionistas. Elas podem ser auxiliares de processos de letramento, conscientização, interação e comprometimento de atividades acadêmicas junto às comunidades. Do mesmo modo, o artigo sobre a Formação permanente em Economia Solidária: O caminho da Rede Mandala para a formação de educadores populares acrescenta contribuições para o campo da educação e da tecnologia. Os aspectos da formação profissional e de geração de renda devem ser trabalhados e vivenciados na extensão universitária, um espaço coletivo consolidado de discussões e avanços no ensino formal e não formal, de troca de saberes, de produção de conhecimento e de construção da cidadania sociotécnica. No artigo que faz um apanhado de iniciativas de tecnologia social, nomeado: Iniciativas de tecnologias sociais da Fundação Banco do Brasil: Prêmio 20 anos, destacam-se as soluções de problemas de comunidades que podem resolvê-los com a aplicação de tecnologias que reúnem ideias solidárias e comunitárias. Foram destacados os projetos premiados pela Fundação Banco do Brasil, os quais encontraram soluções que podem ser replicadas em outras comunidades, tanto pela acessibilidade e custos, quanto pela organização, planejamento do trabalho e gerenciamento. A análise teve como base teórica as políticas públicas de garantia e promoção de direitos e deveres. As etnias indígenas possuem suas tecnologias sociais, as quais fazem parte da cultura e do cotidiano destes povos originários.

O artigo nomeado Percursos interpretativos de objetos da diversidade cultural indígena em museus trata das representações destes povos por meio dos acervos expositivos e reservas técnicas de museus e da visão de seus visitantes. Nos diálogos interculturais, proporcionados pelo Museu de Arte Indígena, entre os objetos e as falas de visitantes entremeiam-se ideias de cultura e cidadania, e de diversidade étnico-cultural. Com o título Hackathon Meninas Normalistas - inovação pedagógica em tecnologia e divulgação científica para os cursos de formação de professores, nível médio, destacam-se as relações entre atividades museais e as práticas de ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática. Atividades de gênero e ciência são realizadas em um espaço democrático e inovador, como o Museu Ciência e Vida (MCV), localizado no estado do Rio de Janeiro. Assim, docentes e discentes organizaram, juntamente com o MCV, uma maratona de aprendizagem que pôde ampliar a carga horária do ensino de ciências, a qual é menor se comparada a outros cursos de nível médio.

A edição encerra as reflexões sobre as alternativas políticas, científicas e tecnológicas que podem endossar a cidadania sociotécnica com o artigo nomeado: Percepción ambiental de la contaminación hídrica de comunidades de las barrancas: Chalchihuapan y Ahuatlán, Cuernavaca, Morelos; México. As tecnologias também podem colaborar para modificar a paisagem, permitindo que as pessoas alterem os ambientes naturais, como os ecossistemas. Ainda a humanidade percebe o mundo natural como espaço para viver, mas não para cuidar. Instituições públicas e comunidades precisam trabalhar comportamentos insustentáveis, que se voltam para a destruição e não para a preservação da biodiversidade, dos microclimas e de corpos d’água.

Em resumo, os textos apresentados apontam que iniciativas individuais e coletivas podem trazer resultados sociais. Todavia, precisamos exercitar nossa cidadania, participação e direitos. Mudanças de perspectivas refletem no clima social, em políticas inclusivas, em redução de privação em termos de expectativa de vida, de serviços de saúde e educação públicas, de renda e direitos, e democratização da ciência, tecnologia e sociedade. As universidades, grandes estruturas educativas, estão preparadas para trabalhar com as comunidades por meio de projetos de extensão interdisciplinares, promotores da educação e da participação crítica, e responsáveis pela solução de problemas e tomada de decisões.

Esperamos, com as discussões apresentadas no âmbito deste número da Revista Tecnologia & Sociedade, contribuir com o desenvolvimento do corpo de conhecimento a partir do qual se afirma, em uma perspectiva interdisciplinar, a necessidade de buscarmos outros olhares e práticas de ensino, pesquisa e extensão para a superação dos múltiplos desafios ao pleno desenvolvimento sustentável, inclusivo, justo e humano.


Palavras-chave


tecnologia social; cidadania sociotécnica; extensão universitária.

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DOI: 10.3895/rts.v20n62.19815

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