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http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Caracterização da prática como
componente curricular em cursos de
biologia
RESUMO
Jaiane de Moraes Boton
jaiambbio@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-0398-4151
Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
Luiz Caldeira Brant de Tolentino-
Neto
lcaldeira@smail.ufsm.br
Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
O professor é visto como mobilizador de saberes que constrói e reconstrói seus
conhecimentos conforme sua necessidade. No entanto, pesquisas apontam que muitos
professores manifestam uma tendência a desvalorizar sua formação profissional.
Considerando a importância da Prática como Componente Curricular (PCC) na formação de
professores e as peculiaridades dos cursos de licenciatura em Biologia, temos como objetivo
investigar e discutir como estão distribuídas as disciplinas relacionadas à PCC em cursos de
Ciências Biológicas. Para tanto, analisamos Projetos Pedagógicos de Cursos de Ciências
Biológicas com foco nos seguintes aspectos: como é desenvolvida a Prática como
Componente Curricular e em quais semestres ela ocorre. Por meio da análise documental
(Lüdke e André, 2018), percebemos que a maioria dos cursos está em conformidade com as
legislações que regulamentam a duração e a carga horária obrigatória aos cursos de
Formação de Professores da Educação Básica, mas deverão adequar-se à Resolução 2/2015,
que entrará em vigor a partir de julho de 2019. Vimos também que a PCC muitas vezes é
compreendida de maneira distorcida, sendo confundida com a aplicação dos
conhecimentos específicos em sala de aula, ou seja, com Estágio Curricular Supervisionado
ou com técnicas de práticas em laboratório. No entanto, a PCC deve ser realizada de
diferentes formas, sem necessariamente envolver atividades em laboratório ou campo.
Neste sentido, os Estágios Curriculares Supervisionados são os espaços mais oportunos para
exercitar os conhecimentos e habilidades desenvolvidos com a PCC. Nesse sentido,
consideramos a PCC como momento de conexão do curso, voltada ao encadeamento das
disciplinas da área específica com as da área pedagógica e sua possível aplicação em sala de
aula.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores. Prática como Componente Curricular. Cursos
de Ciências Biológicas.
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INTRODUÇÃO
O professor é visto como mobilizador de saberes que constrói e reconstrói
seus conhecimentos conforme suas necessidades, suas experiências, seus
percursos formativos e profissionais (NUNES, 2001). Ou seja, é visto “como um
profissional que adquire e desenvolve conhecimentos a partir da prática e no
confronto com as condições da profissão” (NUNES, 2001, p.32).
Portanto, ser professor é “exercer uma atividade profissional que, como todas
as outras, tem seus ‘segredos de ofício’, os seus requisitos e procedimentos
próprios” exigindo, assim, uma devida formação profissional (POMBO, 2011, p.14).
O magistério como profissão, ou seja, como aplicação de conhecimentos
específicos, demanda longa preparação dos docentes (MALUCELLI, 2001).
Pesquisas apontam que muitos professores manifestam uma tendência a
desvalorizar sua formação profissional, pois
Além de não controlarem nem a definição nem a seleção dos saberes
curriculares e disciplinares, os professores não controlam nem a definição
nem a seleção dos saberes pedagógicos transmitidos pelas instituições de
formação (universidades e escolas normais). (TARDIF, 2014, p.41).
Os professores manifestam uma relação de exterioridade com os saberes da
profissão, pois as universidades e seus formadores adotam as tarefas de produção
e legitimação dos saberes científicos e pedagógicos, enquanto que aos professores
resta a apropriação desses saberes no decorrer de sua formação, como normas e
elementos de sua competência profissional, competência essa sancionada pelas
universidades e pelo Estado.
A formação do professor pode ser descrita em três grandes campos de
conhecimentos: o conteúdo específico a ser ensinado; o conteúdo pedagógico, que
lhe dará a visão de educador; e o conteúdo integrado na área interdisciplinar, que
tem por objetivo tratar do ensino do conteúdo, que é chamado, na legislação, de
Prática Como Componente Curricular (PCC) (MALUCELLI, 2001).
A PCC é de suma importância visto que propicia o elo entre as disciplinas de
conteúdo específico e aquelas de conteúdo pedagógico, de forma a oportunizar o
desenvolvimento de competências e habilidades necessárias à atividade docente.
Contudo, sua inserção curricular, objetivos, conteúdos e formatos ainda são
assuntos controversos em muitos cursos (PEREIRA; MOHR, 2013).
Conforme exposto por Terrazzan, Dutra, Winch e Silva (2008)
as atividades relativas à PCC deverão se constituir em momentos de formação
privilegiados para articular o conhecimento conceitual da “matéria de ensino”
com os conteúdos a serem ensinados na Educação Básica, considerando
condicionantes, particularidades e objetivos de cada unidade escolar.
(TERRAZZAN; DUTRA; WINCH; SILVA, 2008, p.75)
Muitas vezes o dia-a-dia das Licenciaturas (exceto a Pedagogia) - em especial
as de Biologia aqui tratadas - revela uma desarticulação entre os responsáveis pela
formação do licenciado, expondo a dicotomia entre a ciência, que se estuda nas
disciplinas básicas, e um ensino desligado da ciência, tratado nas disciplinas de
cunho pedagógico (MALUCELLI, 2001).
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Por consequência, tal como apresentado pelo Parecer CNE/CP 9/2001, a
formação do profissional específico, como físico, químico ou biólogo, ganha maior
importância. E a formação desses profissionais como “licenciados” torna-se
complementar e residual. Além disso, dentro do âmbito universitário a licenciatura
é vista como inferior, em meio à complexidade dos conteúdos conceituais da área
disciplinar básica, passando a ser considerada muito mais como atividade
vocacional, quase uma missão, equivalente a um sacerdócio. (BRASIL, 2001a, p.16)
Considerando a importância da PCC na formação de professores e as
peculiaridades dos cursos de licenciatura em Biologia temos como objetivo neste
trabalho investigar e discutir como estão distribuídas as disciplinas relacionadas à
Prática como Componente Curricular em Cursos de Ciências.
REFERENCIAL TEÓRICO
O termo Prática como Componente Curricular (PCC) foi utilizado pela primeira
vez no Parecer CNE/CP 28/2001 (BRASIL, 2001c) que deu origem à Resolução
CNE/CP 2/2002 (BRASIL, 2002b), a qual define a carga horária para os cursos de
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de
licenciatura plena. Os termos utilizados no Pareceres CNE/CP 9/2001 (BRASIL,
2001a) e na Resolução CNE/CP 1/2002 (BRASIL, 2002a) era somente prática, tal
como podemos ver na definição presente no parecer
Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la
como uma dimensão do conhecimento que tanto está presente nos cursos de
formação, nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade
profissional, como durante o estágio, nos momentos em que se exercita a
atividade profissional. (BRASIL, 2001a, p.23)
Já no Parecer CNE/CP 21/2001 (BRASIL, 2001b) o termo utilizado é Prática de
Ensino. Posteriormente esse termo foi modificado pelo Parecer CNE/CP 28/2001
(BRASIL, 2001c) que deu nova redação ao parecer anterior que o define da seguinte
maneira.
A prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo
no âmbito do ensino. Sendo a prática um trabalho consciente cujas diretrizes
se nutrem do Parecer 9/2001 ela terá que ser uma atividade tão flexível
quanto outros pontos de apoio do processo formativo, a fim de dar conta dos
múltiplos modos de ser da atividade acadêmico-científica. Assim, ela deve ser
planejada quando da elaboração do projeto pedagógico e seu acontecer deve
se dar desde o início da duração do processo formativo e se estender ao longo
de todo o seu processo. Em articulação intrínseca com o estágio
supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico, ela concorre
conjuntamente para a formação da identidade do professor como educador
(BRASIL, 2001c, p.09).
O Parecer 2/2015 (BRASIL, 2015a), considerado na Resolução CNE/CP 2/2015
(BEASIL, 2015b), utiliza como caracterização da prática como componente
curricular tal como delineado no Parecer CNE/CP 9 e 28/2001 (BRASIL, 2001a,
2001c) e reforçado no Parecer CNE/CES 15/2005 (BRASIL, 2005). Esse transcreve
alguns trechos dos Pareceres CNE/CP 9 e 28/2001, que fundamentam as
Resoluções CNE/CP 1 e 2/2002.
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Uma concepção de prática mais como componente curricular implica -la
como uma dimensão do conhecimento que tanto está presente nos cursos de
formação, nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade
profissional, como durante o estágio, nos momentos em que se exercita a
atividade profissional. (BRASIL, 2001a, p.23)
Ao tratar do eixo articulador das dimensões teóricas e práticas, o Parecer
CNE/CP 9/2001 afirma
Assim, a prática na matriz curricular dos cursos de formação não pode ficar
reduzida a um espaço isolado, que a reduza ao estágio como algo fechado em
si mesmo e desarticulado do restante do curso. (...) Nessa perspectiva, o
planejamento dos cursos de formação deve prever situações didáticas em
que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que
aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobilizar outros, de
diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências, em diferentes
tempos e espaços curriculares. (BRASIL, 2001a, p.57)
Já o Parecer CNE/CP 28/2001, ao justificar a carga horária dedicada à prática,
enuncia
Assim, que se distinguir, de um lado, a prática como componente curricular
e, de outro, a prática de ensino e o estágio obrigatório definidos em lei. A
primeira é mais abrangente: contempla os dispositivos legais e vai além deles.
A prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo
no âmbito do ensino (...) É fundamental que haja tempo e espaço para a
prática, como componente curricular, desde o início do curso (...) (BRASIL,
2001c, p.09)
O Parecer CNE/CES 15/2005 esclarece que
a prática como componente curricular é o conjunto de atividades formativas
que proporcionam experiências de aplicação de conhecimentos ou de
desenvolvimento de procedimentos próprios ao exercício da docência. Por
meio destas atividades, são colocados em uso, no âmbito do ensino, os
conhecimentos, as competências e as habilidades adquiridos nas diversas
atividades formativas que compõem o currículo do curso. As atividades
caracterizadas como prática como componente curricular podem ser
desenvolvidas como núcleo ou como parte de disciplinas ou de outras
atividades formativas. Isto inclui as disciplinas de caráter prático relacionadas
à formação pedagógica, mas não aquelas relacionadas aos fundamentos
técnico-científicos correspondentes a uma determinada área do
conhecimento (BRASIL, 2015, p. 3).
Tomamos como referência para tratar sobre a prática como componente
curricular o livro Prática como componente curricular: que novidade é essa 15 anos
depois? organizado por Adriana Mohr e Hamilton de Godoy Wielewicki. Tal livro
apresenta uma diversidade de enfoques e de situações referentes à PCC pela
perspectiva de diferentes autores (MOHR; WIELEWICKI, 2017)
Segundo Mohr e Cassiani (2017), estudos mostram que a documentação
disponível sobre o processo de criação, proposta e execução da prática como
componente curricular é insuficiente para colocá-la em ação. Pois, além de haver
um desconhecimento dos objetivos e formatos possíveis da PCC, que passa a ser
um entrave para o seu desenvolvimento. uma grande confusão sobre o sentido
da palavra prática principalmente em cursos em que inúmeras práticas em
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laboratório, deixando, assim, de lado seus aspectos ligados à educação e formação
de professores.
De acordo com Silverio (2017) a PCC deve ser considerada
como espaço potencial para construção de reflexões pedagógicas que
abordem aspectos da profissionalidade docente, expandindo a preparação
ligada à transposição didática para outras dimensões que associem a
comunidade escolar, os órgãos que regulam os sistemas de ensino, os
sindicatos de categoria, etc. (SILVERIO, 2017, p. 163)
Da mesma forma Oliveira e Brito (2017) afirma que a PCC é vista "como espaço
de ampliação e de fortalecimento das dimensões relativas à docência na formação
inicial criando espaços e oportunidades envolvidos com a formação da identidade
docente”.
Além disso, a PCC se justifica por aproximar o licenciando ao mundo da
educação, auxiliando, inclusive, na transposição de um componente para
uma análise ou reflexão na situação de ensino e aprendizagem. Mas, para
tanto, é necessário haver compreensão e experiência dos docentes
formadores nas diversas áreas acerca desse processo (SILVERIO, 2017, p. 162)
Conforme, Mohr e Cassini (2017) em suas análises das legislações nota-se que
é estabelecida que a formação de professores deve ocorrer com uma sólida
formação nos conteúdos disciplinares da matéria de ensino e uma sólida formação
pedagógica.
As autoras ainda chamam a atenção que no caso específico da biologia uma
necessidade em relacionar o conteúdo biológico a aspectos educacionais e
didáticos não se restringindo apenas à prática como componente curricular. Nesse
curso a PCC
pode ser definida como atividade didático-pedagógica de abordar, ensinar,
aprender e refletir sobre o conteúdo biológico de cada disciplina específica a
partir da perspectiva do ensino-aprendizagem desse conteúdo