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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
As tecnologias de informação e
comunicação no ensino de ciências:
entrevista com o professor Marcelo Brito
Carneiro Leão
The Information and Communication
Technologies in Science Teaching: an
interview with Professor Marcelo Brito
Carneiro Leão
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
Matheus Lincoln Borges dos
Santos
borgesm3@tcnj.edu
https://orcid.org/0000-0003-3371-8994
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
Alessandra Maria Cavichia
Atanazio
alecavichia@gmail.com
orcid.org/0000-0003-1802-058X
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
Halina dos Santos França
halina.s.f@gmail.com
orcid.org/0000-0001-6168-1426
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
Marcelo Paranhos
paranhos.marcelo2016@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8327-9147
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
Marcelo Brito Carneiro Leão
marcelo.leao@ufrpe.br
Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE), Recife,
Pernambuco, Brasil
Alvaro Emilio Leite
alvaroemilioleite@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8817-6630
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
Marcelo Brito Carneiro Leão - Vice-reitor da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE).
Fonte: autoria desconhecida [domínio público]. Disponível em:
http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2016/05/17/federais-de-pernambuco-ja-cobram-
mensalidades-mas-tem-duvidas-sobre-projeto-do-mec/. Acesso em: 11 jul. 2018.
PALAVRAS-CHAVE: TIC. Prática docente. Estratégia didática.
KEYWORDS: ICT. Teaching practice. Didactic strategy.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
APRESENTAÇÃO
O professor Marcelo Leão é o atual vice-reitor da Universidade Federal Rural
de Pernambuco (UFRPE), onde também é professor titular do curso de licenciatura
em Química e especialista na utilização de novas tecnologias no ensino de Ciências.
Sua atuação como professor iniciou ainda na década de 90, oportunidade em
que ministrou aulas na educação básica e no ensino superior. Ingressou como
professor do departamento de Química da UFRPE em 1994, onde consolidou sua
carreira e permanece até hoje.
A partir de 2005, passou a desenvolver pesquisas relacionadas ao uso de
tecnologias de informação e comunicação no ensino de Ciências, como elaboração
e avaliação de hipermídias educacionais de ciências, elaboração e avaliação de
recursos didáticos para aprendizagem móvel no ensino de Ciências, entre outras.
Ao assumir a vice-reitoria da UFRPE em 2016, restringiu suas orientações somente
aos alunos de mestrado e doutorado, trabalhando em projetos relacionados ao
ensino de Ciências. Atualmente também é coordenador do Núcleo SEMENTE
(Sistemas para a Elaboração de Materiais Educacionais com uso de Novas
Tecnologias) da UFRPE.
Este artigo tem como objetivo estimular a reflexão sobre a inserção das
tecnologias de informação e comunicação (TIC) no Ensino de Ciências a partir da
fala de um importante pesquisador dessa área: o professor Marcelo Brito Carneiro
Leão, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
A entrevista foi concedida durante o evento “Jornadas de Educação em
Ciências e Matemática”, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em
Formação Científica, Educacional e Tecnológica (PPGFCET) no campus de Curitiba
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em novembro de 2017.
Na ocasião, o professor Marcelo falou sobre sua trajetória profissional, o
panorama da utilização das tecnologias de comunicação e informação no contexto
pedagógico, o papel do professor nesse processo e algumas estratégias e
metodologias de ensino aliadas à tecnologia.
O professor destacou que a inserção das TIC em sala de aula não significa a
melhoria do processo ensino-aprendizagem, tampouco a modernização da
educação. Independente do recurso a ser utilizado na prática docente, é
necessário que se compreenda que a escolha da estratégia didática é o mais
importante. Para o uso efetivo de novas tecnologias no ensino de Ciências é
necessária a reformulação dos cursos de formação de professores, que precisam
preparar os docentes para a mediação do processo de ensino-aprendizagem com
o uso das TIC.
REFERÊNCIAS
CGI.br. Educação e tecnologias no Brasil [livro eletrônico]: um estudo de caso
longitudinal sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação em 12
escolas públicas / Núcleo de Informação e coordenação do Ponto BR. -- 1. ed. --
São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2016.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
ENTREVISTA
Em 2017, o Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional
e Tecnológica (FCET) realizou o evento Jornadas de Educação em Ciências e
Matemática”, no campus de Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR). Aproveitando a oportunidade de ter a presença de vários
especialistas em temáticas relacionadas ao ensino de Ciências, o FCET,
representado por seus discentes e docentes, realizou entrevistas com alguns deles.
Dentre eles, estava o professor Marcelo Brito Carneiro Leão, que concedeu uma
entrevista de aproximadamente 40 minutos aos autores deste artigo.
Durante o evento o Professor Marcelo Brito Carneiro Leão falou sobre a sua
trajetória profissional, o panorama da utilização das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) em sala de aula, o papel do professor na atualidade e também
sobre a utilização de estratégias e metodologias de ensino aliadas à tecnologia
para que se obtenha uma melhor utilização destes recursos no processo de ensino-
aprendizagem.
1. A trajetória acadêmica e profissional do Professor Marcelo Brito Carneiro
Leão
O professor Marcelo Leão iniciou sua trajetória no ensino superior cursando
Engenharia Química. Porém, ainda no primeiro ano como universitário, migrou
para o curso de Licenciatura em Química, pois já sentia certo apreço pela carreira
de professor. Durante o curso de licenciatura (1984-1988), teve pouco contato
com as disciplinas pedagógicas, visto que na época a distribuição de disciplinas ao
longo do curso se dava pelo modelo “3 + 1”
1
. Após concluir as disciplinas
específicas de Química teve um rápido contato com as disciplinas da área
pedagógica. Apesar de ter cursado licenciatura, conta o professor Marcelo, seus
estudos posteriores foram na área da Química Aplicada (mestrado e doutorado
com o estudo de carcinogênese), tendo retornado à área de educação somente
em seu pós-doutorado. Este foi realizado na Universidade de Barcelona, entre
2005 e 2006 e teve como tema as novas tecnologias no ensino.
Entrevistadores(as): Ao analisar a sua trajetória acadêmica, constatamos que
o senhor iniciou a graduação no curso de Engenharia Química e, em seguida,
migrou para a área de Ensino de Ciências. Poderia comentar um pouco sobre como
ocorreu essa migração e como foi a experiência?
Professor Marcelo: Quando eu fiz vestibular em 1984, ingressei na Federal de
Pernambuco (UFPE), no curso de Engenharia Química. Entretanto, o que eu queria
era ser professor de Química. no ano seguinte, em 1985, eu ingressei na Rural
(UFRPE) como licenciado e fiz o curso de licenciatura em Química. Após me formar,
em 1988, passei dois anos trabalhando em uma empresa assessorando o pessoal
de vendas de equipamentos para laboratório. Eu fazia o treinamento das pessoas.
Nessa época eu queria fazer o mestrado, precisava de uma bolsa, estava recém-
casado. A Federal Rural era um local muito bom, que tinha um programa de pós-
graduação conceito 6 vinculado ao departamento de Química Fundamental. Tinha
várias áreas na pós-graduação (mestrado), mas não tinha a área de ensino (dando
a entender que essa era a área que queria seguir). Porém, tinha a área de Química
Computacional, que era uma área na qual eu já trabalhava. Fui para lá e assim que
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eu acabei o mestrado, passei no doutorado. Nessa mesma época ingressei na
UFRPE como professor. na Rural, eu entrei no grupo de ensino de Química.
Terminei o doutorado e precisava encontrar meu caminho: queria ser professor!
Eu participava de um grupo de ensino de Química e trabalhava com tecnologia,
com programação, com desenvolvimento de plataforma para cálculos de
propriedades físicas ou químicas. Foi então que pensei: eu vou juntar isso! E fui
fazer o pós-doutorado em Barcelona, na área do uso das tecnologias de
informação e comunicação no ensino de Ciências. Em 2000 o grupo ao qual eu
estava vinculado tomou a frente do programa de graduação no ensino de Ciências,
oportunidade em que passei a fazer parte do corpo permanente, na área de
recursos didáticos. Havia as áreas de formação de professores, recursos didáticos
e conceitos. Eu optei por integrar a área de recursos didáticos. Então, para poder
orientar alunos e contribuir com a formação deles, eu tinha que agregar todas as
minhas formações em algo. Foi então que eu passei o ano de 2005 para 2006 em
Barcelona, exatamente para fazer o pós-doutorado na área de TIC. Na verdade, foi
inicialmente a motivação de querer trabalhar como docente, com formação de
professores e muitas coincidências e conspirações universais, como ingressar no
grupo de ensino de Química, que me fizeram migrar para a área de Ensino de
Ciências.
2. As Tecnologias de informação e comunicação na educação: o panorama do
Brasil
No âmbito de sua atuação na área das tecnologias de informação e
comunicação no ensino de Ciências, o Prof. Marcelo conheceu não só o panorama
brasileiro de inserção das TIC, como também o europeu, quando esteve realizando
seu estágio de pós-doutoramento na Espanha, e o dos Estados Unidos por meio de
suas pesquisas. Entender o processo de inserção das tecnologias na educação
brasileira nos leva a uma melhor compreensão de nossa situação atual e dos
caminhos que devemos seguir.
Entrevistadores(as): Como o senhor avalia a inserção das TIC na formação
inicial dos professores no Brasil? E como o senhor avalia a inserção das TIC na
formação continuada de professores? Considera que houve avanços nesses
processos de formação?
Professor Marcelo: Infelizmente no Brasil, semelhante aos EUA, este processo
de inserção das TIC foi capitaneado inicialmente pelos Centros de Computação
(Centros e Departamentos das Universidades na área de Ciência da Computação)
Acredito que para uma boa inserção, quem deve comandar este processo são os
Institutos de Educação (conforme aconteceu na Europa), deixando sempre claro
que o mais importante são as estratégias didáticas utilizadas no processo ensino-
aprendizagem e não meramente a inserção dos aparatos tecnológicos.
Entrevistadores(as): Baseado na experiência que o professor teve durante o
pós-doutorado na Europa, quais as principais diferenças entre a aplicação das TIC
na educação na Europa e aqui no Brasil? Poderia falar um pouco mais sobre as
diferenças entre o processo observado aqui no Brasil, que o senhor afirmou se
assemelhar aos Estados Unidos, e o que ocorreu na Europa?
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Professor Marcelo: Antigamente, no Brasil, todos os eventos voltados para
discussões sobre as tecnologias utilizadas na educação chamavam-se “Tecnologia
Educacional”. Isso pode parecer irrelevante, mas trazia implicitamente a ideia de
que havia tecnologias exclusivamente educacionais. sabemos que nenhuma
tecnologia é educacional, mas sim o uso dela é que pode ser educacional.
Atualmente, a maioria dos eventos são de tecnologias na educação. Isso sem falar
que as pessoas falam de tecnologia, mas na verdade querem se referir às TIC,
que tecnologia também é papel, caneta, ou seja, tudo é tecnologia. Essa concepção
existia porque os primeiros congressos de tecnologia educacional que
aconteceram no Brasil eram, na verdade, simpósios do Congresso Brasileiro de
Computação. A origem das pesquisas e discussões sobre o uso das tecnologias na
educação (ou educacional como eram chamadas) era capitaneada pelos centros
de informática, assim como ocorreu nos Estados Unidos. Por outro lado, na Europa
e principalmente na Espanha, que é a realidade que eu conheço melhor, essa
discussão nasce do desafio de incorporar a tecnologia na educação dentro dos
centros de estudos de educação e de formação de professores. E lá, o interessante
é que a inserção das TIC é feita muito próxima dos centros de comunicação e
educação, a chamada Educomunicação, ou seja, desde o início eles pensaram no
uso das TIC a partir da perspectiva dos professores da área de educação e
comunicação. Então, ao meu ver, na Espanha foi priorizada a questão estratégica
do uso educacional das TIC. para nós aqui no Brasil, o foco estava na
apresentação de uma plataforma bonita, um software sofisticado, apresentado
pela visão dos profissionais de computação, que para eles, é preciso elaborar
uma boa programação para ter os melhores efeitos. Eles não estavam
preocupados se isso de fato iria contribuir com a transmissão do conhecimento.
Essa é a diferença. Com o passar do tempo e a globalização, essas duas visões se
misturam. Então hoje é possível observar boas experiências também aqui no
Brasil. Eu acho que tem locais onde se avançou muito e temos coisas interessantes.
As pessoas estão trabalhando mais na questão da estratégia adequada em sala de
aula, mas em relação a outros países, ainda estamos na parte de baixo da tabela.
Entrevistadores(as): No panorama brasileiro atual temos muita promessa de
mudança na educação básica. Temos agora uma Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), a promessa de um novo ensino médio e também falamos em
reestruturação das licenciaturas. Como é que o senhor avalia esse panorama?
Professor Marcelo: Eu vejo com preocupação essa questão de no ensino
médio você permitir desde cedo que os alunos escolham uma área para se
especializar. Eu sou totalmente contra. Eu acho que principalmente na idade em
que os alunos estão no ensino médio, eles precisam ser muito mais generalistas,
aprender conceitos mais amplos, de ética. Depois na universidade, dentro do curso
que escolheu, ele vai se especializar. A base curricular avançou um pouco, as
instituições contribuíram, mas o MEC retrocedeu na última versão em várias áreas,
ao não considerar as discussões realizadas pelos especialistas de cada área. Eu vejo
um cenário preocupante e pessoalmente sou totalmente contra esse modelo de
ensino médio novo. Acho sim que a gente precisa ser mais generalista no ensino
médio, a gente tem que rever muitos conteúdos de Ciências que são ensinados no
ensino médio: números quânticos, aquelas coisas todas. Isso não precisa ser visto
no ensino médio. No ensino médio tem que ser estudadas coisas mais básicas,
coisas mais gerais, do cotidiano.
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Entrevistadores(as): Os conteúdos precisam ser mais atrativos para o aluno,
é isso?
Professor Marcelo: Precisam fazer sentido! Eu me lembro que quando minha
filha (que agora terminou a faculdade em Ciência Política), estava no primeiro
ano do ensino médio, ela chegou com o livro de Química e disse: “painho, para que
a gente estuda isso?”. De fato, como estava visto ali, a minha resposta foi: “desse
jeito aqui não serve para nada”, não faz sentido. Então ela tem ojeriza à Química.
Ela não percebia que no que ela veste e no que ela come tem Química, tem Física,
tem Biologia. Então esse é um problema que precisamos resolver. E a solução não
é compartimentalizando o ensino médio, como é essa proposta da Base Nacional
Curricular Comum. Eu vejo essa proposta com muita preocupação.
3. O professor, as TIC e a sala de aula
As TIC podem causar uma verdadeira revolução na educação. Porém, elas
também podem ser somente um novo instrumento para reproduzir o que vemos
de mais antigo no contexto educacional. Nesse sentido, ouvimos o professor
Marcelo sobre sua visão a respeito das TIC na educação básica, na formação e no
trabalho do professor, bem como na organização da escola como um todo.
Entrevistadores(as): É comum observarmos casos em que as TIC são usadas
apenas para dar um “vernizde modernidade às aulas, que continuam pautadas
na transmissão de conhecimentos pelo professor. Em sua opinião, o que é preciso
para que as tecnologias possam contribuir significativamente para a
transformação do processo de ensino-aprendizagem?
Professor Marcelo: É preciso tratar a incorporação das TIC nas aulas dentro
de um contexto de adição aos outros recursos e não simplesmente substituir
velhos recursos por novos. É preciso capacitar os professores para a adequada
utilização das tecnologias, sempre tendo em mente a realidade onde eles atuam
e, fundamentalmente, lembrando sempre que mais importante do que qualquer
recurso é a estratégia didática utilizada.
Entrevistadores(as): Nós também concordados que sem uma estratégia
adequada as TIC não contribuirão para o processo ensino-aprendizagem. É preciso
ter sempre um aporte teórico, uma estratégia didática para sustentar o seu uso,
para não corrermos o risco de usar algo novo com estratégias antigas. Então, de
acordo com sua experiência, poderia elencar que estratégias são promissoras para
o uso das TIC nos ambientes escolares?
Professor Marcelo: reforçando que eu acredito de fato, que mais
importante do que qualquer recurso, independente de qual seja, é a estratégia
didática que o professor elabora. É claro que as TIC, por serem recursos com
bastante potencialidade, nos permitem pensar em estratégias bastante
interessantes. A primeira que eu cito, que na verdade é uma estratégia que pode
até ser usada sem as TIC, é a do professor inverter a lógica. Falarei mais sobre isso
na palestra de hoje (se referindo à palestra realizada no evento). Em nossa vida,
quando nos defrontamos com um problema, tentamos construir conhecimento
para resolvê-lo e, muitas vezes, encontramos uma solução. A nossa escola, via de
regra, é o contrário: ela apresenta uma solução, um conceito, uma definição, e
depois tenta aplicar. Na perspectiva do que eu acredito, para que possamos
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construir um conhecimento complexo, flexível, adaptável a novas situações, é
importante que a gente encontre problemas para que a partir deles se discuta as
formas de resolvê-los. E aí as TIC podem ser bem empregadas. Por exemplo, hoje,
onde que se encontram situações reais, problemas, informações? Na internet.
Então, é uma riqueza incorporar, por exemplo, a internet como uma possibilidade
de identificar e estabelecer situações problemas, situações reais, e a partir dessas
situações, construir conhecimento. É isso que a gente tem feito em nossas
pesquisas quando investigamos a estratégia do PBL
2
e a teoria da Flexibilidade
Cognitiva. Entendemos que não é somente encontrar um problema e tentar
resolvê-lo. A Teoria da Flexibilidade Cognitiva parte da premissa que você deve
encontrar um problema, mas não um, diversos, o maior número possível, que
tratem da mesma temática. Assim, o indivíduo ao navegar, ao caminhar por esses
diversos problemas, pela construção do conhecimento que envolve esses vários
problemas e suas resoluções, enfim, quando se defrontar na vida real com um
problema que é um pouco diferente, estará preparado para fazer a adaptação do
conhecimento que ele construiu. Isso porque o conhecimento que ele construiu é
flexível. Normalmente, o que acontece na maioria das escolas é que os professores
moldam um único problema para ser resolvido pelo aluno e quando ele se defronta
com um problema ligeiramente diferente em seu cotidiano (seja de qual for a
área), ele se sente inseguro: “opa, não me ensinaram desse jeito. E o que eu
faço?”. O aluno não consegue fazer a adaptação do conhecimento. Nesse sentido,
as TIC fornecem várias possibilidades de se ter muitos casos, muitos problemas
para serem resolvidos e que podem ajudar nessa estratégia. Enfim, a estratégia é
o mais importante.
Entrevistadores(as): O professor acha que essas estratégias para o uso das TIC
já estão fazendo parte da formação de professores?
Professor Marcelo: Não. Para não ser radical, as estratégias para uso das TIC
pouco fazem parte da formação dos professores, muito pouco. Para exemplificar,
eu tenho uma metáfora que eu gosto e que diz o seguinte: as TIC são como se fosse
uma roda pequena que gira muito rápido. É observarmos os nossos celulares
que a cada um ano, seis meses, surgem modelos novos. A roda da educação é uma
roda maior e que gira em um processo mais lento. Então, o que se observa hoje é
que muitas pessoas trabalhando com a formação de professores que são de
uma geração anterior a essa massividade do uso das TIC. Dessa forma, é difícil
essas pessoas se apropriarem e conseguirem construir nos cursos de formação
uma questão mais forte do uso das TIC na formação dos professores. Em linhas
gerais eu acho que exploramos muito pouco o uso das TIC. E dos que exploram
ainda um percentual que explora da forma como você colocou no início, apenas
para sofisticar o velho. Eu fico danado quando eu vejo nas escolas “matricule seu
filho que aqui nós temos o melhor laboratório de informática”. Quando você vai
olhar como se utiliza o laboratório de informática, percebe que os computadores
são utilizados como se fosse uma máquina de escrever moderna, na qual o aluno
digita o trabalho. Ele vai lá no Google, no máximo, captura algumas informações e
não foge daquele tradicional copiar e colar. Eu advogo a favor do copiar e colar. Eu
falo que o copiar e colar não é um problema de internet, pois fazíamos isso na
época das enciclopédias. A questão é que precisamos tentar extrair desses
recursos algo mais interessante. E eu não vejo isso nas escolas, ou melhor, eu vejo
em um índice muito baixo. Talvez cada dia menos. O que eu ainda noto muito
fortemente é a questão do querer ser sofisticado, ou seja, o que eu fazia no
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quadro, eu passei a fazer na transparência e eu passo a fazer agora no power point
ou no prezi (ou coisa desse tipo). É comum vermos apresentações no prezi que
trazem a mesma aula que era feita no quadro tradicional, sem grandes inovações.
para se ter uma ideia, na universidade existia a demanda para comprar lousas
digitais e tinha um prédio para fazermos um piloto com 30 salas. Eu defendi que
comprássemos uma lousa digital. E o motivo é porque se você comprar 30,
quase ninguém usaria como um recurso. Usaria como um quadro normal,
infelizmente.
Como disse, penso que o uso das TIC é algo que precisamos discutir com
foco nas estratégias. Eu acho que quem usa esses recursos, muitos dos nossos
professores, ainda estão usando para sofisticar o velho, enfeitar a aula, sem uma
estratégia adequada que contribua para o processo ensino-aprendizagem. É uma
pena. Além disso, às vezes as TIC são utilizadas para substituir outros recursos
importantes. Veja o que é a realidade na área da Química, que é a minha área mais
específica. O pessoal está utilizando os laboratórios virtuais para substituir os
laboratórios experimentais. É claro que é bom usar o laboratório virtual porque,
por exemplo, na Química algumas propriedades são microscópicas e não são
possíveis de se observar no laboratório experimental. Então, é possível fazer a
mesma reação no simulador. É essa clareza que muitos ainda não têm. Às vezes
até por interesse econômico as instituições optam por fechar o laboratório
específico e utilizar simuladores. Na Biologia também, na Física, enfim, o que
demanda gastos, opta-se em utilizar o virtual. Então é isso o que eu vejo hoje. Mas
eu não sou nem pessimista e nem fico angustiado porque acho que o que está
acontecendo é um processo natural. Daqui alguns anos, quando vocês que estão
sendo formados na graduação, na pós-graduação passarem a desempenhar o
papel de formadores de professores, aí as coisas começarão a andar.
Entrevistadores(as): Aproveitando que o professor comentou sobre a compra
das lousas digitais, o senhor gostaria de comentar como uma lousa digital, um
software ou um simulador, poderiam ser utilizados de forma a potencializar o uso
das TIC e também o processo de ensino-aprendizagem?
Professor Marcelo: Com uma lousa digital em uma aula de Química você pode,
por exemplo, fazer uma simulação computacional e quando quebrar uma ligação
química você pode observar os detalhes. O que eu advogo fortemente é que o
professor utilize a lousa digital, faça uma simulação de uns 5 minutos, mostre um
vídeo de 5 minutos e não deixe de ir ao laboratório. É preciso enriquecer a sala de
aula adicionando o maior número de recursos, sejam eles TIC, sejam eles não TIC.
Entrevistadores(as): É comum ouvirmos críticas ao uso do laboratório quando
os experimentos são realizados de uma forma apenas demonstrativa, em queo
professor manipula o aparato experimental. Essa crítica também vale quando se
utiliza uma TIC, um simulador, por exemplo, apenas para fazer uma demonstração.
O que o senhor pode falar para nós sobre isso?
Professor Marcelo: Isso é importante! Qualquer que seja o recurso, não
podemos considerar que ele é mais importante do que a estratégia. Por exemplo,
eu posso em uma aula passar uma simulação na lousa digital e outro professor usar
a mesma simulação. Um de nós dois pode obter sucesso e o outro fracasso, o que
vai depender do contexto, da estratégia utilizada e também do que eu vou fazer
depois com aquela simulação. É a mesma situação observada quando se leva os
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alunos ao laboratório experimental. Na minha época, quando os alunos iam ao
laboratório, o professor pedia um relatório, depois voltava para a sala de aula e
nem falava mais sobre o assunto. O mesmo ocorre com o uso dos vídeos. Muitos
professores usam vídeos como forma de “tapa buraco”: passam o vídeo em uma
aula e na outra continuam o conteúdo sem qualquer comentário sobre o vídeo.
Dessa forma, aquele vídeo não serviu para nada. Além de passar o vídeo, também
é importante discuti-lo depois. E se precisar repetir alguma coisa no laboratório
que tem a ver com o vídeo ou ler um artigo que aprofunde o conteúdo visto no
vídeo, é preciso que o professor faça isso. É a mesma situação na simulação:
quando defendo o uso de uma simulação, é dentro de uma estratégia. Quando eu
peço aos meus alunos para produzirem um vídeo, eu solicito a eles não um plano
de ensino, mas o planejamento da estratégia a ser utilizada em aula. Ao meu ver,
o mais importante não é o vídeo que eles vão apresentar, mas como eles
pretendem usar o vídeo. Pode ser no início para motivar os alunos, pode ser
durante a apresentação do conteúdo junto com outras estratégias. Então eles
montam uma estratégia completa daquela aula na qual o vídeo vai estar presente.
Dessa forma é que eu acho que funciona.
Entrevistadores(as): A estratégia então é a palavra-chave para potencializar
uso das TIC?
Professor Marcelo: Estratégia. Eu acho que essa é a palavra-chave. Eu já falei
sobre ela e repito: é a estratégia didática que importa. Não existe recurso bom ou
ruim. Existem recursos mais ricos. Por exemplo, com as TIC você consegue colocar
as linguagens escritas, visual, dinâmica, estática, simulação. Tudo isso é rico, mas
tem que estar dentro de uma boa estratégia.
Entrevistadores(as): Com uma boa estratégia a gente consegue inovar até
com quadro e giz, não é mesmo?
Professor Marcelo: Sim, eu sou ainda mais radical. Debaixo de um de
árvore, reunido com os alunos, dependendo da minha estratégia, eu dou aula.
Enfim, o recurso não é o mais importante. É lógico que se eu elaboro uma boa
estratégia e tenho nas mãos, em minha escola, na minha realidade, recursos bons,
aí sim eu devo me perguntar por que não utilizá-los? Por que não utilizar também
um laboratório de experimental bem equipado? Eu acho importante, mas a minha
preocupação primeira é a estratégia. Mas, é claro que quanto mais recursos,
melhor.
Entrevistadores(as): Talvez seja o papel desse novo professor administrar
todos esses novos aparatos tecnológicos e também participar das equipes de
desenvolvimento de novos materiais e da implantação dos mesmos. O que o
senhor acha?
Professor Marcelo: Eu faço uma brincadeira com meus alunos de graduação
quando estamos começando a falar de TIC. na minha turma, em algum
momento da aula, eu pergunto: “gente, com essas tecnologias vocês acham que o
professor vai desaparecer?”. Aí se estabelece uma discussão e normalmente eles
me devolvem a pergunta e eu respondo que sim. Nesse momento há um choque,
pois imagine o pessoal do segundo semestre de um curso de licenciatura ouvindo
um formador de professores dizer que o professor vai desaparecer. Para acalmá-
los eu explico que o professor que vai desaparecer é aquele que ainda utiliza suas
fichas amarela
3
na aula. Vai surgir no lugar dele outro professor que vai usar todos
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
os recursos tecnológicos disponíveis. Então, o professor em si não vai desaparecer,
mas aquele professor tradicional sim. Ele não vai ter espaço porque vai chegar
outro professor para competir com ele e, esse novo docente, vai saber usar de
forma integrada um vídeo, uma plataforma da internet, um experimento, criando
assim novas estratégias. Então, após os meus alunos se tranquilizarem, eu
questiono se a escola vai acabar e, após uma discussão, eles me devolvem a
pergunta: “e professor, qual é a sua opinião?”. E eu digo que vai acabar. Essa
escola onde se pensa que a aprendizagem só acontece entre quatro paredes, essa
escola vai acabar. É gico que ainda vão existir as quatro paredes, mas a escola
hoje precisa entender que o aprendizado e a construção de conhecimento são
multitemporais e multilocais. Não dá mais para o aluno aprender da maneira
antiga. Mas infelizmente essas são coisas difíceis de se romper. Por exemplo, nós
temos quase a mesma estrutura escolar da idade média: cadeiras dispostas
enfileiradas, professor em cima do tablado. É a mesma coisa séculos. Essa é uma
tradição que vai levar tempo, mas precisa ser quebrada. Não mais! Temos
algumas experiências de mudança. Por exemplo, em nossa unidade do Cabo
(campus dos cursos de Engenharia da UFRPE) nós temos salas onde os alunos vão
discutir alguns conceitos a partir do Problem Based Learning, onde eles são
motivados a encontrar determinada temática e desenvolvê-la. Na sala há algumas
televisões, uma em cada parede, computadores conectados à internet, ou seja, a
dinâmica é um pouco solta e muito rica. A dinâmica é diferente daquelas cadeiras
organizadas em fila, com o professor no pedestal escrevendo no quadro e
reproduzindo a mesma escola de 200 anos atrás.
Entrevistadores(as): Professor, aproveitando que o senhor entrou nesse
assunto, acho que os professores da rede pública municipal e estadual, os
formadores de professores e a maioria dos profissionais da educação, concordam
com o ponto de vista de que a escola precisa de uma transformação. O senhor
fez uma reflexão sobre por que essa transformação ainda não ocorreu nas escolas
aqui no Brasil e em uma boa parte das escolas do mundo?
Professor Marcelo: Eu acho que falta uma política mais ampla para
avançarmos nesse sentido. Eu vejo até a própria estrutura organizacional da escola
dificultando isso. Você vai passar um vídeo em uma escola de educação básica, os
alunos e os pais começam a achar que o professor está enrolando. Pode até ser
que alguns, de fato, façam isso mesmo. Porém, aquele professor que está
pensando em uma estratégia boa, sai prejudicado. E quem vai convencer que essa
pode ser uma excelente estratégia para a sala de aula são os formadores de
professores. Somos nós das universidades que temos que aproximar os
licenciandos da escola. Mas, esse é um problema que a universidade precisa
resolver: ela é essencialmente distanciada da educação básica e isso não é na
área de formação de professores. As universidades se tornaram ilhas, onde temos
a cultura de desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão, mas a extensão muito
menos que os outros dois. Então eu não teria uma resposta muito elaborada do
motivo pelo qual avançamos tão pouco na transformação da escola. Eu acho que
talvez a chave disso esteja na transformação dos cursos de licenciatura, de modo
que os professores sejam formados de uma maneira diferente e possam ser
multiplicadores na educação básica. Quando as escolas começarem a sentir
necessidade, ou seja, na hora que o menino mudar de uma escola para outra que
tem uma proposta mais interessante, a escola que perdeu o menino (se referindo
ao aluno) vai se mexer, seja ela pública ou privada. Outra coisa que acrescento,
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
porém isso é uma opinião, não tenho dados que a confirmem, e sei que muitos
discordam, é que na educação básica, temos experiências melhores na rede
pública do que na rede privada. Digo isso na concepção de construção de
conhecimento. O problema da escola pública, às vezes, é a falta de professores.
Mas quando tem o professor, quando a escola está organizada, o que está
acontecendo na escola pública me encanta mais do que o que eu vejo em algumas
escolas privadas, que é aquela reprodução tradicional.
Entrevistadores(as): Também uma preocupação muito grande em vencer
conteúdo na escola particular. na escola pública um pouco mais de
autonomia para inovar, não?
Professor Marcelo: Eu acho que o ENEM foi um passo importantíssimo para a
questão da seleção para o ingresso nos cursos superiores. Mas, além disso, a
concepção dele deu uma balançada na questão dos vestibulares tradicionais. na
época em que o vestibular exigia que você decorasse as respostas, você não
precisava pensar, era reproduzir. O ENEM mexeu um pouco com isso e acho que
foi um avanço. Hoje o aluno é mais reflexivo do que eu era na minha época. A
minha preocupação era decorar a tabela periódica, sua nomenclatura, mas,
discutir sua aplicação não era o objetivo. Aí voltamos ao que eu disse no início da
entrevista: a gente precisa mostrar que a escola é um local onde se deve construir
conhecimento, onde se problematizam situações e onde se apresentam os
conceitos que vão explicar as situações. Não o contrário, que é como a escola em
geral faz: apresenta o conteúdo e depois algumas situações. Mas, entendo que é
uma roda complicada e eu não me angustio por causa disso.
Entrevistadores(as): As universidades têm produzido vários trabalhos
relacionados às TIC. Em sua opinião, o que é possível fazer para que essa produção
chegue na ponta, nas escolas?
Professor Marcelo: eu acho que não são as TIC. Eu acho que o grande
problema está na relação das universidades com a escola, que estava até sendo
estreitado pelo PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência).
Talvez agora com a questão da residência mude o contexto, talvez tenhamos uma
perda. Mas eu acredito que uma forma de fazer com que a produção da
universidade chegue até a escola é por meio de programas como o PIBID. E, além
disso, é necessário fazer uma rediscussão das nossas licenciaturas. A meu ver,
temos dois problemas em nossas licenciaturas. Aliás, temos vários, mas acho que
dois são principais: um tem a ver com isso que você me perguntou. Eu acho que a
gente forma muito professor sem olhar e levar essa formação para a escola de
educação básica. A outra, e nessa já avançamos um pouquinho mais na solução, é
a questão da organização das disciplinas específicas e pedagógicas ao longo do
curso de licenciatura. Antigamente, na minha época, você fazia um curso de
Química e no outro ano você escolhia se seria bacharel ou licenciado. Um curso de
licenciatura deve ter um formato completamente diferente. Desde o início ele
deve ser pensado para que o aluno construa conhecimentos sobre conceitos, mas
também deve construir estratégias para mediar esses conceitos quando for para
escola. Infelizmente nós temos colegas na universidade que ainda acreditam que
para ser um bom professor de Química é necessário somente saber conteúdos de
Química. O mesmo vale para a Física. Então, quando se reestrutura a matriz
curricular de um curso de licenciatura uma briga no departamento a respeito
de quais disciplinas se devem tirar e quais devem ser colocadas, ou ainda se
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
devemos manter uma disciplina de instrumentação e uma disciplina de TIC. Então,
penso que é necessário primeiro reformatar as licenciaturas e tentar construir a
formação com uma integração maior com a escola, que é um pouco do objetivo do
PIBID, que tem a participação de um orientador, um aluno licenciando e um
professor na escola. Essa tríade dentro da escola é riquíssima para a formação,
tanto para o licenciando entender o que está acontecendo na escola, como para
levar para o conhecimento produzido na universidade. No âmbito do PIBID,
várias coisas que a gente desenvolveu com nossos alunos foram levadas e usadas
na escola. Os professores que supervisionavam os alunos do PIBID na escola
também passaram a usar. Então, para que a produção da universidade chegue na
escola é preciso formar o licenciado para ser professor, não para ser um químico,
um físico, um biólogo, matemático. Claro que para ser um bom professor de
Química tem que saber Química, para ser um bom professor de Física tem que
saber Física.
Entrevistadores(as): não é o conteúdo específico da ciência de referência
que importa, não é mesmo?
Professor Marcelo: Eu digo o seguinte, um bacharel em Química se forma e
vai para a indústria ou vai para um laboratório. Com a Química que ele construiu
ao longo do curso ele se resolve. Ele dá conta do trabalho. Um professor, somente
com a Química que ele estuda ao longo do curso, ele não se resolve em sala de
aula. Ele vai ter problema. Por isso, eu acho que o curso de licenciatura é muito
mais complexo do que o de bacharelado. Antigamente se dizia que no bacharelado
o nível de profundidade do conteúdo é maior que na licenciatura. Na realidade, o
conteúdo é o mesmo, deve ser visto no mesmo nível de profundidade. Só que no
curso de licenciatura é preciso agregar as questões pedagógicas, entender o que é
uma estratégia didática e isso não é fácil. Não sei como é a realidade do Brasil
inteiro, mas falo levando em conta os locais que conheci, muitas licenciaturas são
bacharelados com “pitadas” de pedagogia.
Entrevistadores(as): Como as TIC podem potencializar o ensino a distância,
sobretudo nas áreas de Ciências e como elas podem viabilizar atividades
experimentais nessa modalidade de ensino?
Professor Marcelo: Em primeiro lugar, espero que daqui uns anos não se fale
mais em ensino a distância ou ensino presencial. Acho que tudo caminhará para o
chamado ensino semipresencial. As TIC irão potencializar as diversas formas de
interação síncronas e assíncronas.
Entrevistadores(as): Isso nos leva a um modelo semipresencial de educação,
certo? Nesse sentido, os polos educacionais de ensino a distância teriam que
importância?
Professor Marcelo: Eu até brinco que daqui a algum tempo, eu imagino que
nós não vamos mais falar, nem em educação a distância e nem em educação
presencial. Nós vamos falar em educação. Porque hoje eu pergunto algumas vezes
para alguns colegas, dentro da universidade: “o seu curso é presencial ou a
distância? escuto como resposta “O meu curso é presencial”. Então eu digo:
“Mas vousa e-mail, usa o ambiente virtual e seus recursos, então, seu curso não
é presencial. Seu curso é semipresencial”. O que eu acho que será a grande
discussão, e entra a questão dos polos, é definir que percentual de interações
síncronas e assíncronas, a distância e presencial, será permitido para um curso.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
Isso precisa ser discutido e pensado de forma pedagógica e não de forma
econômica. Eu não consigo conceber a ideia de ter um curso a distância de um lado
da rua e outro presencial do outro lado da rua. Para mim está errado. Para essa
questão de ensino a distância, eu uso como exemplo a dificuldade de acesso à
educação que existia na região da floresta amazônica e no interior do Pará. Ali
havia um problema muito grave de analfabetismo das crianças. Isso porque não
havia professores naquelas regiões, que eram de difícil acesso. Foi então que eles
reuniram alguns tutores dessas regiões em um evento em Belém, fizeram uma
única apresentação e todo o curso foi montado por correio. Por que pelo correio?
Porque naquela época o Correio chegava em qualquer lugar, até mais longe do que
a internet, que ainda não chegava por lá. Então você pode pensar: “é um curso
praticamente todo a distância. Isso é ruim ou é bom?”. eu respondo: “para
aquela realidade foi excelente, pois foi pensado pela questão pedagógica, que
não havia condições de ter a educação presencial”. O que eu não consigo entender
de algumas universidades e escolas privadas, é a estratégia de fazer um curso
totalmente a distância. Eu acredito que as interações, o olho no olho e a empatia
são fundamentais. É comum escutar dos alunos: “ah eu detestava Física”. Na
verdade, a pessoa não detestava Física. Ela detestava o professor de Física. Mas, a
gente escuta dos alunos o contrário também: “Eu adorava Química”. Na verdade
ele adorava o professor de Química. Essa relação interpessoal de confiança ajuda
sobremaneira na construção do conhecimento. Então quando eu falo em
semipresencial, é porque eu acho que é uma forma de unir as vantagens da
educação presencial com as da educação a distância. A vantagem do
semipresencial está em você não precisar esperar a próxima aula para esclarecer
uma dúvida. Isso pode ser feito pelo e-mail, pelos ambientes virtuais, pelas redes
sociais. Eu acho que precisamos incorporar tudo isso. Mas o percentual do curso
que poderá ser feito a distância vai depender da natureza do curso, do público
alvo, das estratégias. Pode ser que eu esteja equivocado, mas eu acho que não
estarei vivo para ver se essa minha previsão acontecerá ou não. Mas, eu acredito
que no futuro nós não falaremos mais em educação a distância e presencial. E sim
somente em educação com momentos presenciais e momentos a distância, em
percentuais que vão variar dependendo dos objetivos do curso.
4. As TIC e as metodologias de ensino
Durante a conversa, ficou evidente que para o professor Marcelo Leão o
sucesso da utilização da tecnologia em sala de aula depende da estratégia utilizada
pelo professor, uma vez que a TIC pela TIC pouco contribui para melhorar o
processo ensino-aprendizagem. Na última questão da entrevista o professor
Marcelo Leão fala sobre as contribuições da Teoria da Flexibilidade Cognitiva (TFC),
temática que ele concentra a maioria de seus trabalhos de pesquisa.
Entrevistadores(as): O que é a Teoria da Flexibilidade Cognitiva e como
ocorreu o seu contato com ela?
Professor Marcelo: Eu tive o primeiro contato com essa teoria quando eu fui
para Barcelona, em 2006. Na verdade, não foi nem em Barcelona. Foi por meio de
um ex-aluno meu da UFRPE, hoje meu amigo, Francilei de Souza, que foi fazer o
doutorado em Aveiro e ficou por lá. Ele acabou fazendo o pós-doutorado e virou
professor da universidade de Aveiro. Quando eu estava em Barcelona, ele me
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chamou para uma palestra em Aveiro e a gente começou a conversar sobre a
Teoria da Flexibilidade Cognitiva. Um colega dele de um grupo de investigação, o
Antônio Moreira, tinha sido orientando pelo Rand Spiro, idealizador da TFC, e
houve um entusiasmo em relação a essa teoria de imediato. Eu estava
trabalhando com a questão do Webquest
4
, que é uma estratégia didática simples,
mas já bastante difundida. A gente começou a ver, embasados na Teoria da
Flexibilidade Cognitiva, a possibilidade de construir um conhecimento que pudesse
ser adaptável a novas situações, um conhecimento complexo, flexível, etc.
Começamos a incorporar isso. E foi em 2006, junto com o Francilei, com o Antônio
Moreira e com o Bartolomeu que a gente “embebeu” a webquest com a Teoria da
Flexibilidade Cognitiva. Uma coisa que eu acho interessante é que a Teoria da
Flexibilidade Cognitiva, foi proposta nos Estados Unidos por Rand Spiro, mas teve
uma boa repercussão em Portugal e na Espanha. Isso se deve, talvez, ao fato de
muitos orientandos de Rand Spiro serem portugueses ou espanhóis. No Brasil a
TFC não foi tão difundida... E também tem um problema: a TFC é uma teoria
extremamente complexa, complicada em sua compreensão e aplicação. Às vezes,
para fazer uma Webquest, você leva meia hora. para fazer uma Flexquest, com
todos os atributos, você leva semanas, meses. Isso porque é preciso testar e
ajustar. Então não é uma teoria fácil, simples de se implementar, mas é muito rica,
porque é o aluno que constrói o conhecimento a partir dessa flexibilidade. A
expressão que o Rand Spiro usa é transferir, mas não no sentido de transferir
conhecimento de uma pessoa para outra. Para ele é o sentido de transferir o seu
conhecimento quando se defronta com uma nova realidade. Então, é possível fazer
esse processo de transferência do conhecimento que se construiu, readaptar e
resolver um problema novo, desconhecido.
CONCLUSÃO
A disseminação das tecnologias de informação e comunicação nas últimas
décadas traz diversos desafios e possibilidades, na medida em que novos modos
de se relacionar com a informação são estabelecidos. De acordo com uma pesquisa
realizada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI, 2016), essas novas relações com a
informação refletem na educação, que precisa preparar os alunos para o uso
consciente de todo o potencial dessas tecnologias, além de desenvolver
metodologias capazes de promover a incorporação das TIC no contexto escolar. Na
prática, entretanto, não são raros os casos em que as TIC são usadas apenas para
dar um “verniz” de modernidade às aulas, que continuam pautadas na transmissão
de conhecimentos pelo professor. Em sua fala, o professor Marcelo deixa claro que
apenas a inserção das TIC em sala de aula não significa a melhoria do processo
ensino-aprendizagem, tampouco a modernização da educação. Independente do
recurso a ser utilizado na prática docente, é necessária a compreensão do contexto
para que se escolha a estratégia didática mais adequada àquela realidade.
A transformação do ambiente escolar passa também pela reformulação dos
cursos de formação de professores, que precisam aderir à utilização das TIC e,
assim, preparar os futuros docentes para serem mediadores de um processo de
ensino-aprendizagem cada vez mais tecnológico, assíncrono e atemporal, uma vez
que a escola não pode ser mais vista como o único local para que ocorra a
construção do conhecimento. Em tempos de debate sobre o papel da escola,
reformulação da educação básica, habilidades e conhecimentos necessários,
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
muitas incertezas surgem pelo caminho. Contudo, independente do rumo a ser
tomado, o professor e o aluno continuarão no centro do processo de ensino-
aprendizagem e a tecnologia somente tem espaço se for para, de fato, mediar a
interação entre eles.
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Acesso em: 18 jul. 2018.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, mai./ago. 2018. Seção Entrevistas.
NOTAS
1
No modelo 3 + 1, os cursos de licenciatura eram organizados de maneira que nos
3 primeiros anos os licenciandos cursavam disciplinas específicas da ciência de
referência e no último ano cursavam as disciplinas pedagógicas.
2
PBL é a sigla de Problem Based Learning que em português significa
“Aprendizagem baseada em problemas”
3
Aludindo aos professores que prepararam suas aulas em fichas no início da
carreira docente e ainda continuam utilizando as mesmas fichas. Devido a isso as
fichas devem estar amarelas.
4
Webquest: atividade didática que promove a autonomia dos alunos por meio do
desenvolvimento de uma tarefa de investigação usando principalmente recursos
da internet (DODGE, 1995).
Recebido: 12 jun. 2018
Aprovado: 10 set. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.8403
Como citar:
SANTOS, M. L. B; ATANAZIO, A. M. C.; FRANÇA, H. S.; PARANHOS, M.; LEÃO, M. B. C.; LEITE, A. E. As
Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino de Ciências: entrevista com o professor Marcelo Brito
Carneiro Leão. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 214-235, set./dez. 2018. Seção Entrevistas. Disponível em:
<https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Matheus Lincoln Borges dos Santos
Rua Sophia Suotta Toczeck, n. 132, Quississana, São José dos Pinhais, Paraná, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
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