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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336-357, set./dez. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Atividade sobre sistemas de numeração
baseada em informações históricas: uma
proposta de ensino para os anos iniciais do
ensino fundamental
RESUMO
Eliane Siviero da Silva
elianesivierosilva@gmail.com
orcid.org/0000-0001-7002-4874
Colégio Integrado, Campo Mourão,
Paraná, Brasil
Lucieli M. Trivizoli
lmtrivizoli@uem.br
orcid.org/0000-0002-3660-6181
Universidade Estadual de Maringá (UEM),
Maringá, Paraná, Brasil
O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa
de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática da Universidade Estadual de
Maringá UEM, finalizada no ano de 2017. O trabalho teve como objetivo investigar as
potencialidades da História da Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental a partir
da aplicação de uma atividade sobre sistemas de numeração. Foi realizada uma atividade
com alunos do ano do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada no município
de Moreira Sales Paraná, envolvendo propriedades dos sistemas de numeração maia,
chinês e o indo-arábico. Por meio dessa implementação buscamos identificar as
potencialidades pedagógicas da História da Matemática descritas por Antonio Miguel e
Maria Ângela Miorim no livro “História na Educação Matemática: propostas e desafios”
(2011) que se evidenciaram na realização da atividade. Para isso, foram criadas três
categorias de análise relacionadas ao potencial do material trabalhado para o professor,
para o aluno e para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Algumas das
potencialidades identificadas na proposta realizada foram: a abordagem histórica como
fonte de seleção de sequências e métodos adequados de ensino para diferentes tópicos da
Matemática escolar; a abordagem histórica também se mostrou fonte de busca,
compreensão e de significação para o ensino e aprendizagem da Matemática escolar na
atualidade. A atividade elaborada se mostrou um material pedagógico com potencial para
o trabalho com os sistemas de numeração, uma vez que possibilitou aos alunos tralharem
com as características de cada um dos sistemas de numeração, comparando as semelhanças
e diferenças entre eles, tudo isso com o apoio do material manipulável que tornou a
atividade mais lúdica aos estudantes, dessa forma, o uso das informações históricas se
apresentou como uma sequência adequada de ensino para este tópico matemático.
PALAVRAS-CHAVE:
História na Educação Matemática. Sistema de numeração. Anos
Iniciais.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
INTRODUÇÃO
No presente artigo iremos abordar os resultados da pesquisa de mestrado
finalizada no ano de 2017, intitulada: Ensino de Sistemas de numeração baseado
em informações históricas: um estudo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
(SILVA, 2017), na qual investigamos as potencialidades da História da Matemática
para os Anos Iniciais a partir da elaboração e aplicação de uma atividade
envolvendo propriedades dos sistemas de numeração maia, chinês e indo-arábico.
Para a realização da pesquisa decidimos abordar a temática sobre sistema de
numeração por se tratar de um tema que os alunos do nível especificado ainda
apresentam dificuldades de compreensão (BRASIL, 1997).
Essas dificuldades estão relacionadas às características que compõem o nosso
sistema indo-arábico e que são essenciais para que as crianças realizem a leitura e
escrita dos números, a saber: o agrupamento de 10, a troca entre ordens, a dupla
função do zero (indicar a ausência de unidade de uma determinada ordem,
unidade, dezena, centena, etc., e “guardar a posição” de uma ordem vazia, por
exemplo, na escrita do número 103) e o valor posicional (MORETTI; SOUZA, 2015).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) o recurso da história da
numeração pode contribuir para um trabalho interessante com os números e, em
especial, com o sistema de numeração.
Bertini e Carneiro (2016) também ressaltam que o trabalho com a história dos
números pode oportunizar muitas discussões e explorações em relação ao sistema
de numeração decimal (SND). Os autores apresentam que uma das principais
contribuições do estudo da história dos números é o entendimento de que o SND
é uma construção humana que se deu ao longo do tempo, a partir de necessidades
do homem, e que existiram e ainda existem outras configurações diferentes desta
que utilizamos atualmente” (p. 67).
Além disso, a observação de diferentes sistemas de numeração e suas
características pode contribuir para a compreensão de características do nosso
sistema indo-arábico por meio de comparações entre semelhanças e diferenças
(BERTINI; CARNEIRO, 2016).
Dessa forma, pensando numa atividade voltada para o trabalho comas
características do sistema de numeração decimal optamos por incorporar à nossa
proposta de ensino os sistemas de numeração maia, chinês e o próprio indo-
arábico. A escolha desses sistemas de numeração se deu por conta de suas
características: os três sistemas são posicionais; apenas o sistema chinês não
possui uma representação para o zero, o que nos permitiu mostrar a importância
do zero no nosso sistema; o sistema chinês e o indo-arábico empregam a base dez
e o sistema maia a base vinte, o que nos possibilitou mostrar aos alunos que
existem outras bases utilizadas por outros sistemas e também foi possível aos
alunos trabalharem com outras formas de agrupamentos sem ser de dez em dez.
O trabalho foi desenvolvido com uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental
de uma escola pública localizada no município de Moreira Sales Paraná, no
período matutino, contando com a participação de 14 alunos na faixa etária de 9 a
10 anos. Por meio dessa aplicação buscamos identificar quais potencialidades
pedagógicas da História da Matemática apresentadas por Miguel e Miorim (2011)
no livro “História na Educação Matemática: propostas e desafios”, se evidenciaram
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na realização da atividade. Para isso, foram criadas três categorias de análises
relacionadas ao potencial do material aplicado em sala de aula para o professor,
para o aluno e para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
Acreditamos que por meio dessa atividade foram atingidas potencialidades da
História da Matemática tais como, a história como fonte de seleção de métodos
adequados de ensino para diferentes tópicos da Matemática escolar, sendo que o
sistema maia e o chinês constituíram-se métodos adequados para trabalhar as
características do nosso sistema de numeração indo-arábico. Também auxiliou o
professor a identificar as dificuldades de compreensão destas características e
possibilitou aos alunos perceberem a Matemática como uma criação humana e a
desenvolverem um pensamento crítico.
Nas seções seguintes, apresentamos aspectos teóricos e metodológicos
relacionados a elaboração e desenvolvimento da atividade e as potencialidades
que foram investigadas no trabalho (SILVA,2017).
HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Atualmente diversos estudiosos vêm se dedicando a construir argumentos e a
propor ões sobre a utilização da História da Matemática no ensino de
Matemática, dentre eles Mendes (2009), Miguel (1997), Miguel e Miorim (2002),
Miguel e Miorim (2011), Miguel et al (2009).
Segundo Miguel e Miorim (2011) as preocupações em torno das questões
históricas relativas ao ensino e a aprendizagem da Matemática, ganharam força na
década de 80, no plano internacional, por meio da criação do
InternationalStudyGroupontheRelationsbetweentheHistoryandPegagogyofMathe
matics (HPM), grupo filiado à Comissão Internacional de Ensino de Matemática
(ICMI). No Brasil foi em 1999 que o movimento em torno da História da
Matemática se intensificou visivelmente, especialmente a partir da criação da
Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat) no III Seminário Nacional
de História da Matemática, ocorrido na cidade de Vitória (ES).
Segundo esses autores podemos distinguir diferentes campos de pesquisas
autônomos que constituem a própria História da Matemática, em suas palavras
[...] o movimento em torno da História da Matemática já é tão amplo e
diversificado que poderíamos acusar a constituição, em seu interior, de vários
campos de pesquisa autônomos, que, no entanto, mantêm, em comum, a
preocupação de natureza histórica incidindo em uma das múltiplas relações
que poderiam ser estabelecidas entre a História, a Matemática, a Educação.
Dentre tais campos de investigação, três deles se destacam: o da História da
Matemática propriamente dito, o da História da Educação Matemática e o da
História na Educação Matemática (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11).
Nosso trabalho se insere neste último campo, o da História na Educação
Matemática, que inclui todos os estudos que tomam como objeto de investigação
“os problemas relativos às inserções efetivas da história na formação inicial ou
continuada de professores de Matemática; na formação matemática de
estudantes de quaisquer níveis” (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11), no nosso caso,
nos AnosIniciais do Ensino Fundamental. Além desses também são considerados
os estudos “em livros de Matemática destinados ao ensino em qualquer nível e
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época; em programas ou propostas curriculares oficiais de ensino da Matemática;
na investigação em Educação Matemática, etc.” (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11).
Dentre os argumentos utilizados para justificar a inclusão do discurso histórico
na Matemática escolar, encontramos nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997) para a área de Matemática no Ensino Fundamental que um dos papéis que
a Matemática deve desempenhar no Ensino Fundamental é trabalhar a pluralidade
cultural, explicitando aos alunos que
A construção e a utilização do conhecimento matemático não são feitas
apenas por matemáticos, cientistas ou engenheiros, mas, de formas
diferenciadas, por todos os grupos socioculturais, que desenvolvem e utilizam
habilidades para contar, medir, desenhar, representar, jogar e explicar, em
função de suas necessidades e interesses (BRASIL, 1997, p. 27-28).
Uma das funções da História da Matemática seria justamente contribuir para
a superação do preconceito de que a “Matemática é um conhecimento produzido
exclusivamente por determinados grupos sociais ou sociedades mais
desenvolvidas” (BRASIL, 1997, p. 28) ao mostrar como ocorreu a produção de um
determinado conhecimento, histórica e socialmente.
Mendes, Fossa e Valdés (2006) corroboram com esta ideia ao dizerem que se
preocupam com caracterizações da Matemática como sendo uma ciência a parte,
sem história e sem inter-relações com outros aspectos da cultura humana o que
dificultaria a apreciação do desenvolvimento da própria Matemática e o
importante papel que a mesma desempenha nos outros campos do saber.
No entanto, quando o conhecimento é visto como algo que cresce e se
desenvolve historicamente nas mais variadas direções, fica claro que o
conhecimento matemático trata de objetos culturais produzidos e utilizados
em cada fase do desenvolvimento das sociedades espalhadas pelo planeta,
ao longo dos anos (MENDES; FOSSA; VALDÉS, 2006, p. 11).
Assim a transformação do conhecimento matemático ocorre à medida que
outros objetos culturais se transformam e são incorporados em cada momento
histórico de cada sociedade (MENDES; FOSSA; VALDÉS, 2006).
D’Ambrosio (1996) também acredita que o uso da história possibilitaria
mostrar a Matemática como uma manifestação cultural de todos os povos em
todos os tempos, com a linguagem, os costumes, os valores, as crenças e os
hábitos, e como tal diversificada nas suas origens e na sua evolução” (p. 10). Ele
ainda aponta algumas das que considera principais finalidades da História da
Matemática, são elas:
Para mostrar que a matemática que se estuda nas escolas é uma das muitas
formas de matemática desenvolvidas pela humanidade; Para destacar que
essa matemática teve sua origem nas culturas da Antiguidade mediterrânea
e se desenvolveu ao longo da Idade Média e somente a partir do século XVII
se organizou como um corpo de conhecimentos, com um estilo próprio; e
desde então foi incorporada aos sistemas escolares das nações colonizadas e
se tornou indispensável em todo o mundo em consequência do
desenvolvimento científico, tecnológico e econômico. (D’AMBROSIO, 1996, p.
10).
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Ainda, Miguel e Miorim (2011) dizem ser possível buscar na História da
Matemática apoio para se atingir, com os alunos, objetivos pedagógicos que os
levem a perceber, por exemplo:
(1) A matemática como uma criação humana; (2) as razões pelas quais as
pessoas fazem matemática; (3) as necessidades práticas, sociais, econômicas
e físicas que servem de estímulo ao desenvolvimento das ideias matemáticas;
(4) as conexões existentes entre matemática e filosofia, matemática e
religião, matemática e lógica, etc.; (5) a curiosidade estritamente intelectual
que pode levar à generalização e extensão de ideias e teorias; (6) as
percepções que os matemáticos têm do próprio objeto da matemática, as
quais mudam e se desenvolvem ao longo do tempo; (7) a natureza de uma
estrutura, de uma axiomatização e de uma prova (MIGUEL; MIORIM, 2011, p.
53).
Além do que já foi apresentado, os Parâmetros consideram várias outras
funções que a História da Matemática pode desempenhar com o auxílio de outros
recursos didáticos e metodológicos: desenvolver atitudes e valores mais favoráveis
do aluno diante do conhecimento matemático, servir como um instrumento de
resgate da própria identidade cultural, esclarecer ideias matemáticas que estão
sendo construídas pelo aluno, especialmente para dar respostas a alguns
“porquês” e, desse modo, contribuir para a constituição de um olhar mais crítico
sobre os objetos do conhecimento (BRASIL, 1997).
Segundo Miguel et al. (2009) a história pode ser uma grande aliada quanto a
superação de um dos obstáculos enfrentados nas aulas de Matemática, sendo esse
obstáculo referente aos questionamentos dos alunos sobre os porquês de como
determinados tópicos são apresentados de determinada maneira.
Para os autores, a história pode nos auxiliar na explicação desses porquês,
“desde que possamos incorporar às atividades de ensino e aprendizagem aspectos
históricos necessários a solução desse obstáculo” (MIGUEL, et al, 2009, p. 109). É
necessário que tais informações históricas passem por adaptações pedagógicas
conforme os objetivos desejados, e sempre que necessário deve-se recorrer a
materiais manipulativos sem perder de vista “que a aprendizagem deve ser
alcançada a partir das experiências e reflexões dos próprios estudantes” (MIGUEL
et al., 2009, p. 109). Dessa forma, os alunos devem deixar de ser meros
espectadores e se tornarem ativos, “numa posição em que participem,
compreendam e questionem o próprio conhecimento matemático escolar” (p.
109).
O interesse em utilizar a História da Matemática é que, “seja possível
trazermos para o ensino da Matemática, o máximo de esclarecimentos possíveis
sobre determinado tópico matemático, visando explorar suas implicações
pedagógicas nas atividades de sala de aula” (MIGUEL et al., 2009, p. 112).
Miguel e Miorim (2011) realizaram uma análise acerca da participação do
discurso histórico em produções brasileiras destinadas à Matemática escolar e de
diferentes pontos de vista de autores que põem em destaque e/ou
operacionalizam formas de participação da história no âmbito da educação
matemática, e identificaram os seguintes argumentos utilizados para justificar a
participação da História da Matemática no processo de ensino e aprendizagem da
Matemática:
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fonte de seleção e constituição de sequências adequadas de tópicos
de ensino;
fonte de seleção de métodos adequados de ensino para diferentes
tópicos da Matemática escolar;
fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino
aprendizagem da Matemática escolar;
fonte de seleção de tópicos, problemas ou episódios considerados
motivadores da aprendizagem da Matemática escolar;
fonte de busca de compreensão e de significados para o ensino-
aprendizagem da Matemática escolar na atualidade;
fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem
epistemológica para se enfrentar certas dificuldades que se
manifestam entre os estudantes no processo de ensino-
aprendizagem da Matemática escolar;
fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de
passagem a serem levados em consideração nos processos de
investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-
aprendizagem da Matemática escolar;
fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido de uma
tomada de consciência da unidade da Matemática;
fonte para a compreensão da natureza e das características
distintivas e específicas do pensamento matemático em relação a
outros tipos de conhecimento;
fonte que possibilita a desmistificação da Matemática e a
desalienação do seu ensino;
fonte que possibilita a construção de atitudes academicamente
valorizadas;
fonte que possibilita uma conscientização epistemológica;
fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido da
conquista da autonomia intelectual;
fonte que possibilita o desenvolvimento de um pensamento crítico,
de uma qualificação como cidadão e de uma tomada de consciência
e de avaliação de diferentes usos sociais da Matemática;
fonte que possibilita uma apreciação da beleza da Matemática e da
estética inerente a seus métodos de produção e validação do
conhecimento;
fonte que possibilita a promoção da inclusão social, via resgate da
identidade cultural de grupos sociais discriminados no (ou excluídos
do) contexto escolar (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 61-62).
Com o intuito de identificarmos essas potencialidades elaboramos uma
atividade sobre sistemas de numeração envolvendo propriedades dos sistemas
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maia, chinês e indo-arábico. Apresentamos a seguir as características desses
sistemas e a atividade que foi implementada.
SISTEMA DE NUMERAÇÃO MAIA
Os maias foram tribos que habitaram a América Central durante mais de mil
anos (IMENES; LELLIS, 1999). Desenvolveram um sistema de numeração vigesimal
(base 20) posicional, com uma representação para o zero (IFRAH, 1989).
Esse sistema era representado por símbolos bem simples: pontos, traços e
uma concha, como é indicado na figura 1. O ponto era utilizado até quatro vezes e
os traços até três vezes. O zero era representado por uma concha e cada ponto
representava uma unidade. As quatro primeiras unidades eram representadas de
um a quatro pontos; o traço horizontal representava cinco unidades, o 6 era
representado por um traço e um ponto, o 7 por um traço e dois pontos, o 8 por
um traço e três pontos, o 9 por um traço e quatro pontos, já o 10 era representado
por dois traços, e os outros valores eram representados fazendo-se a soma de
traços e pontos (IFRAH, 1989).
Figura 1 - Sistema de numeração maia
Fonte: Eves (2011, p. 37).
Os valores superiores a 19 eram escritos numa coluna vertical. Para os
números compostos de duas ordens o símbolo das unidades simples era colocado
na parte de baixo e o símbolo das vintenas era colocado na parte de cima (IFRAH,
1989). Assim, o número 20 era representado conforme a figura 2:
Figura 2- Escrita do número 20 na numeração maia
1 x 20
+
0
Fonte: Silva (2017).
Logo o ponto acima do zero equivale a 1 x 20 mais o zero, que é igual a 20.
Nafigura 3 temos mais alguns exemplos de números composto de duas ordens
escritos na numeração maia.
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Figura 3 - Representação de números no sistema maia
2221 23 24 25 26 27
28 29 30 39 40 66 100
Fonte: Silva (2017).
Seguindo essa lógica, a terceira posição deste sistema de base vinte deveria
corresponder a valores vinte vezes maiores que os da segunda posição, isto é, aos
múltiplos de 20 x 20 = 400. Encontramos aqui uma curiosa irregularidade: para os
maias, a terceira ordem indicava os múltiplos de 360. Assim, segue a seguinte
representação na figura 4 (IFRAH, 1989, p. 252).
Figura 1 - Representação maia do número 4399
Fonte: Silva (2017).
Que correspondia a: 12 x 360 + 3 x 20 + 19 = 4399 e não a: 12 x 20² + 3 x 20 +
10 = 12 x 400 + 3 x 20 + 19.
Em virtude da irregularidade da terceira ordem, a quarta posição
correspondia, por sua vez, aos múltiplos de 7200 = 20 x 360 (e não aos de 8000 =
20 x 20 x 20), a quinta posição correspondia aos múltiplos de 144000 = 20 x 7200
(e não aos 160000 = 20 x 20 x 20 x 20), e assim por diante (IFRAH, 1989).
Essa irregularidade se deve ao fato de que o sistema de numeração foi criado
levando-se em conta as exigências astronômicas e da contagem do tempo naquele
contexto social:
[...] esta numeração escrita não foi concebida para atender às necessidades
do cálculo habitual, que constituía antes uma atribuição dos comerciantes e
do comum dos mortais. Ao contrário, ela foi elaborada apenas para satisfazer
às necessidades do tempo e das observações astronômicas; por isso mesmo
ela foi o apanágio dos sacerdotes maias, em virtude do estreito vínculo que
existe nesta civilização entre a decomposição do tempo e o mundo divino
(IFRAH, 1989, p. 255).
Para exprimir suas datas, os sacerdotes e astrônomos maias elaboraram um
sistema de contagem do tempo que tinha o “dia como unidade de base e contava
com um ano de aproximadamente 360 dias para a facilidade dos cálculos” (IFRAH,
1989, p. 256).
O tempo decorrido a partir da era maia era avaliado em kins (ou “dias”), em
uinals (ou “meses” de 20 dias) e em tuns (ou “anos” de 360 dias); depois
katuns (ciclos de 20 “anos”), em baktuns (ciclos de 400 “anos”), em pictuns
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(ciclos de 8000 “anos”), e assim por diante, em ciclos vinte vezes maiores cada
vez (IFRAH, 1989, p. 256).
Portanto, essa numeração criada unicamente para satisfazer às exigências
astronômicas e da contagem do tempo, conservou para a sua terceira posição o
valor da terceira unidade de tempo, por isso, ao invés da terceira posição indicar
os múltiplos de 20 x 20 = 400, ela exprimiu apenas os de 18 x 20 = 360, tornando-
se imprópria para a prática das operações e para qualquer desenvolvimento
matemático (IFRAH, 1989).
SISTEMA DE NUMERAÇÃO CHINÊS
Os Chineses criaram um sistema de numeração posicional, de base decimal,
no qual eram combinadas barras verticais e horizontais (IFRAH, 1989). As cinco
primeiras unidades eram representadas pela quantidade correspondente de
traços verticais ou horizontais justapostos, os números 6, 7, 8 e 9 eram
representados pela composição de traços verticais e horizontais, como é mostrado
na figura 5.
Figura 5- Números Chineses
Fonte: Ifrah (1989, p. 244-245).
A escrita dos números era feita por meio de uma mudança de representação
entre as duas formas de escritas para cada ordem: as unidades de casa ímpar
(unidades simples, centenas, dezenas de milhar, milhões, etc.) eram expressas por
meio dos algoritmos verticais, e as unidades de casas pares (dezenas, milhares,
centenas de milhar, dezenas de milhões, etc.) eram expressas por meio dos
algoritmos horizontais. Exemplos são apresentados na figura 6:
Figura 6 - Escrita dos números 522 e 87941 utilizando a mudança de representação entre
ordens
1
1
2
2
2
2
5
5
9
9
4
4
7
7
8
8
Fonte: Silva (2017).
ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A pesquisa teve uma abordagem qualitativa, que segundo D’Ambrosio (2013)
“[...] tem como foco entender e interpretar dados e discursos (p. 12). Como
instrumentos de coleta de dados utilizamos a observação participante, o diário de
campo, as gravações em áudio, os registros escritos dos alunos e uma entrevista
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semiestruturada realizada com a professora da turma. A pesquisa foi submetida
ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos
(COPEP/UEM) e aprovado conforme Parecer nº 1.625.116/2016 (SILVA, 2017).
Para realizar as análises construímos três categorias relacionadas às
potencialidades de Miguel e Miorim (2011). A construção das categorias se deu em
decorrência de que algumas das potencialidades possuem características
semelhantes quanto aos seus argumentos, sendo que uma complementa a outra,
dessa forma em uma mesma situação poderiam aparecer mais de uma
potencialidade. Assim, com o intuito de organizar nossas análises optamos por
construir categorias de análises mais gerais. Para construir essas categorias
agrupamos as potencialidades de acordo com suas referências: uma com as
potencialidades que se referem ao professor, outra com as potencialidades que se
referem ao aluno e outra com as potencialidades que se referem ao processo de
ensino e aprendizagem da Matemática, sendo que os critérios utilizados para esses
agrupamentos foram nosso entendimento sobre essas potencialidades que são
explicitadas mais adiante.
ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DA ATIVIDADE
Para a elaboração da atividade decidimos utilizar alguns materiais
manipuláveis
1
para representar cada um dos sistemas.
Para representar o sistema maia utilizamos pedras equivalendo as unidades,
os gravetos como cinco unidades e conchinhas representando o zero.
Figura 7 - Materiais utilizados para a representação do sistema maia
Fonte: Silva (2017).
Para representar o sistema chinês utilizamos palitinhos de sorvetes cortados
ao meio e optamos por utilizar uma representação para o zero que nesse caso foi
por meio de botões para destacamos a importância e a dupla função do zero no
nosso sistema de numeração.
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Figura 8 - Materiais utilizados para representar o sistema chinês
Fonte: Silva (2017).
E para representar o sistema indo-arábico utilizamos o material dourado.
Figura 9 - Material Dourado
Fonte: Silva (2017).
Também confeccionamos um suporte de isopor contendo algumas divisões na
qual pudéssemos trabalhar com as características dos sistemas a partir da soma e
representação de alguns valores. De um lado do suporte fizemos uma divisão para
a numeração maia e do outro uma divisão para o sistema chinês e o indo-arábico.
Apesar do sistema chinês não possuir uma representação para o zero para essa
atividade decidimos representar o zero por meio de botões como dito
anteriormente. Ao incorporar essa representação os sistemas chinês e indo-
arábico ficaram com as características mais semelhantes, tais como, ambos serem
posicionais, de base 10 e com uma representação para o zero, o que possibilitou
trabalhar com os dois sistemas em uma única divisão do isopor. As ordens
trabalhadas para os dois sistemas foram as das unidades simples, dezenas e
centenas conforme a figura 10.
Para o sistema maia também decidimos trabalhar com três ordens, as das
unidades simples, as das vintenas e a terceira ordem optamos por trabalhar com
as quatro centenas. Originalmente a terceira ordem do sistema maia correspondia
a 360, porém, fizemos a terceira ordem como sendo 400 para facilitar as
representações.
Figura 10 - Base de isopor confeccionada para trabalhar com os sistemas de numeração
Fonte: Silva (2017).
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
A realização da atividade ocorreu no período regular de aula com um total de
quatro horas-aula, sendo trabalhadas duas horas-aula por dia em dois dias de
aplicação.
O encaminhamento em sala de aula se deu da seguinte forma: primeiramente
organizamos os alunos em duplas. Começamos a falar sobre uma das primeiras
formas de contagem que era a correspondência um a um feita, por exemplo, pelo
pastor de ovelhas que representava cada ovelha por uma pedra. Para cada um dos
sistemas apresentamos seu nome e suas características no quadro para depois
distribuirmos os materiais. Cada dupla, além de receber os materiais para
representar os sistemas, também recebeu uma folha contendo algumas
explicações e outra folha para registrar suas anotações. Para cada sistema foi
passado um envelope contendo alguns valores, cada dupla deveria retirar dois
valores representá-los na base de isopor, depois somar os dois valores e
representarem a soma, além disso, as duplas também tiveram que conferir os
valores representados pelos colegas.
Ao trabalhar cada um dos sistemas era questionado aos alunos o que eles
acharam daquele sistema, se era difícil ou fácil de compreender e relembrávamos
as suas características e as comparávamos com o nosso sistema decimal. Ao fim da
aplicação os alunos foram questionados sobre quem eles achavam que produzia e
praticava a Matemática, em quais lugares eles utilizam a Matemática e se esse
conhecimento sempre foi da forma como conhecemos hoje, sendo que as
respostas foram que a Matemática é desenvolvida por pessoas específicas como
os “nerds”, ou seja, pessoas muito inteligentes, para ser utilizada somente em sala
de aula na disciplina de Matemática, e que ela foi evoluindo conforme a sociedade
também evoluía. Essa ideia pode estar associada ao fato de muitos considerarem
a Matemática de difícil compreensão o que limitaria seu desenvolvimento à um
grupo seleto de pessoas e pelo fato de não “vermosela no dia a dia da forma
como é trabalhada em sala, por meio de uma linguagem específica.
A professora da turma esteve presente durante a aplicação da pesquisa, se
manifestando em alguns momentos auxiliando os alunos na realização da
atividade.
Nas próximas seções apresentamos as potencialidades elencadas por Miguel
e Miorim (2011) que foram identificadas e evidenciadas na análise dos dados
aplicação das atividades.
POTENCIALIDADES RELACIONADAS AO PROFESSOR
Nessa categoria incluem-se as potencialidades de Miguel e Miorim (2011) que
auxiliam o professor em sala de aula tanto na preparação da aula quanto na
identificação das dificuldades que os alunos apresentam, são elas: fonte de seleção
e constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino; fonte de seleção de
métodos adequados de ensino para diferentes picos da Matemática escolar;
fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino-aprendizagem da
Matemática escolar; fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de
origem epistemológica para se enfrentar certas dificuldades que se manifestam
entre os estudantes no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar;
fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
levados em consideração nos processos de investigação em Educação Matemática
e no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar.
Os defensores da história como fonte de seleção de métodos adequados de
ensino para diferentes tópicos da Matemática escolar acreditam que podemos
buscar apoio na História da Matemática para escolhermos métodos
pedagogicamente adequados e interessantes para a abordagem de tópicos
matemáticos (MIGUEL; MIORIM, 2011).
Em nossa aplicação consideramos que a atividade elaborada utilizando
aspectos históricos dos sistemas de numeração se constitui de uma sequência
adequada para se trabalhar com as características dos sistemas de numeração (o
agrupamento, a troca entre ordens, o valor posicional e a dupla função do zero),
uma vez que os alunos tiveram a oportunidade de conhecer outros sistemas além
do sistema decimal e trabalhar com suas características por meio dos materiais
manipuláveis (base de isopor, pedras, gravetos, conchas, botões, palitos de sorvete
e material dourado) que possibilitaram aos alunos realizarem e visualizarem os
agrupamentos e as trocas entre esses objetos.
Enquanto pesquisadora e professora da turma na realização da elaboração e
implementação da atividade foi possível constatar que o material elaborado
atingiu o objetivo esperado, que foi possibilitar aos alunos o trabalho com as
características de outros sistemas de numeração além do sistema indo-arábico,
permitindo a eles conhecerem outras formas de contagem, de agrupamentos e
representação que auxiliassem no entendimento do sistema decimal.
Esse trabalho com outras bases numéricas é uma das orientações sugeridas
por Leite (2014) em sua pesquisa. O autor apresenta que se faz necessário o
trabalho com outras formas de agrupamentos em outras bases numéricas durante
todo o Ensino Fundamental, para que os alunos possam tomar conhecimento da
existência de outros sistemas para evitar que criem a ideia da existência de uma
única escrita numérica de uma só cultura.
Em nossa proposta, além de possibilitarmos aos alunos conhecerem e
trabalharem com os sistemas maia e chinês, eles também aprenderam o nome e
um pouco da origem do nosso sistema de numeração que até então era
desconhecida por eles.
A utilização de aspectos históricos na pesquisa de Pedroso (2008) também se
mostrou um método adequado para abordagem em sala de aula, uma vez que, ao
trabalhar a história e a representação dos algoritmos com um grupo de
professores, constatou-se uma mudança na forma deles conceberem os conceitos
matemáticos, a partir da compreensão da sua historicidade. Também percebeu-se
“um processo de reflexão por parte deles sobre o conteúdo e a forma como se
ensina, bem como sobre as suas escolhas metodológicas e a relação com a
aprendizagem dos alunos” (PEDROSO, 2008, p. 129).
Dessa forma, acreditamos que a atividade realizada é uma possibilidade
adequada de trabalho a ser realizado pelo professor em sala de aula. Também por
meio da atividade foi possível identificar que os alunos apresentaram dificuldades
na hora de realizar os agrupamentos e as trocas entre ordens, tanto no sistema
maia em que eles deveriam fazer agrupamentos de cinco pedras e quatro gravetos,
ou no sistema indo-arábico que deveriam fazer agrupamentos de dez.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
Observou-se que essa dificuldade estava se manifestando da seguinte forma:
os alunos ao realizarem os agrupamentos não estavam levando em consideração
que a troca deveria ocorrer de forma igualitária, ou seja, quando forma-se um
agrupamento devemos realizar a troca por algo que corresponda ao mesmo valor
agrupado, como por exemplo uma dezena que equivale a dez unidades. Quando
fazemos a troca de dez unidades por uma dezena não alteramos o valor com o qual
estamos trabalhando, pois eles são equivalentes.
O que ocorria era que os alunos pensavam na quantidade máxima de um valor
que poderia ser utilizado em cada ordem, por exemplo, nas unidades podemos
representar até o nove, acima de nove fazemos uma troca por uma dezena.
Justamente nessa troca os alunos estavam deixando nove unidades na primeira
ordem e substituindo uma unidade como uma dezena. Não houve a preocupação
deles com relação a essa troca ser igualitária.
No caso do sistema maia, como os gravetos podiam ser utilizados até três
vezes, na hora de realizar a troca entre ordens os alunos não estavam realizando o
agrupamento de forma correta, ao invés de agrupar quatro gravetos que estariam
equivalendo a 20 unidades e substituir por uma vintena os alunos estavam
deixando a quantidade máxima de gravetos que era três e representando o
restante por uma vintena. No exemplo de diálogo apresentado a seguir a dupla
havia cometido esse equívoco (O termo pesquisadora está se referindo a
pesquisadora responsável pela aplicação da atividade e o termo professora estará
se referindo a professora da turma):
Quadro 1 - Diálogo entre pesquisadora e alunos
Pesquisadora: “Vamos juntar todas as pedrinhas e todos os gravetos. As pedrinhas
podem ser utilizadas até quantas vezes?”
Dupla 1: “Quatro.”
Pesquisadora: “Quantas pedrinhas temos aqui?”
Dupla 1: “Uma.”
Pesquisadora: “Preciso fazer alguma troca?”
Dupla 1: “Não.”
Pesquisadora: “E os gravetos até quantas vezes podemos utilizar?”
Dupla 1: “Três.”
Pesquisadora: “Até três vezes né!”
Pesquisadora: “Então vamos somar os gravetos. Nós temos um, dois, três, quatro,
cinco gravetos. Então como passou de quatro gravetos nós vamos retirar quantos?”
Dupla 1: “Dois.”
Pesquisadora: “Mas se eu retirar dois gravetos não tem outra forma de representá-los
a não ser por dois gravetos mesmo. Não é porque eles podem ser utilizados até três
vezes que eu tenho que deixar sempre três e retirar todos os outros. Se eu retirar dois
gravetos e representar com uma pedra na casa seguinte eu vou estar retirando dez e
representando por vinte. O que temos que fazer é um agrupamento e representá-lo de
outra forma, mas sem alterar o seu valor, a sua quantidade.”
Fonte: Silva (2017).
Assim, podemos inferir essa dificuldade à potencialidade da História da
Matemática como fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem
epistemológica para se enfrentar certas dificuldades que se manifestam entre os
estudantes no processo de ensino e aprendizagem da Matemática escolar.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
A própria professora da turma relatou durante a realização da entrevista
algumas das dificuldades apresentadas pelos alunos, como é possível observar em
sua fala:
Professora: Eu não sei se não foi bem trabalhado no primeiro ano ou se
vem com a dificuldade porque não tem ajuda em casa mesmo, mas essa
turma tem muita dificuldade ainda, em Matemática inclusive. O maior
problema é com a interpretação, é interpretar uma situação problema, eles
também têm dificuldades na adição, mesmo na adição simples na subtração,
na hora de emprestar, meu Deus...
POTENCIALIDADES RELACIONADAS AO ALUNO
Nessa categoria incluem-se as potencialidades para o aluno, a saber: fonte de
busca de compreensão e de significados para o ensino e aprendizagem da
Matemática escolar na atualidade; fonte que possibilita a construção de atitudes
academicamente valorizadas; fonte que possibilita uma conscientização
epistemológica; fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido da
conquista da autonomia intelectual; fonte que possibilita o desenvolvimento de
um pensamento crítico, de uma qualificação como cidadão e de uma tomada de
consciência e de avaliação de diferentes usos sociais da Matemática; fonte que
possibilita uma apreciação da beleza da Matemática e da estética inerente a seus
métodos de produção e validação do conhecimento.
A partir do desenvolvimento da atividade com os materiais foi possível
verificar que os alunos estavam compreendendo a questão do valor posicional nos
sistemas, como podemos observar na explicação do aluno 1:
Quadro 2 Diálogo entre os alunos
Aluno 1: “Agora eu entendi, esse aqui é um ‘cem’, aqui é dois ‘dez’ que é vinte e aqui é
seis ‘um’ que é seis.”
Também no diálogo entre as alunas 3 e 4, quando a aluna 4 indica onde deve ser
colocado o palitinho que vai representar a centena:
Aluna 3: “Cento e quinze.”
Aluna 4: “Como é que é esse?”
Aluna 3: “Vai colocar um pauzinho.”
Aluna 4: “Ah, já entendi o jeito que é!”
Aluna 4: “Mas não é aí porque é cem esse a gente vai ter que ter aqui, oh!”
Na explicação da dupla 4 sobre o valor representado por outra dupla:
Pesquisadora: “Que número eles retiraram?”
Dupla 4: “Duzentos, mais zero. Duzentos e oito.”
Pesquisadora: “Porque duzentos e oito?”
Dupla 4: “Porque aqui óh, duas vezes cem, zero vezes dez e oito vezes um. É duzentos e
oito.
E na conversa entre as alunas 5 e 6:
Aluna 6: “Quatro mais quatro oito.”
Aluna 5: “Cada barrinha dessa vale dez.”
Aluna 6: “Então a gente não está somando quatro mais quatro, mas, quarenta mais
quarenta que dá oitenta.”
Fonte: Silva (2017).
Essa mesma potencialidade foi verificada por Oliveira (2009) que ao trabalhar
com artefatos históricos para subsidiar a formação dos professores dos primeiros
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
anos escolares concluiu que a História da Matemática possibilita a significação e
compreensão para o processo de ensino e aprendizagem.
Em nossa pesquisa também foi possível identificar uma tomada de autonomia
por parte dos alunos. No exemplo a seguir o aluno 1 contraria a opinião da aluna
2, mesma ela dizendo como a professora tinha explicado o que era para ser feito:
Quadro 3 Diálogo entre uma dupla
Aluno 1: “Quanto que a gente tirou? Cento e quanto?”
Aluna 2: “Cento e vinte e seis.”
Aluna 2: “Não tem o vinte será que a gente vai ter que utilizar o dois?”
Aluno 1: “Dois? Você não sabe de nada não.”
Aluna 2: “O cem vai ser aqui, o vinte aqui e aqui o seis.”
Aluno 1: “Nada a vê!”
Aluna 2: “A ‘pro’ acabou de falar!”
Aluno 1: “Não é não!”
Aluna 2: “É sim.”
Aluno 1: “Vamos ver então. Põe o cem aí então.”
Fonte: Silva (2017).
Ferreira (2011) em suas conclusões salienta que a história capacita as crianças
a construir seu pensamento lógico e senso criativo, para que possam questionar e
formar suas opiniões sobre determinado assunto, que foi o que aconteceu no
exemplo anterior quando o aluno toma sua posição independente do que sua
colega falou.
Ao discutir com os alunos sobre a utilização da Matemática e quem a utiliza
houve uma tomada de consciência dos alunos sobre os diferentes usos sociais da
Matemática, que antes era vista como apenas uma disciplina a ser estudada em
sala de aula e produzida por pessoas consideradas muito inteligentes.
POTENCIALIDADES RELACIONADAS AO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
DA MATEMÁTICA
Nessa categoria incluem-se as potencialidades da história para o processo de
ensino e aprendizagem da Matemática escolar, são eles: fonte que possibilita um
trabalho pedagógico no sentido de uma tomada de consciência da unidade da
Matemática; fonte para a compreensão da natureza e das características
distintivas e específicas do pensamento matemático em relação a outros tipos de
conhecimento; fonte que possibilita a desmistificação da Matemática e a
desalienação do seu ensino; fonte que possibilita a promoção da inclusão social,
via resgate da identidade cultural de grupos sociais discriminados no (ou excluídos
do) contexto escolar.
Além das potencialidades mencionadas nas outras categorias que também
contribuem para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática, a partir do
trabalho com a atividade foi possível verificar o papel da História da Matemática
como fonte para a compreensão da natureza e das características distintivas e
específicas do pensamento matemático em relação a outros tipos de
conhecimento, como por exemplo na fala do aluno quando ele diz “Mas esse aqui
oh é o dez, é o um que significa uma vez o dez.”. Na fala do aluno ele apresenta a
característica matemática do valor posicional.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
Também foram dados alguns exemplos de situações que contrariam a ideia
dos alunos de que a Matemática é desenvolvida e utilizada por pessoas específicas
e que ela não é sujeita a erros, tais como, na construção dos próprios sistemas de
numeração que eram sujeitos a inúmeras ambiguidades que tiveram que ser
sanadas a partir de mudanças e da inclusão do zero.
No diálogo a seguir temos um exemplo do pensamento dos alunos com
relação ao desenvolvimento da Matemática:
Quadro 4 Diálogo entre pesquisadora e aluno
Pesquisadora: “Por que vocês acham que conseguiriam criar um sistema de
numeração?”
Aluna: “Porque a gente inventa as coisas.”
Pesquisadora: “E a Matemática ela é produzida e utilizada por qualquer pessoa ou por
algumas pessoas específicas?”
Alguns alunos disseram ser produzida por todos e outros disseram que era por pessoas
específicas.
Pesquisadora: “Para quem acha que a Matemática é produzida por algumas pessoas
específicas quem seriam essas pessoas?”
Aluno: “Por nerds!”
Pesquisadora: “O pastor de ovelhas que criou uma forma de representar suas ovelhas
era um nerd?”
Alunos: “Não.”
Fonte: Silva (2017).
A resposta desse aluno reforça o pensamento de que a Matemática não é para
todos, como muitos acreditam. Nesse tipo de questionamento o professor pode
aproveitar para salientar como a Matemática é uma construção humana,
contextualizada.
Além disso, por meio da atividade foi possível mostrar aos alunos que o
sistema indo-arábico não é o único sistema de numeração existente,
oportunizando a eles realizarem agrupamentos e trocas entre ordens em
diferentes sistemas, fazerem comparações das semelhanças e diferenças entre
eles e perceberem as vantagens e a consistência do sistema que utilizamos hoje.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Com relação as potencialidades identificadas podemos afirmar, de forma
geral, que a atividade elaborada se mostrou como um material pedagógico com
amplo potencial para o trabalho com os sistemas de numeração, uma vez que
possibilitou aos alunos tralharem com as características de cada um dos sistemas
de numeração, comparando as semelhanças e diferenças entre eles, tudo isso com
o apoio do material manipulável que tornou a atividade mais lúdica aos
estudantes, dessa forma, o uso das informações históricas se apresentou como
uma sequência adequada de ensino para este tópico matemático.
Também foi possível identificar algumas dificuldades apresentadas pelos
alunos, como por exemplo na hora de realizar os agrupamentos e as trocas entre
ordens em que os alunos estavam operando de forma incorreta.
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Durante a implementação evidenciamos que os alunos estavam
compreendendo a questão do valor posicional nos sistemas de numeração. Ao
conferirem os valores retirados pelos colegas, nas conversas entre as duplas ou até
quando solicitado pela pesquisadora os alunos sabiam explicar o porquê da
representação de cada valor, indicando o que era as unidades, o que era as
dezenas e as centenas. Nas discussões entre as duplas também notamos uma
tomada de autonomia dos alunos ao utilizarem argumentos para justificarem que
suas respostas estavam corretas.
Houve uma tomada de consciência por parte dos alunos sobre os diferentes
usos sociais da Matemática que até então era vista apenas como uma disciplina a
ser estudada em sala de aula e produzida por pessoas específicas. Eles puderam
perceber esta disciplina como uma criação humana a partir das necessidades,
sujeita a erros e acertos e que se modificou conforme as necessidades se
modificavam.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
Activity on numbering systems based on
historical information: a teaching proposal
for the early years of elementary school
ABSTRACT
The article presents the results of a master's research developed in the Graduate program
in Education for science and Mathematics of the State University of Maringá - UEM,
concluded in the year 2017. The work intended to investigate the potential of the history of
mathematics in early years of elementary education from the use of an activity on
numbering systems. An activity was carried out with pupils of the fourth year of elementary
school of a public schools located in the municipality of Moreira Sales Paraná, considering
properties of the Mayan, Chinese and Indo-Arabic numbering systems. Through this
implementation we pursued to identify the pedagogical potentials of the history of
mathematics described by Antonio Miguel and Maria Angela Miorim in the book " História
na Educação Matemática: propostas e desafios " (2011) that were highlighted during the
activity. Three categories of analysis were created related to the potential of the material
worked for the teacher, for the student and for the teaching and learning process of
mathematics. Some of the potential identified in the implementation were: the historical
approach as a source of selection of sequences and appropriate methods of teaching for
different topics of school mathematics; the historical approach also was shown as a search
source, understanding and meaning for the teaching and learning of school mathematics
nowadays. The activity implemented showed a pedagogical instrument with the potential
to work with the numbering systems, as it enabled the pupils to work with the
characteristics of each of the numbering systems, compare the similarities and differences
among them, all this with the support of the hands-on material that made the activity more
playful to students, in this way, the use of historical information was presented as an
appropriate sequence of teaching for this mathematical topic.
KEYWORDS: History in mathematical education. Numbering system. Early years.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 336- 357, set./dez. 2018.
AGRADECIMENTOS
1
A literatura pode apresentar outras expressões equivalentes a materiais
manipuláveis como, por exemplo, jogos, materiais concretos, materiais didáticos.
Neste estudo adotamos a expressão materiais manipuláveis para indicar os objetos
físicos que possam ser utilizados para explorar características específicas de tais
materiais e estabelecer a associação dessas características com conceitos
matemáticos (SANTOS; MENDES SOBRINHO, 2016).
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Recebido: 31 jan. 2018
Aprovado: 14 jun. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.7704
Como citar:
SILVA, E. S. da; TRIVIZOLI, L. T. Atividade sobre sistemas de numeração baseada em informações
históricas: uma proposta de ensino para os anos iniciais do ensino fundamental. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3,
p. 336-357, set./dez. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Eliane Siviero da Silva
Rua José Gonçalves Campos n. 819 Belém, Moreira Sales, Paraná, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.