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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Modelagem matemática na educação
básica: a primeira experiência vivenciada
RESUMO
Derli Kaczmarek
derli.k@hotmail.com
orcid.org/0000-0001-9068-5901
Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG), Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Dionísio Burak
dioburak@yahoo.com.br
orcid.org/0000-0002-1345-1113
Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), Guarapuava, Paraná,
Brasil.
Este trabalho tem como objetivo analisar as interações realizadas entre aluno-aluno e
aluno-professor no decorrer do desenvolvimento de uma atividade de Modelagem, fazendo
alguns apontamentos no que se refere à primeira experiência da professora com esse tipo
de atividade. As atividades que compõem este artigo foram desenvolvidas com estudantes
do nono ano de Ensino Fundamental e fazem parte da dissertação de mestrado da autora.
Foram utilizados os referenciais de Burak para a condução das atividades com Modelagem
e de Vygotsky para a realização das análises. A pesquisa, de natureza qualitativa, analisa as
ações e interações vividas entre todos os sujeitos (estudantes e professora) em atividades
desenvolvidas com o uso dessa metodologia. Os resultados apontam que a Modelagem
Matemática reforça a criação de vínculos sociais, pois enfoca o desenvolvimento individual
no aspecto dinâmico e dialógico, bem como favorece a ocorrência da zona de
desenvolvimento proximal, evidenciando os postulados de Vygotsky.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Matemática. Modelagem Matemática. Ensino Fundamental.
Educação Básica. Vygotsky.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018.
INTRODUÇÃO
Sob o ponto de vista da natureza da Educação Matemática, Burak e Klüber
(2008) a consideram como uma Ciência Humana e Social reconfigurada de forma
complexa devido aos problemas referentes ao ensino e à aprendizagem da
Matemática. Os autores defendem um modelo de Educação Matemática que
contemple as diversas áreas que se incorporam e interagem no processo de ensino
e aprendizagem da Matemática, como a psicologia, a antropologia, a filosofia, a
sociologia, a língua materna, além da própria Matemática. Essa perspectiva
permite considerar a Matemática condicionada à Educação. Assim, se torna
relevante buscar um ensino de Matemática que tenha em vista a oportunidade de
uma aprendizagem mais dinâmica, um ensino mais consciente e crítico.
Com esses princípios a Educação Matemática se fundamenta na necessidade
de ponderar aspectos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem da
Matemática, como por exemplo, a capacidade cognitiva do sujeito que aprende, a
sua cultura, os fatores sociais e econômicos, entre outros. Para tal, além da
sociologia e da antropologia, são inegáveis as contribuições dadas pela psicologia
nesse campo de investigação.
Lev S. Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo bielo-russo que realizou várias
pesquisas sobre o desenvolvimento intelectual das crianças e a relevância das
interações sociais nesse processo. Vygotsky sublinhou a importância do processo
histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Por isso,
sua teoria recebeu o nome de socioconstrutivismo, sendo também denominada
de sociointeracionismo.
O sociointeracionismo é uma das teorias que sustentam a concepção de
Modelagem Matemática defendida por Burak (2010). Para o autor, a forma de
conceber a Modelagem, construída ao longo de sua carreira como docente e
pesquisador, atende aos objetivos de se trabalhar com a Modelagem como uma
metodologia de ensino para a Educação Básica. Essa visão se sustenta nas teorias:
construtivista, sociointeracionista e de aprendizagem significativa e em uma visão
epistemológica de Ciência que se alinha às perspectivas dos paradigmas: pós-
moderno, a partir dos estudos de Boaventura Santos e do pensamento complexo,
na perspectiva de Edgar Morin.
Foi nesse sentido que a Modelagem Matemática, no âmbito do trabalho
docente, passou a ser vivenciada pela autora em suas aulas com estudantes do
Ensino Fundamental. É válido salientar que a primeira experiência com a
Modelagem Matemática, foi vivenciada pela professora pesquisadora
concomitantemente em duas turmas distintas: uma turma de nono ano e outra no
sexto ano. Essas duas primeiras experiências fazem parte da sua dissertação de
mestrado cujo objetivo era descrever as ações e interações dos estudantes
proporcionadas pelas atividades da Modelagem Matemática e estabelecer
possíveis relações com a teoria de Vygotsky.
A escolha dessas turmas se deu em virtude da própria dinâmica em sala de
aula. Na turma de sexto ano os estudantes se mostravam participativos, gostavam
de auxiliar os professores em tarefas corriqueiras, de fazer registros escritos no
quadro de giz, porém eram extremamente agitados e apresentavam dificuldade
em se concentrarem nas atividades realizadas. Na turma de nono ano os
estudantes se mostravam apáticos e desinteressados. A participação no
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desenvolvimento de atividades era limitada a uma pequena minoria, os demais
apenas reproduziam o que era feito. As atividades que mais gostavam de realizar,
segundo seus depoimentos, era copiar atividades do livro. As aulas de matemática,
portanto, não eram as preferidas.
Entendemos a grande importância da adolescência na vida dos nossos
estudantes. Vygotsky (1996) pondera que o aspecto chave que caracteriza o
pensamento adolescente é a capacidade de assimilar (pela primeira vez) o
processo de formação de conceitos, que permitirá ao sujeito sua passagem a uma
nova e superior forma de atividade intelectual. É dessa maneira que eles
investigaram e teorizaram sobre um determinado assunto, e com base
principalmente neles, tentaram confirmar seus pontos de vista pessoais.
No entendimento da professora pesquisadora, esses são anos escolares que
merecem grande estudo e atenção, pois são os polos com maior índice de
preocupação: o sexto ano pelo alto percentual de reprovação e o nono ano, pelo
desinteresse demonstrado pelos estudantes. De acordo com Alves-Mazzotti (2002,
p. 162) a escolha dos participantes é proposital na pesquisa qualitativa, pois, “o
pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo e também
das condições de acesso e permanência no campo e disponibilidade dos sujeitos”.
Nesse trabalho, revisitamos a atividade desenvolvida com o nono ano,
entendendo a sua contribuição frente aos desafios superados ao rompermos com
uma maneira tradicional de conduzirmos as aulas de matemática. Entendemos a
necessidade da busca constante da melhoria da qualidade do ensino. Por isso,
defendemos o uso de alternativas metodológicas, em especial da Modelagem
Matemática, com vistas aos ganhos científicos e pedagógicos proporcionados aos
estudantes. Em nossa opinião, entre usarmos a Modelagem Matemática ou outra
metodologia, o grande prejuízo pedagógico está em não se utilizar nenhuma delas.
A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada na perspectiva de Bogdan e
Biklen (1994). Os autores relatam que, primeiramente, a investigação qualitativa
surgiu de um campo dominado por práticas de mensuração, elaboração de testes
de hipóteses variáveis etc., mas “[...] alargou-se para contemplar uma metodologia
de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o
estudo das percepções pessoais” (1994, p. 11). Essa metodologia também pode
ser denominada naturalista, pois o investigador frequenta o ambiente em que se
verificam os fenômenos nos quais está interessado, incidindo os dados recolhidos
nos comportamentos das pessoas e em suas interações com o meio e os demais
sujeitos, construindo seus repertórios de significados.
As anotações no diário de campo e os depoimentos dos estudantes fazem
parte do material de análise.
Como resultado a pesquisa reforça a importância, para os estudantes, da
realização do trabalho docente a partir da perspectiva do interesse e do trabalho
em grupo para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática,
proporcionados pelo uso da Modelagem. Ações como autonomia, criticidade,
criatividade, atenção, memória, raciocínio, percepção, diálogo e interações,
decorrentes de trocas e auxílios, foram evidenciadas entre os sujeitos envolvidos.
A Modelagem Matemática reforçou a criação de vínculos sociais, enfocando o
desenvolvimento individual no aspecto dinâmico e dialógico favorecendo o
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aparecimento da zona de desenvolvimento proximal, conceito defendido por
Vygotsky (1991).
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA
A primeira atividade desenvolvida com a Modelagem Matemática se deu a
partir dos questionamentos sobre a própria postura docente aliada à necessidade
de tirar os estudantes da inércia intelectual em que permaneciam. Tais desejos
foram maiores do que a insegurança e o medo de romper com uma forma usual
de ensino. Como suporte para o desenvolvimento e encaminhamento da
Modelagem Matemática, utilizamos as cinco etapas sugeridas por Burak (2010):
escolha de um tema;
pesquisa exploratória;
levantamento dos problemas;
resolução dos problemas e o desenvolvimento do conteúdo
matemático no contexto do tema;
análise crítica das soluções.
Dessa forma, para a escolha do tema foi feita uma proposta aos estudantes
para que escolhessem um assunto do interesse deles, sobre o que gostariam de
aprender nas aulas de matemática. Esse questionamento causou espanto em
alguns: “Você está louca, professora?” Na opinião deles, o professor era quem
deveria decidir isso.
Após insistir sobre a mesma pergunta, as respostas alternaram entre “nada”,
“não sei” e “qualquer coisa”. Então foi pedido que cada estudante dissesse o que
mais gostava de fazer. As repostas foram: jogar videogame e dormir (6 estudantes
para cada resposta) ouvir música, assistir TV e não fazer nada (5 estudantes para
cada resposta), ficar no computador (4 estudantes) e comer (1 estudante).
Foi, então, pedido a eles que se reunissem em grupos de três ou quatro
participantes para fazer uma apresentação na sala, para os colegas, sobre o que
mais gostavam de fazer. Imediatamente a turma se agitou para formar os grupos,
quase sem prestar atenção no que foi solicitado.
- Mas sobre o quê, professora?
- O que a gente deve fazer?
Todos ficaram agitados e queriam que fosse decidido pela professora sobre
qual assunto deveriam apresentar. Pediram nova votação, mas nessa votação eles
se mostraram mais pensativos e apenas três temas apareceram: música, futebol e
comida.
Na aula seguinte, aconteceram as apresentações. Os temas apresentados
pelos estudantes foram música e futebol, o grupo que escolheu o tema comida
acabou desistindo deste tema. Para as apresentações os grupos se utilizaram de
músicas, vídeos, cartazes, desenhos, todos com muita criatividade, porém pouca
explanação oral. Após cada apresentação, os grupos que assistiam, faziam uma
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avaliação escrita dizendo o que mais gostaram ou não em cada apresentação e que
nota de 0,0 a 2,0 dariam ao grupo.
Terminadas as apresentações, os comentários escritos pelos grupos foram
lidos e alguns debates surgiram sobre as questões apresentadas. A turma concluiu
que as apresentações que mais atraíram a atenção de todos foram sobre futebol.
Algumas questões foram surgindo: todos gostam de futebol? Quais os times de
maior torcida? E na sala de aula? Qual estudante da turma já tinha assistido a um
jogo em um estádio? Existia algum estádio no município? Quais as diferenças entre
um campo e uma quadra para jogar futebol? Quem na turma conhecia um
estádio? Qual era o tamanho oficial de um campo de futebol?
Na aula seguinte, iniciou-se a pesquisa exploratória: todos os grupos deveriam
pesquisar as medidas oficiais de um campo de futebol, fazendo o croqui de um
campo. Foi observado que, mesmo sendo solicitada apresentação dos croquis por
grupos, apenas três estudantes (de grupos diferentes) não haviam feito a atividade
individualmente. Fato este que já mostrou o envolvimento da turma, porém
denotou a falta de entrosamento e a ausência de negociação entre os estudantes
em seus grupos. Outro motivo de entusiasmo e alvoroço se deu pelo fato de que
alguns estudantes tinham usado medidas diferentes uma vez que é considerado
um tamanho mínimo e um máximo para o comprimento e largura de um campo
de futebol, não existindo uma única medida oficial.
Um dos estudantes quis saber se algum colega tinha ido a um estádio de
futebol. Como a resposta foi negativa, então foi sugerido por um deles que a turma
fosse aa quadra esportiva para medi-la e para poder comparar as medidas entre
a quadra e o campo oficial. A ideia foi aceita também com muito alvoroço (as aulas
de matemática habitualmente eram na própria sala ou raramente, no laboratório
de informática). A turma foi à quadra.
Nesse momento, a professora pesquisadora ficou em dúvida se deveria
orientá-los sobre como e com quais instrumentos realizarem a medição, mas como
estavam muito empolgados, achou melhor não interferir como forma de incentivá-
los a fazerem suas escolhas.
Para obterem as medidas, alguns estudantes usaram régua, outros passos,
outros pés. Outro lembrou que a professora usava uma régua de madeira, maior
do que as que eles possuíam e pediu emprestada. Uns observavam aos outros para
verem se alguém tinha uma ideia melhor de como medir a quadra. Quando o
primeiro grupo terminou, foi questionado pelos colegas porque haviam medido
metade da quadra. Ao darem a resposta que “a outra metade era igual, deveria ter
a mesma medida” alguns saíram explicando para os outros que não precisariam
medir o restante da quadra. Alguns estudantes se dirigiram à professora para
confirmar a possibilidade de não precisar medir o outro lado da quadra.
Na sala novamente, iniciou-se o levantamento do problema. A turma foi
questionada sobre o que fazer com os dados obtidos e um dos estudantes sugeriu
que fosse feita uma comparação do tamanho da quadra e do campo oficial. Os
grupos se reuniram com o objetivo de calcular a diferença entre a quadra da escola
e o campo oficial, considerando as medidas máximas permitidas. Nos cálculos
encontraram muita dificuldade nas operações com números racionais decimais. A
presença da professora nos grupos para auxílio nos cálculos foi muito solicitada, o
que gerou muito barulho.
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Havia pequenas diferenças, nas medidas do comprimento e da largura da
quadra, encontradas pelos grupos: 30,25m x 16m; 30,16m x 14,45m; 29,88m x
16,96m. As diferenças entre as medidas do campo oficial e da quadra foram
calculadas pelos estudantes, mas ao perguntar, em um dos grupos, quanto 89,75
m representava em relação à distância entre dois pontos, eles não sabiam
aproximar.
Optou-se pelo trabalho com a medida encontrada pelo próprio grupo, mesmo
diferenciando dos demais, para garantir que um grupo não buscasse no outro as
respostas prontas. As diferenças foram discutidas e constatadas pelos discentes,
como encontradas pela falta do uso de uma medida e de um instrumento padrão.
As medidas do comprimento e da largura da quadra, das medidas máximas
oficiais e as diferenças encontradas pelos grupos foram escritas no quadro em
forma de tabela e com o uso de calculadora, foram feitas as intervenções e
correções sobre os cálculos das diferenças encontradas. Também se aproveitou o
momento para o trabalho da leitura correta das medidas, realização das operações
com decimais e uso da vírgula na calculadora.
Outra questão surgiu nos debates, no decorrer das atividades: quantas
quadras caberiam dentro de um campo oficial? Para resolução deste problema, foi
solicitado que cada grupo usasse as medidas encontradas para descobrir quantas
quadras caberiam dentro de um campo. Para garantir o anonimato dos estudantes
utilizou-se convencionar chamá-los A1, A2, A3, A4, ... A32, não havendo
correspondência com o número da chamada.
Um estudante falou:
sei: basta dividir o comprimento do campo pelo comprimento da quadra.
(A1)
E a medida do outro lado? (A2)
Também dividimos. (A1)
E se os resultados forem diferentes? (A3)
Vamos dividir pra saber. Podemos usar a calculadora, professora? (A2)
Utilizando as medidas de um dos grupos, foram anotados os registros das
divisões no quadro. Em seguida, foi perguntado aos estudantes o que o resultado
de cada uma representava.
Cabem quase quatro comprimentos e mais de cinco larguras da quadra no
campo. (A4)
E o que queremos saber? (professora)
Quantas quadras cabem no campo? (A5)
Podemos dar a resposta que estamos procurando? (professora)
Temos que usar o espaço dentro do campo. (A5)
Professora, isso não é área? (A5)
Claro, temos que dividir as duas áreas. (A6)
Alguns participantes perguntavam se para encontrar a área deveriam
multiplicar ou somar as medidas (confusão entre os conceitos de perímetro e área
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de uma figura geométrica plana). Para tentar esclarecer essa dúvida foi pedido que
cada estudante recortasse um retângulo, de tamanho diferente do colega do
grupo, em um papel quadriculado. Em seguida descobrissem quantos
quadradinhos havia dentro dele. Após os comentários, explicações e
esclarecimento de dúvidas, foi solicitado que transformassem os retângulos em
dois triângulos idênticos e em seguida foi perguntado qual seria então a área de
cada triângulo. Foram construídos os modelos matemáticos das áreas do
quadrado, retângulo e triângulo. Perguntado aos estudantes quem lembrava já ter
usado algum deles, 23 levantaram a mão.
Muitos assuntos surgiram nas aulas posteriores: operações, principalmente
com números racionais decimais, simetria, comparações, aproximações, cálculos
envolvendo circunferências, triângulos, perímetros e áreas, todos surgidos a partir
das questões iniciais: quantas quadras caberiam dentro de um estádio de futebol?
A maior dúvida docente, naquele momento, referente ao uso da modelagem,
era sobre o fato de que um assunto dava início ao outro. Isso estava correto? Não
deveria ser programado antecipadamente o tempo para cada atividade? Até
quando as atividades se desenrolariam? Havia-se perdido o controle das aulas?
A resposta sobre o número de quadras que caberiam dentro de um campo
oficial de tamanho máximo, foi de 22 para a maioria dos grupos.
Como análise crítica das soluções, podemos registrar que muitas questões
foram aparecendo no desenvolvimento da atividade e que ultrapassaram o
problema sobre as dimensões de um campo de futebol: a distância percorrida por
um jogador durante 90 minutos de jogo e as profissões que mais exigem
condicionamento físico, o preço do ingresso para assistir um jogo de futebol e o
valor de um salário mínimo, o salário dos jogadores e o salário de um trabalhador
comum, as atividades voluntárias beneficentes desenvolvidas por alguns jogadores
e o mau comportamento de outros.
Após as discussões, uma delas até mesmo sobre a importância do futebol,
surgiu a ideia de se fazer uma pesquisa na escola para conhecer a opinião dos
outros colegas da escola: qual seria o time vencedor no Campeonato Brasileiro de
Futebol, o “Brasileirão”? Qual o time com maior torcida na escola? Foi, então,
organizada uma pesquisa com 10 perguntas e com visitas a todas as nove turmas
do bloco dos anos finais do Ensino Fundamental.
As questões usadas nas entrevistas, elaboradas com sugestões dos próprios
estudantes na sala de aula, foram as seguintes:
Você gosta de futebol? ( ) sim ( ) não
Você acha que o futebol é uma maneira de tirar /evitar que os jovens se
percam nas drogas? ( ) sim ( ) não
Você concorda com os investimentos na copa-2014? ( ) sim ( ) não
Se acha que se deveria investir mais na saúde, educação e outros ( ) não
Idade-
Cidade onde nasceu-
Time preferido-
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O que influenciou a “escolha do time”?
Nome de um jogador-
Nome de um estádio-
Palpite para o campeão 2012-
Ao entrar nas salas, com as devidas autorizações dos professores regentes,
cada participante dirigia-se a um estudante da sala e o entrevistava. Após
percorrer todas as turmas coletando as respostas, as atividades eram retomadas
pelos grupos na sala de aula onde foram tabulados os dados obtidos. Depois disso,
no laboratório de informática foram construídos gráficos referentes às respostas
obtidas pelos grupos.
ANÁLISE DA ATIVIDADE
Uma das dificuldades observadas no início do trabalho foi referente à escolha
do tema. Os estudantes, usualmente, m sua participação limitada aos
questionamentos ou pareceres no decorrer dos assuntos abordados. Nesse
sentido, observamos que possibilitar a eles a escolha de um tema para ser
trabalhado lhes causou estranheza e desconforto. Além disso, em turmas do
ensino regular, cujas salas normalmente são superlotadas, é necessário ter muita
experiência com trabalhos em Modelagem Matemática para desenvolver
atividades com variados temas de suas escolhas. Contudo, constatamos que há
maneiras de fazer com que temas despertem o interesse da maioria dos
estudantes. Como exemplo, ao organizarem as apresentações os estudantes se
envolveram dando sugestões e avaliando os trabalhos e as posturas dos colegas.
Para Burak (2012, p. 88), “A Modelagem Matemática constitui-se em um
conjunto de procedimentos cujo objetivo é construir um paralelo para explicar,
matematicamente, os fenômenos presentes no cotidiano do ser humano,
ajudando-o a fazer predições e tomar decisões”. Nesta perspectiva, o interesse do
grupo de pessoas envolvidas e a coleta de dados onde se o interesse desse
grupo, são as premissas a serem consideradas. A primeira premissa se faz presente
no campo da Psicologia, uma vez que nossas ações, muitas vezes, são motivadas
pelo interesse e esta premissa sustenta as etapas da Modelagem, propostas por
Burak.
Sob o ponto de vista do interesse, segundo Dewey (1983, p.153), não quem
possa negar que a doutrina da disciplina imposta falhou. “É absurdo supor que uma
criança conquiste mais disciplina mental ou intelectual ao fazer, sem querer,
qualquer coisa, do que ao fazê-la, desejando-a de todo o coração”. O autor afirma
que novos conhecimentos são resultados de uma experiência educativa reflexiva
que deve seguir pontos essenciais: a experimentação numa verdadeira situação,
na qual haja interesse, e um problema a ser resolvido, que o estudante possua
conhecimentos para agir e tenha a oportunidade de comprovar suas ideias. Para o
filósofo, a inteligência possibilita ao homem a capacidade de transformar o
ambiente ao seu redor.
Vale lembrar que a escolha do tema de interesse do grupo e a busca de dados
onde se o interesse são as ações desenvolvidas na Modelagem Matemática a
partir da interação entre os sujeitos envolvidos.
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Segundo Burak (2010), na forma usual o processo de ensino é deflagrado pelo
professor. na Modelagem Matemática, o processo é compartilhado com o grupo
de estudantes, pois sua motivação acontece a partir do tema de seu interesse. Daí
decorre maior interesse do grupo pelo fato de compartilharem o processo de
ensino, escolhendo aquilo que gostariam de estudar, tendo a oportunidade de se
manifestar, discutir e propor alternativas. Esse é um dos grandes aspectos
diferenciadores na prática educativa mediada pela Modelagem na Educação
Matemática. Além disso, ocorre maior interação no processo de ensino e de
aprendizagem. Para a aprendizagem, tal procedimento resulta em ganho, pois os
grupos trabalham com aquilo que gostam e que para eles apresenta significado,
tornando-se corresponsáveis pela aprendizagem.
A importância do outro no desenvolvimento do indivíduo é explicitada nos
estudos de Vygotsky. O mediador auxilia a criança a consolidar o desenvolvimento
que está próximo (zona de desenvolvimento proximal), ou seja, ajuda a
transformar o desenvolvimento potencial (àquilo que a criança pode realizar com
auxílio de outro indivíduo) em desenvolvimento real (conquistas consolidadas,
capacidades ou funções realizadas sem auxílio de outro indivíduo). São as
aprendizagens que ocorrem na zona de desenvolvimento proximal que
contribuem com que a criança/estudante se desenvolva cada vez mais.
A Modelagem Matemática associa-se também a um ensino que se direciona
para as funções psicológicas emergentes ao atuar no limite da zona de
desenvolvimento proximal, estimulando os processos internos maturacionais que
terminam por se efetivar, passando a constituir a base para novas aprendizagens
(SINDER, 1997). Como é a aprendizagem que promove o desenvolvimento
intelectual, a matemática pode ser entendida como a via pela qual as funções
superiores são desenvolvidas.
Outra dificuldade vivenciada diz respeito à elaboração da questão central, face
às diversas questões propostas pelos estudantes. De fato, esse seria o ponto
principal a partir do qual seriam revisitados ou abordados novos conteúdos. No
entanto, discutir questões levantadas pelo grupo de estudantes não era uma
dinâmica usual, geralmente as questões a serem estudadas eram previamente
decididas pela professora, ou seja, as aulas já estavam preparadas.
Num cenário totalmente novo, a imprevisibilidade decorrente da Modelagem
Matemática gera insegurança. Segundo Edgar Morin, dois meios pelos quais
podemos enfrentar a incerteza. O primeiro se refere à total consciência da aposta
na decisão, o segundo à estratégia. Assim, a consciência da incerteza torna-se
consciência de uma aposta na qual a estratégia deve prevalecer sobre o programa,
pois o programa gera uma sequência de ações a serem executadas em um
ambiente estável, sem variações. Caso haja modificações das condições externas,
o programa fica impedido. Ao contrário, a estratégia permite um cenário que
analisa as certezas e incertezas, as probabilidades e improbabilidades da situação.
As informações recolhidas, os acasos e contratempos representam boas
oportunidades encontradas ao longo deste caminho que podem e devem ser
utilizadas para modificar esse cenário. Contudo, no cerne de nossas estratégias,
podemos utilizar curtas sequências programadas, “mas, para tudo que se efetua
em ambiente instável e incerto, impõe-se a estratégia. Deve, em um momento,
privilegiar a prudência, em outro, a audácia e, se possível, as duas ao mesmo
tempo”. (MORIN, 2000, p.90).
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Outro ponto a ser considerado, talvez pela própria inexperiência ao uso da
Modelagem, foi o tempo despendido às atividades. Respondida uma questão,
outra era iniciada automaticamente, gerando certa insegurança ao fato de se estar
ou não desenvolvendo a Modelagem de forma mais apropriada. Essas e outras
dúvidas foram relatadas ao professor orientador, o qual afirmou que com o uso
frequente da Modelagem certas dúvidas iriam se dissipando e o interesse da turma
sobre o assunto é que determinaria, em última instância, o tempo de duração de
uma atividade. Da mesma forma, o fato de surgirem muitos problemas, e o
professor considerar que pode perder o controle, faz com que o professor perceba
que precisa ter clareza que uma atividade de modelagem pode abrir muitas
perspectivas de estudos, por ser temática envolve também, quando o professor
permite e favorece. Dessa forma, com a experiência vai conseguindo trabalhar
essas dúvidas e adquirir segurança.
A Modelagem Matemática, na visão de Burak (2010, p.36) “satisfaz as
necessidades de um ensino de matemática, mais dinâmico, revestido de
significado nas ações desenvolvidas, tornando o estudante mais atento, crítico e
independente”. Ao mesmo tempo, favorece a construção do conhecimento
matemático pelas inúmeras possibilidades de um mesmo conteúdo ser visto várias
vezes no decorrer do desenvolvimento de um tema.
Para Bruner (1999), a motivação e o envolvimento com o conhecimento
matemático pode aumentar o interesse do estudante por essa área do
conhecimento quando se estabelecem conexões múltiplas entre as várias partes
desse saber. O autor afirma que a compreensão apropriada de qualquer aspecto
do conhecimento sugere certo domínio das estruturas subjacentes ao mesmo,
influenciando a generalização na aplicação e alteração de estratégias que deverão
ser encorajadas, visando o aumento da probabilidade de reelaboração de
conceitos prévios adquiridos.
Sob o olhar da teoria de Vygotsky, o professor tem a importante função de
mediar e possibilitar as interações entre os estudantes e o objeto de
conhecimento. Cabe a ele a promoção de situações que incentivem a curiosidade
e permitam o aprendizado dos estudantes.
Com a realização das atividades utilizando a Modelagem Matemática
observamos um grande progresso quanto ao relacionamento dos estudantes que,
até então, se mostravam apáticos e desinteressados. A proximidade com os
estudantes possibilitou a observação de situações de troca e de auxílio, além do
limiar de cada estudante, para mediação do professor na construção de conceitos.
Esses fatos foram validados nos depoimentos escritos pelos estudantes após a
conclusão das atividades. É o que se evidencia também nas conversas, registradas
no diário de bordo, entre colegas dos grupos: “precisamos conferir o número de
sim e de não das entrevistas para ver se tem o total de entrevistas(grupo 1);
“cara, essa tua vírgula está no lugar errado, você escreveu 26,0 m e é 2,60m. A
altura da trave é um pouco menor que a altura dessa sala e 26 m sei lá, acho que
é um prédio” (grupo 2; “acho que todos devem anotar as respostas, daí a gente só
confere os resultados” (grupo 3). Nas situações, podemos recorrer ao conceito de
zona de desenvolvimento proximal. Para um dos estudantes, o estabelecimento
de igualdade entre o número de entrevistados e respostas já faz parte do seu nível
de desenvolvimento real. Porém, para o outro, representa um nível a ser atingido
sob a colaboração de um companheiro. Observamos os estudantes fazendo uso de
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noções matemáticas fazendo estimativas, comparações, atuando na zona de
desenvolvimento proximal com outro estudante, mostrando que a mediação não
se estabelece apenas com o professor, mas muitas vezes com outros colegas do
mesmo grupo e de outro grupo, nos diálogos.
O mesmo acontece em relação à altura da trave e na sugestão dada por um
dos colegas. Não se trata de apontar um erro do colega ou simplesmente comparar
as resoluções, é preciso ter desenvolvido conceitos para estabelecer relações entre
o conjunto universo de entrevistados e os dados escritos, assim como no outro
caso, estimarem a distância da medida registrada para relacioná-la com o objeto
real. Esses depoimentos sinalizam os diferentes estágios de desenvolvimento das
funções cognitivas superiores dos estudantes.
Consideramos também que tais diálogos dificilmente seriam observados em
uma aula conduzida de uma forma tradicional, pois, o que se observa é que os
mesmos estudantes se destacam dando sugestões e respostas no
desenvolvimento de atividades coletivas.
O favorecimento da troca e da colaboração entre os estudantes, propiciada
pela Modelagem Matemática, é também uma categoria presente nas
manifestações dos estudantes, como em A5, ao afirmar que: “... foi uma coisa
muito diferente e interessante e tivemos todos juntos e unidos para que
pudéssemos medir a quadra e eu gostei muito de trabalhar uma coisa diferente...”.
De acordo com o pensamento vygotskyano, o ato de pensar é profundamente
ligado ao ato conhecer e ambos fazem parte do processo de aprendizagem. Na
aquisição do conhecimento, a construção de significados decorre da capacidade
de articular linguagem e pensamento numa relação socializada, pois os significados
são construídos socialmente e a palavra, enquanto signo linguístico aproxima os
seres.
Compreendemos que o favorecimento da troca e da colaboração se por
meio do diálogo. A linguagem, como necessidade da vida social, é consolidada na
interação produzindo e expressando sentidos e significados, e por essa razão:
habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas
difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema
antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras
se constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato
social com outras pessoas. (VYGOTSKY, 1991).
Em outro depoimento o A4, por exemplo, afirmou que perdeu a vergonha
falando de um assunto que agrada a todos. Em nossas observações, registramos o
isolamento de alguns estudantes que não queriam sair da sala para entrevistar as
outras turmas. Esse estudante (A4), habitualmente muito tímido, não queria entrar
na turma em que foram realizadas as primeiras entrevistas afirmando que tinha
vergonha. Foi então, encorajado pela professora a procurar na sala desconhecida
um amigo, colega, conhecido ou alguém que também estivesse isolado, porque
ninguém o conhecia para ser entrevistado. O estudante parou na porta
discretamente e disse que conhecia um dos meninos daquela sala e que era seu
vizinho: foi o seu primeiro entrevistado. Na mesma sala, o A4 fez também a sua
segunda entrevista. Nas outras turmas, passou a agir da mesma maneira: da porta
olhava para a turma (parecia procurar um conhecido) e entrava.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018.
Primeiramente, entende-se que a metodologia possibilitou a oportunidade de
fazer um trabalho diferenciado. O participante mostrava-se tímido, mas pela
dinâmica da atividade de Modelagem Matemática, superou, ao menos naquele
momento, a timidez, conforme relatado por ele: “Eu achei interessante essas
pesquisas, porque eu perdi a vergonha e conheci melhor as pessoas, falando de
um assunto muito bom que é o futebol que é a paixão dos brasileiros”. O trabalho
diferenciado propiciado pela Modelagem favorece o diálogo, o desenvolvimento
da autonomia e as trocas de experiências. Enfim, permite um ensino indissociado
da pesquisa e desenvolve nos estudantes a segurança, o incentivo. Entendemos
que tudo isso decorre por partir de temas de interesse do estudante ou do grupo.
Em relação ao sentimento de vergonha manifestado pelo estudante vamos
analisar pelo âmbito do diálogo, com relação à linguagem e aos signos. Segundo
Pimentel (1999), a noção de internalização se dá no processo dialógico, que
permeia os encontros intersubjetivos, considerando como “linguagem” todo e
qualquer tipo de sistema de sinais linguísticos capaz de produzir comunicação
humana. A comunicação vivenciada e relatada pelo estudante pode, então, ser
caracterizada como o instrumento primordial de mediação entre o social e o
individual. Evidencia-se assim, que na atividade em grupo a comunicação
propiciada pela metodologia da Modelagem Matemática na Educação
Matemática, representou uma ação primordial de mediação entre o social e o
individual. Para Vygotsky (2007), a sociabilidade da criança é o ponto de partida de
suas interações com o entorno. O espaço escolar é um dos cenários onde as
crianças e, no nosso caso, adolescentes, exercitam a sociabilidade.
A linguagem, como necessidade da vida social é consolidada na interação
produzindo e expressando sentidos e significados como se constata na
manifestação de A9, “treinamos a conversação, como se fosse para vender algo às
pessoas que você não conhece”. O depoimento de A9 nos remete ao depoimento
de A4: ao vencer a timidez para entrevistar os colegas da escola, o estudante
desenvolvia e exercitava a conversação, o que pode ser considerado um indicador
de sucesso no que se refere à apropriação da linguagem. Como citamos
anteriormente, a linguagem constitui-se no instrumento semiótico mais
desenvolvido e a apropriação e o domínio pelos estudantes, desse e de outros
instrumentos de mediação, são indicadores de sucesso, pois representam fonte de
desenvolvimento. Esse é um fator de grande relevância para nós educadores e
como se observa, foi favorecido pela Modelagem.
Os depoimentos dos estudantes mostraram aquilo que na Modelagem
Matemática se apresenta como um dos pontos fortes dessa metodologia: a
interação entre participantes pertencentes a cada grupo, participantes dos
diversos grupos e professor da classe e, no caso em análise, com os estudantes de
outras turmas da escola.
No âmbito da aprendizagem a importância da interação é tratada por
Vygotsky. Como afirma Camargo (1999, p.67), O homem se torna sujeito da
história, parte integrante do grupo social ao qual pertence na medida em que
participa ativamente dele”. Como observado no depoimento de A5, “Estivemos
todos juntos e unidos para que pudéssemos medir a quadra”, estabelecendo
interações com seus pares; trocando informações e conhecimentos; negociando
significados, sentidos atribuídos aos fatos, objetos e pessoas com as quais convive.
Isso também se verifica no depoimento de A8 quando manifesta: “Eu gostei muito
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018.
na hora que saímos da sala para ver o que os outros estudantes achavam sobre
futebol, isso distraiu muito e juntou duas coisas futebol com matemática”. Verifica-
se nitidamente a dinâmica troca de informações, entre os estudantes, bem como,
o sentido atribuído ao fato relacionado sobre futebol, além da troca de
informações em relação aos times de futebol. A interação favorecida nas
atividades de Modelagem permitiu também estabelecer uma visão que supera a
disciplinar, tão comum e constante nas aulas atuais.
Outra experiência vivenciada pelos estudantes foi a possibilidade de
confrontação daquilo que ele pensa com o que pensam os colegas, seu professor
e demais pessoas com quem convive, conforme descrito por A15 “..., só não achei
legal, porque meu time não apareceu muito nessa pesquisa, achei legal também
porque deu pra saber que time é mais torcido na escola e tal”, e reafirmado por
A16 “... interessante saber o que os estudantes acham sobre os assuntos
pesquisados por nós”. É uma forma de oportunizar aos estudantes a formulação
de argumentos (dizendo, descrevendo, expressando), de comprová-los
(convencendo, questionando) e de compará-los. Além da interação entre
professor e estudante, a interação entre os próprios estudantes desempenha
papel fundamental na formação das capacidades cognitivas e afetivas. Sob o olhar
de Vygotsky (1991), o professor tem o papel de mediador e possibilitador das
interações entre os estudantes e o objeto de conhecimento. Cabe a ele a
promoção de situações que incentivem a curiosidade e permitam o aprendizado,
ou seja, que despertem o interesse dos estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob a perspectiva de Bogdan e Biklen (1994, p. 49) de que “a abordagem da
investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que
nada é trivial” procuramos as evidências de que tudo tem potencial para construir
uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do
nosso objeto de estudo”. Mesmo considerando as próprias limitações, buscamos
desvendar “o modo como as expectativas se traduzem nas actividades,
procedimentos e interações diários”.
De acordo com Vygotsky (2007), é indispensável a compreensão das relações
intrínsecas entre as tarefas externas e a dinâmica do desenvolvimento, e da
consideração da gênese dos conceitos como função do crescimento cultural e
social global da criança, que afeta não apenas o conteúdo, mas também o seu
modo de pensar. A internalização, desse modo, pode ser relacionada à motivação
e ao despertar do interesse, visto que ela é, para Vygotsky, a reconstrução interna
de uma operação externa.
Entendemos que os estudantes são mobilizados a partir de atividades
externas que os motivem. Essa é a proposta de encaminhamento metodológico
definido pela Modelagem Matemática. Assim, a Modelagem Matemática na
Educação Matemática pode também ser justificada por vir ao encontro da
natureza do ser humano, membro de uma espécie biológica que só se desenvolve
no interior de um grupo cultural, segundo os postulados de Vygotsky. Da mesma
forma a Modelagem sublima o entendimento de Vygotsky que, para o
desenvolvimento do indivíduo, as interações são, além de necessárias,
fundamentais.
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Uma das ações observadas com a Modelagem Matemática foi o
desenvolvimento da autonomia nos estudantes. Na realização das atividades em
grupo, os estudantes começaram a interagir e a tomar decisões, buscando o auxílio
da professora somente quando tinham alguma dúvida ou discordavam entre si. É
o que foi observado, por exemplo, na tabulação dos dados coletados pelos grupos
e na construção dos gráficos. As situações verificadas facilitaram o
desenvolvimento e construção dos conteúdos matemáticos e possibilitaram a
definição da zona de desenvolvimento proximal permitindo “delinear o futuro
imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o
acesso não somente ao que foi atingido através do desenvolvimento, como
também àquilo que está em processo de maturação” (VYGOTSKY, 2007, p. 98).
Elencamos, então, de maneira mais compacta algumas categorias,
estabelecidas a partir das ações e interações dos estudantes observadas no
decorrer das duas atividades desenvolvidas com a Modelagem Matemática, sob o
referencial Vygotskyano:
favorecimento do diálogo reiterando a comunicação como
instrumento de mediação entre o social e o individual;
favorecimento da troca e da colaboração com o outro mais
experiente;
internalização de conceitos através do enfrentamento de situações
adversas.
São aprendizagens que, por partirem de temas do interesse dos estudantes,
vão para além do conteúdo matemático favorecendo e estimulando as dimensões
antropológicas. Por exemplo, na cultura exposta pelo tema, nas diferenças
individuais, no estabelecimento das relações, entre outros possibilitando o
desenvolvimento da sociabilidade;
manifestação da emancipação e da autonomia através da escolha do
tema, dos grupos, dos problemas e das estratégias de busca de
solução;
construção do processo de ensino e aprendizagem a partir dos
interesses dos estudantes.
No que se refere à realização da primeira atividade com Modelagem
Matemática pela professora, desafios precisaram ser superados. Entre eles,
possibilitar aos estudantes tomarem decisões sobre os encaminhamentos das
aulas, sobre a condução das atividades e a busca das soluções dos problemas
elencados por eles. Essa dinâmica exige uma postura diferente do professor, que
apesar de gerar uma grande insegurança decorrente da imprevisibilidade, abre
caminhos que possibilitam maior interação entre professor e os estudantes, entre
os próprios estudantes e, principalmente, entre os estudantes e o objeto de
conhecimento matemático.
Os depoimentos dos estudantes também denotaram a sua motivação no
envolvimento das atividades realizadas. Assim, as ações e interações decorrentes
da Modelagem Matemática na Educação Matemática, evidenciam os postulados
de Vygotsky para a criação de “uma escola em que as pessoas possam dialogar
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018.
discutir, duvidar, questionar e compartilhar saberes. Onde há espaço para as
contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade” (Rego, 2000, p.118).
.
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Mathematical modeling in basic education:
the first experience lived
ABSTRACT
This paper aims to analyze the interactions between students and between student-teacher
in the course of the development of a Modeling activity, making some notes regarding the
first experience of the teacher with Modeling. The activities, developed with students of the
ninth grade of Elementary School, are part of the master's dissertation of the author. The
Burak references were used to conduct the activities with Modeling and Vygotsky to carry
out the analyzes. The research, of a qualitative nature, analyzes the actions and interactions
lived between all the subjects (students and teacher) in activities developed with the use of
this methodology. The results show that the mathematical modeling reinforces the creation
of social links, because it focuses on individual development in dynamic and dialectical
aspect, and promotes the appearance of zone of proximal development, highlighting the
principles of Vygotsky.
KEYWORDS: Education. Mathematical Modeling. Elementary School. Basic Education.
Vygotsky.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018.
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VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas Tomo IV. Traducción Lydia Kuper. Visor Dis.,S.A.
Madrid: España, 1996. 427p
Recebido: 29 jan. 2018
Aprovado: 07 jul. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.7693
Como citar:
KACZMAREK, D.; BURAK, D. Modelagem matemática na educação básica: a primeira experiência
vivenciada. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 253-270, set./dez. 2018. Disponível em:
<https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Derli kaczmarek
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