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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 154-172, mai./ago. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
O cinema como linguagem no ensino de
ciências
RESUMO
Alcione José Alves Bueno
alcioneab10@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-7058-887X
Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG), Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Silvio Luiz Rutz da Silva
slrutz@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-18599018
Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG), Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Pensando no ensino de ciências não apenas como produto científico, mas também e
fundamentalmente, como produto sócio cultural, este trabalho teve como objetivo
apresentar uma reflexão sobre a utilização do cinema enquanto linguagem no Ensino de
Ciências. Para isto, apresenta historicamente o processo formativo das ciências enquanto
disciplina curricular da educação básica, bem com aproxima o ensino de ciências da
linguagem cinematográfica, a qual denomina-se de linguagem audiovisual. De modo a
facilitar o processo de leitura de uma obra fílmica, no decorrer deste trabalho, destaca-se a
necessidade da alfabetização audiovisual, tanto em termos cognitivos, quanto em termos
técnicos dos métodos utilizados na composição de um filme. Como resultados iniciais,
enfatiza-se a necessidade de utilização deste tipo de recurso na sala de aula, tendo em vista
que fazem parte do cotidiano do aluno e não devem ser menosprezadas. Porém, este
estudo não se deteve em ilustrar os métodos construtivos de uma produção fílmica, mas
apontar caminhos para o professor, que o levem a perceber que esses mesmos métodos
construtivos apresentam características que facilitam a leitura de uma obra fílmica, e devem
estar presentes em sua pedagogia, quando objetivarem sensibilizar os alunos para o
conhecimento, tendo filmes como objeto mediador.
PALAVRAS-CHAVE:
Ensino de ciências. Filmes. Linguagem audiovisual.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 154-172, mai./ago. 2018.
INTRODUÇÃO
O ensino de Ciências é relativamente recente no Brasil. No ensino
fundamental, somente se consolidou por meio da disciplina de Ciências, com a
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, tornando obrigatório naquela época para todos os níveis do
antigo ensino ginasial (TRIVELATO; SILVA, 2011). Deste modo, é preciso considerá-
lo ainda em estado de construção e significação.
No âmbito da pesquisa, o ensino de Ciências vem se desenvolvendo
expressivamente no Brasil, tendo uma maior abrangência a partir dos anos de
1970, juntamente com o aumento dos cursos de pós-graduação na área de ensino
e educação em Ciências (MEGID NETO, 1999).
O ensino de Ciências deve ser pensado não somente como produto científico,
mas especialmente como produto social, tanto no contexto da sua gênese e
produção, como no âmbito educacional. Nesse caso, o conhecimento científico
vem sendo explorado por meio de conteúdos curriculares, em que o conhecimento
científico é transposto e discutido em disciplinas, sendo denominada por Freire-
Maia (2000) como ciência-produto, derivada da ciência-processo, atividade
científica desenvolvida em forma de pesquisa e divulgada pelos cientistas.
Conforme aponta o documento de Orientação Curricular de Ciências para as
escolas do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008), o conhecimento científico mediado
para o contexto escolar, no entendimento de que esse conhecimento (ciência-
produto) é adequado para a escola básica, sofre um processo de didatização, mas
não se confunde com o conhecimento cotidiano. Nesse sentido, os conhecimentos
científicos escolares selecionados para serem ensinados na disciplina de Ciências
têm origem nos modelos explicativos construídos a partir da investigação da
natureza, de fenômenos complexos e situações problemas atrelados com a
cultura, a tecnologia, a sociedade e os saberes tradicionais.
É notória a presença das novas tecnologias em todas as esferas da sociedade.
Deste modo, algo que é tão inseparável do mundo moderno como é o caso das
tecnologias midiáticas pode e deve ser utilizado como um recurso didático para
o ensino de Ciências.
A utilização de tecnologias no campo educacional teve início nos Estados
Unidos, a partir dos anos 40. A primeira disciplina curricular acadêmica voltada
para a utilização das então novas tecnologias em sala de aula surgiu na
Universidade de Indiana em 1946. Com foco nos recursos audiovisuais, a disciplina
tinha caráter formativo e desenvolveu o primeiro campo específico da tecnologia
na educação (ALTOÉ; SILVA, 2005). Já a década de 70 foi o ponto de partida para o
uso da informática como ferramenta educacional, com vistas ao ensino assistido
por computador.
No Brasil, o uso das tecnologias como abordagens pedagógicas, esteve voltado
inicialmente para o Educação a Distância (EaD), com cursos de capacitação e
formação continuada. Vídeos tutoriais, programas da TV Cultura e outros como o
Telecurso, que ainda está em funcionamento, são exemplos de tecnologias que
foram aplicadas ao ensino brasileiro ainda no século XX. Considerados um
progresso, apesar de apresentarem uma abordagem mecanizada inserida num
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contexto de ensino tradicional, evoluindo apenas para um ensino tradicional
mediado pelas tecnologias.
Neste sentido, Kenski (2003) alerta que a potencialidade das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), não está apenas em sua
aplicabilidade no ensino, mas sim, na forma como é utilizada, para que não sirva
apenas como distração, mas promova o processo de ensino-aprendizagem,
mediado pelo professor, que deve lançar seu olhar para os aprendizes que são os
autores deste processo. Mesmo assim, ela salienta que “a comunicação e a
educação vivem momentos de efervescência” (KENSKI, 2008, p. 662), e enfatiza a
necessidade da incorporação das TDIC no ensino, pois estão presentes no
cotidiano da sociedade, e com isso é possível experenciar novos aprendizados,
partindo da própria realidade.
Norteados pelo exposto, é preciso considerar que “a ação educacional
consiste justamente em auxiliar o aprendiz, de modo que a construção de
conhecimento possa acontecer” (VALENTE, 2014, p. 144). Torna-se essencial ao
ensino promover esse processo de construção de conhecimento, levando o aluno
a vislumbrar a potencialidade do que está aprendendo, partindo de sua realidade,
e como isso será significativo em sua realidade. Ensinar por ensinar não basta, é
necessário que este processo tenha um objetivo real, tendo sempre o aprendiz
como centro.
Nas palavras de Valente (2014):
[...] a questão fundamental no processo educacional é saber como prover a
informação, de modo que ela possa ser interpretada pelo aprendiz que passa
a entender quais ações ele deve realizar para que a informação seja
convertida em conhecimento. [...] Se a informação obtida não é posta em uso,
se ela não é trabalhada pelo professor, não há nenhuma maneira de estarmos
seguros de que o aluno compreendeu o que está fazendo. Nesse caso, cabe
ao educador suprir tais situações para que a construção do conhecimento
ocorra (VALENTE, 2014, p. 144-145).
Esta mediação, pautada nas TDIC, é proposta por Valente a partir de alguns
eixos: no uso da TDIC como simulador de fenômenos e no uso de narrativas
digitais (VALENTE, 2014). Enquanto simulador, sua potencialidade se encontra na
capacidade das TDIC em animar objetos na tela, bem como a de simular
fenômenos que não poderiam ser elaborados no mundo real, como ocorre em
conteúdos curriculares da disciplina de ciências. Enquanto uso de narrativas
digitais, o autor propõe que as formas tradicionais de narrativas, como a oral e a
escrita, podem ser produzidas pelas TDIC, contribuindo “para que essa atividade
seja muito mais rica e sofisticada do ponto de vista da representação do
conhecimento e da aprendizagem” (VALENTE, 2014, p. 153).
Os recursos digitais aprimorados para o ensino, auxiliam o processo de ensino-
aprendizagem, ao conter elementos que incentivem a relação aluno-professor-
conhecimento. Por conter mecanismos capazes de proporcionarem atividades
mais dinâmicas, com maior apeno sonoro e imagético, propiciam um contato mais
imediato e profundo com o objeto de estudo.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 154-172, mai./ago. 2018.
CINEMA E ENSINO DE CIÊNCIAS
O cinema teve seu início ainda no século XIX, quando inventores como Thomas
Edison, Charles F. Jenkins e os irmãos Lumiére vislumbram a potencialidade e
fizeram avanços na produção de imagens em movimento (RODRIGUES, 2010).
Enquanto inventores do cinema, aos irmãos Lumiére é dado o crédito de execução
da primeira exibição pública, no ano de 1985, embora não tenham sidos os
pioneiros a projetar imagens em movimento. Para Santos (2013, p. 63) “os
progressos tecnológicos no século XIX geraram transformações na vida da
sociedade. Tecnologias como o telefone, o rádio, o telégrafo, o cinematógrafo, a
eletricidade, os carros, entre outros, aproximaram pessoas e encurtaram
distâncias entre países [...]”. Com isso, propiciaram o acesso e, em pouco tempo,
o uso se tornou generalizado.
Em território nacional, a primeira sessão de cinema aconteceu em 1896. No
ano de 1897 foi inaugurada a primeira sala regular para a exibição de filmes,
deixando de ser entretenimento das ruas e passando para as salas de teatro. Tendo
grande aceitação no Brasil, o cinema, logo foi apropriado para a educação, devido
a sua grande potencialidade para o ensino. No âmbito escolar, essa relação ganhou
intensidade a partir do século XX, quando setores sociais ligados à escola nova e à
Igreja Católica apoiaram esses projetos por entenderem que havia uma
necessidade de rompimento com as práticas pedagógicas usais até então (SANTOS,
2013).
Com isso, nos primórdios no século XX, haviam discussões amplamente
difundidas sobre o cinema e a educação brasileira, vendo-se nesta ligação uma
grande abertura para o ensino nacional (REIS JUNIOR, 2008). Seguindo esse ideal,
Santos (2013, p. 66), aponta que “a forma como o espectador e as
representações do mundo produzidas pelo cinema, as quais se articulam em
imagens, sons, palavras e movimento (ilusão), o leva a construir interpretações por
meio de contextos socioculturais”. Para Carvalho (2007) os elementos que compõe
uma produção fílmica permitem ao telespectador interpretar o mundo a partir do
conjunto de sons e imagens que observa, estimulando reflexões críticas por parte
dos aprendizes.
Como Chaves (1999) aponta, nem todas as tecnologias são significativas para
a educação, entretanto, aquelas que estimulam o aluno certamente devem ser
utilizadas no processo de ensino-aprendizagem. É neste viés que a utilização de
filmes comerciais como recurso pedagógico pode ser viável no âmbito educacional.
Isto se alicerça na Lei 13.006/14 que normatiza políticas públicas que defendem a
utilização do uso de filmes na escola “seja de leitura e análise de produções fílmicas
nacionais, seja da produção expandida, alternativa, independente da comunidade
escolar e do seu entorno” (FRESQUET, 2015, p. 30).
Mas vale ressaltar que, “os filmes não são uma produção da pedagogia ou da
didática, pois, diferentemente, são produzidos dentro de um projeto artístico,
cultural e de mercado. Se chega à escola é porque esta os didatiza” (BORBA, 2015,
p. 30), quando os utiliza como recurso didático.
Entendendo que o uso de filmes comerciais como novas tecnologias na
educação trata-se de um processo de sensibilização educacional, é preciso, por
parte do professor, mediar sua utilização, tendo em vista que seu uso deve estar
atrelado ao conteúdo proposto e não sirva apenas como tapa buracos (CYSNEIROS,
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 154-172, mai./ago. 2018.
2010). Dessa forma, “o professor atua como um mediador da leitura do filme em
sala de aula e, com vistas a promover a fruição e também uma análise mais
eficiente desse gênero” (THIEL; THIEL, 2009, p. 13). Portanto, cabe ao professor o
papel de despertar no aluno a curiosidade pelo filme proposto, as ideias contidas
na tematização e os elementos básicos presentes na produção audiovisual que
promovam o ensino e a aprendizagem.
Desse modo, é preciso considerar que “[...] o filme é um recurso pedagógico
mediador que possibilita subsidiar o ensino por meio da problematização em
diferentes conteúdos relacionados às Ciências Naturais, por meio do diálogo, das
diferentes disciplinas e do conhecimento escolar” (SANTOS, 2013, p. 67). Nesse
sentido, abordagens educacionais com este engendramento propiciam o enfoque
a diversas dimensões, ao relacionar questões históricas, sociais, culturais e etc. aos
conteúdos curriculares estruturantes.
Conforme aponta Duarte (2009, p. 16) “ver filmes é uma prática social o
importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas,
quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais, pois os
filmes têm a capacidade de despertar nossas sensibilidades. Como apontam
diversos autores (PIMENTA, 1995; NAPOLITANO, 2003; ARROIO; GIORDAN, 2006;
CALASANS; LEE, 2008), a junção de distintas linguagens, seja na forma de grafia,
imagem ou som, provocam sensações e recepções unificadas, gerando e
provocando uma facilitação na acepção da mensagem que se quer transmitir.
Uma das necessidades do ensino de Ciências é a observação, a
experimentação e vislumbramento de como ocorrem os processos naturais. Com
isso a utilização de filmes lança olhares para além do imaginário do aprendiz, pois
o conduz à uma representação audiovisual dos processos ocorridos na natureza.
Não se tem a pretensão de defender a autonomia dos filmes frente ao
conhecimento, compreendendo que sozinho os resultados podem ser falíveis,
mas:
[...] diferentemente dos métodos clássicos, o universo midiático cria
possibilidades de aprendizagens estimulantes a seus espectadores,
potencializando o processo de ensino-aprendizado ao passo que a entrada
dessas novas tecnologias facilita a criação de novos projetos pedagógicos e
trocas interindividuais. Não se pretende dizer que o filme pode substituir o
contato direto que um aluno deve ter com o objeto estudado conseguido por
meio dessas experiências, por exemplo. Apenas é possível perceber que
existem formas diversificadas de interação uma vez que, com o auxílio do
filme, é possível trazer exemplificações visuais de situações que os alunos não
teriam oportunidade de presenciar nas aulas, o que torna o filme um recurso
pedagógico de muita eficiência (CARRERA, 2012, p. 46).
Com base nisso, percebe-se que as informações audiovisuais abrem novas
possibilidades para o ensino-aprendizagem, propondo abordagens que superem o
dito ensino tradicional e promovam o ensino nacional tão deficitário. Defende-se
o uso de filmes na medida em que atuem como potencializadores do ensino,
devido a rica presença de saberes científicos que tematizam. Importa focar não
apenas nos filmes educativos, mas também e principalmente nos filmes ditos
comerciais, que não foram criados sob uma abordagem pedagógica, mas que
podem contribuir ricamente para a educação por suas características lúdicas e
proximidade que promovem com a realidade dos alunos.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 154-172, mai./ago. 2018.
ALFABETIZAÇÃO AUDIOVISUAL
É fato que o ensino dito tradicional pode ser considerado insatisfatório para
uma alfabetização científica atualmente. Entendendo a diversidade sociocultural
em que os alunos se encontram, é necessário vislumbrar mecanismos que
contemplem novas formas de alfabetização e favoreçam a aprendizagem.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
9.394/96 (BRASIL, 1996), foram definidos novos modelos de aprendizagem e
proposto que estas novas abordagens estivessem presentes em sala de aula. A LDB
apresenta cinco novos tipos de alfabetização que seguem:
a) Alfabetização em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).
b) Alfabetização Tecnológica.
c) Alfabetização em Informação.
d) Alfabetização em Mídia.
e) Alfabetização Visual.
Embasados por esta orientação, defendemos uma modalidade que não
aparece nas LDB da Educação, mas que deve ser considerada atualmente, pois
apresenta grande repercussão, que é a Alfabetização Audiovisual, que “[...] refere-
se a toda a forma de comunicação sintética destinada a ser percebida ao mesmo
tempo pelo olho e pelo ouvido” (LENCASTRE; CHAVES, 2007, p. 1164). Pois,
defendemos a utilização do cinema em sala de aula como recurso facilitador do
ensino e promotor de saberes.
Partindo da Alfabetização visual, temos dois tipos de linguagens: a visual que
além de ser atemporal é perceptível no espaço; e a linguagem áudio que apresenta
características temporais, mas nenhuma dimensão espacial visível (LENCASTRE;
CHAVES, 2007). A junção destas, formam a linguagem audiovisual, que se
apresenta integrada em tempo e espaço, sincronizando a comunicação acústica
com a visual.
A LINGUAGEM VISUAL
É fato que as sociedades demonstram preferência por informações visuais,
devido à grande carga de informações deste tipo, que estão presentes em seu dia
a dia. Estamos repletos de informações deste tipo, pois vivemos numa sociedade
que as utiliza frequentemente, como meio de publicidade e informação.
Dondis (2003), embora considere que existe uma diferença entre ver e
entender, afirma que a visão supera eloquentemente os outros sentidos. Ainda
enfatiza que “ver é uma experiência direta, e a utilização de dados visuais para
transmitir informações representa a máxima aproximação que podemos obter
com relação à verdadeira natureza da realidade” (DONDIS, 2003, p.7). Que pelo
seu contato direto permite uma leitura imediata do objeto.
Durante o processo evolutivo, a imagem consagrou-se como linguagem inicial
da humanidade, como pode ser observado pelas representações deixadas pelo
homem primitivo, e que hoje denominamos como arte rupestre.