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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 195-213, mai./ago. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
As práticas discursivas no ensino de
química: um estudo das aulas dos
licenciandos do programa institucional de
bolsas de iniciação à docência
RESUMO
Ana Carolina Araújo da Silva
anacarolina.silva@ufjf.edu.br
orcid.org/0000-0002-4909-4322
Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
Franciane Cristina Toledo Duarte
francianetoledo@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8464-5823
Escola Estadual Professor Morais (SEE-
MG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Penha Souza Silva
penhadss@gmail.com
orcid.org/0000-0001-5737-9566
Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil
Este artigo apresenta as práticas discursivas identificadas em aulas de Química de
licenciandos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID. Essas aulas
foram observadas durante o desenvolvimento do projeto Água em foco: qualidade de vida
e cidadania. O objetivo da pesquisa foi compreender como as abordagens comunicativas
são engendradas nas aulas do licenciandos participantes do PIBID. Para a coleta de dados
foram filmadas três aulas ministradas por três bolsistas sendo cada aula em uma turma de
segundo ano do Ensino Médio de uma mesma escola no município de Belo Horizonte - MG.
Na análise de dados, utilizamos a ferramenta analítica proposta por Mortimer e Scott (2003
e 2002) para identificar as classes de abordagem comunicativa e relacioná-las com os tipos
de perguntas que aconteceram nas aulas. A partir da filmagem, elaboramos mapas de
episódios nos quais selecionamos um episódio de cada aula. Nestes episódios, observamos
as perguntas que os licenciandos direcionaram à turma e a partir dos questionamentos
realizados buscamos identificar os tipos de abordagem comunicativas que se realizavam. A
análise dos dados nos permitiu identificar o esforço realizado pelos licenciandos em
promover uma interação com os estudantes, emergindo assim as diferentes classes de
abordagem comunicativa. Observamos também que enunciações de processo e
metaprocesso facilitam o aparecimento da abordagem interativa dialógica.
PALAVRAS-CHAVE: PIBID. Abordagem Comunicativa. Formação de Professores.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 195-213, mai./ago. 2018.
INTRODUÇÃO
Não se pode falar em melhoria na educação sem nos preocuparmos com a
formação dos professores, que consideramos uma das peças mais importantes
deste processo. Assim, entendemos que o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação a Docência (PIBID) tem sido relevante na educação, pois busca contribuir
de forma prática para a formação de professores. Esta pesquisa foi realizada no
contexto do PIBID de Química da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
No PIBID de Química da UFMG, os licenciandos têm a oportunidade de discutir
diversos temas relacionados à sua formação como professor. Um dos temas
abordados durante os encontros são as práticas discursivas e suas implicações. É
um assunto de grande relevância para o Ensino de Ciências, visto que as interações
produzidas em sala de aula podem proporcionar e conduzir os estudantes para
uma apropriação do discurso científico. Neste sentido, optamos por observar
como os licenciandos participantes do PIBID têm utilizado seus conhecimentos
sobre as práticas discursivas em suas intervenções na sala de aula.
O PIBID de Química ocorre na UFMG desde 2009 e conta atualmente com a
participação de três escolas estaduais de Belo Horizonte, sendo que cada uma
possui um professor supervisor que recebe cinco licenciandos. Os licenciandos
acompanham as aulas nas escolas duas vezes por semana e participam de uma
reunião semanal na UFMG, juntamente com os professores supervisores e o
professor coordenador, que é um professor da licenciatura da universidade.
A ida à escola é o momento em que os licenciandos vivenciam as práticas do
cotidiano escolar, participando efetivamente das atividades do professor, tanto no
âmbito da sala de aula, como no seu contexto. Os encontros semanais na
universidade constituem um espaço de orientação e discussão, onde os alunos
expõem e discutem as atividades que são realizadas na escola, planejam novas
atividades como, por exemplo, o desenvolvimento de projetos, produção de
materiais para serem utilizados com os alunos e compartilhamento das
dificuldades encontradas pelos colegas. É também nestes encontros que os
licenciandos têm a oportunidade de conhecer o que há de mais atual no ensino de
ciências, por meio de apresentações, palestras de convidados, leituras e discussões
de textos selecionados pelo coordenador.
Participando do PIBID, o licenciando intensifica o diálogo entre a universidade
e a escola pública, entre o aprendizado acadêmico e seu campo de trabalho,
desenvolvendo a consciência crítica de professores que aprendem com a própria
experiência. Além disso, nas discussões de temas atuais e inovadores no ensino de
química, os licenciandos adquirem preparação para a sala de aula.
As práticas discursivas representam um tema que está cada vez mais em
evidência no campo da educação em ciências (DRIVER, ASOKO, LEACH, MORTIMER
e SCOTT, 1999; MONTEIRO e TEIXEIRA, 2004; SILVA, 2008; SILVA, 2009;
MONTEIRO, MONTEIRO, GASPAR e VILLANI, 2012, SILVA, 2015). Para Jiménez-
Aleixandre (2006) aprender ciências é ser aprendiz das práticas discursivas da
comunidade científica escolar, uma vez que a essa aprendizagem inclui uma
linguagem própria e critérios para avaliar conhecimentos e métodos. Portanto, na
medida em que práticas discursivas são incentivadas nas aulas de ciências, os
estudantes vão se apropriando de novas formas de se expressar, adquirindo mais
independência e confiança em suas ideias, além de irem assumindo atitudes mais
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científicas baseadas na atuação do professor (CANDELA, 1997). Diante da
relevância do tema, surgiu o interesse em investigar como os licenciandos
participantes do PIBID têm incorporado essas discussões em suas intervenções na
sala de aula, na perspectiva das abordagens comunicativas. É importante ressaltar
que o uso deste conhecimento é fundamental para que as aulas de química
tenham um melhor direcionamento, pois a partir dessas práticas que o professor
poderá proporcionar, aprimorar a interação discursiva e possibilitar uma maior
apropriação do discurso científico presente nas aulas de Química.
Para identificar e compreender diferentes tipos de discurso presentes nas
aulas dos licenciandos acompanhamos as aulas do projeto “Água em foco”. O
projeto temático “Água em foco: qualidade de vida e cidadania” é desenvolvido
desde seu primeiro edital do PIBID na UFMG. Este projeto apresenta um problema
aberto, na abordagem de Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), para
que os alunos possam resolver utilizando os conhecimentos adquiridos nas aulas
de Química. As atividades do projeto propõem várias questões para discussão e,
como são os licenciandos que dão as aulas do projeto, consideramos que esta é
uma oportunidade para que eles coloquem em prática os conhecimentos que têm
sido discutidos tanto no PIBID como no curso de licenciatura.
O objetivo deste artigo é revelar como as abordagem comunicativas são
produzidas nas aulas de Química de estudantes participantes do PIBID. Neste
trabalho, almejamos evidenciar que a construção dos significados científicos em
sala de aula promove mudanças/perguntas que envolvem os estudantes em
discussão em sala de aula.
REFERENCIAL TEÓRICO
Para tornar visível as práticas discursivas dos licenciandos participantes do
PIBID, utilizamos para análise, nesta pesquisa, o conceito de abordagem
comunicativa presente na ferramenta analítica desenvolvida por Mortimer e Scott
(2002 e 2003). Essa ferramenta tem como base a perspectiva sócio-histórica ou
sociocultural de Vigotski e o conceito de “gêneros de discurso” proposto por
Bakhtin (MORTIMER e SCOTT, 2002). Na perspectiva sociocultural, temos o
processo de criação de significados pelos estudantes como oriundo da interação
social. O processo de aprendizagem não é tratado como uma simples substituição
das concepções prévias dos estudantes, mas sim como uma negociação, uma
construção conjunta do conhecimento para uma internalização efetiva
(MORTIMER e SCOTT, 2002). E, para tanto, as interações discursivas são de caráter
fundamental.
A ferramenta para analisar e planejar aulas de ciências permite que as
estratégias enunciativas dos professores sejam identificadas e descritas de acordo
com cinco aspectos que se inter-relacionam. São eles: as intenções do professor, o
conteúdo, a abordagem comunicativa, os padrões de interação e a as intervenções
do professor (Quadro 1).
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Quadro 1 Aspectos da Análise
Aspectos da Análise
I. Focos do ensino
1. Intenções do professor / 2. Conteúdo
II. Abordagem
3. Abordagem comunicativa
III. Ações
4. Padrões de interação / 5. Intervenções do professor.
Fonte: Mortimer e Scott (2002).
De acordo com o Quadro 1, os aspectos da análise são divididos em I - Focos
do Ensino, II - Abordagem e III - Ações. Em focos do ensino são avaliados as
intenções do professor e o conteúdo. Na abordagem é considerada a forma de
como abordar o tema, como podemos conduzir o discurso em sala de aula. E em
ações, são identificados os padrões de interação e as intervenções do professor
para a compreensão do tema a ser trabalhado. Como mencionado, neste artigo,
apresentamos o conceito de abordagem comunicativa e de padrões de interação
que auxiliaram na análise de dados desta pesquisa.
ABORDAGEM COMUNICATIVA
Como mencionado o referencial teórico deste artigo é a ferramenta
analítica proposta por Mortimer e Scott (2002, 2003). Os autores da ferramenta
indicam que o conceito de Abordagem Comunicativa é central na estrutura
analítica fornecendo a perspectiva sobre como o professor trabalha as intenções e
o conteúdo do ensino por meio das diferentes intervenções pedagógicas que
resultam em diferentes padrões de interação. Mortimer e Scott (2002) identificam
quatro classes de Abordagem Comunicativa que são definidas por meio da
caracterização do discurso entre professor e alunos ou entre alunos em termos de
duas dimensões: discurso dialógico ou de autoridade e discurso interativo ou não-
interativo.
Para Mortimer e Scott (2002), quando um professor interage com os
estudantes em sala de aula as intervenções podem ser caracterizadas em termos
de dois extremos. O discurso pode ser dialógico ou de autoridade. No primeiro
extremo, o professor considera o ponto de vista, os conhecimentos prévios, dos
estudantes. Nesse momento, mais de uma voz é ouvida e considerada, acontece
uma interação entre as diferentes ideias presentes na sala de aula. No segundo
extremo, o professor vai considerar na sua fala e na do estudante apenas o ponto
de vista do discurso científico que está sendo construído no plano social de sala de
aula. Este segundo tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa de
autoridade, na qual apenas uma voz é ouvida, o discurso da ciência, e não
interanimação de ideias (MORTIMER; SCOTT, 2002).
Os autores argumentam que “na prática, qualquer interação provavelmente
contém aspectos de ambas as funções, dialógica e de autoridade” (MORTIMER;
SCOTT, 2002). Para distinguirmos entre as abordagens dialógicas e de autoridade
presentes em sala de aula temos que compreender que em uma sequência
discursiva a abordagem pode ser identificada como dialógica ou de autoridade
independentemente de ter sido enunciada por um único indivíduo ou
interativamente (MORTIMER; SCOTT, 2002). O que isso significa? Que um discurso
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pode ser dialógico e ser enunciado por apenas uma pessoa ou ser de autoridade,
mas que haja a interação de mais de uma pessoa.
O que torna o discurso funcionalmente dialógico é o fato de que ele expressa
mais de um ponto de vista - mais de uma voz é ouvida e considerada - e não que
ele seja produzido por um grupo de pessoas ou por um indivíduo solitário
(MORTIMER; SCOTT, 2002). Esse último aspecto está relacionado à segunda
dimensão da abordagem comunicativa, que distingue entre o discurso interativo,
aquele que ocorre com a participação de mais de uma pessoa, e o discurso não-
interativo, que ocorre com a participação de uma única pessoa. Essas duas
dimensões podem ser combinadas para gerar quatro classes de Abordagem
Comunicativa (MORTIMER; SCOTT, 2002).
Para Mortimer e Scott (2002), embora cada uma dessas quatro classes estejam
relacionadas ao papel do professor ao conduzir o discurso da classe, elas são
igualmente aplicáveis para caracterizar as interações que ocorrem apenas entre
estudantes, por exemplo, em pequenos grupos. As quatros classes de abordagem
comunicativa definidas por Mortimer e Scott (2002), são:
a. Interativo/dialógico: professor e estudantes exploram ideias, formulam
perguntas autênticas, consideram e trabalham diferentes pontos de vista.
b. Não-interativo/dialógico: professor reconsidera, na sua fala, vários pontos
de vista, destacando similaridades e diferenças.
c.Interativo/de autoridade: professor geralmente conduz os estudantes por
meio de uma sequência de perguntas e respostas, com o objetivo de chegar
a um ponto de vista específico.
d. Não-interativo/de autoridade: professor apresenta um ponto de vista
específico (MORTIMER; SCOTT, 2002, p. 288).
Para que o professor possa garantir que as diferentes formas de abordagem
ocorram em suas aulas, ele precisa trabalhar de forma que seja estabelecido um
contrato didático com a turma, para que os alunos correspondam às interações.
Ou seja, os alunos precisam se acostumar a participar naturalmente das
discussões. Isso também não é tarefa fácil, o professor precisa construir isso na
sala de aula. Este contrato didático está realmente em vigor quando os estudantes
expõem suas opiniões naturalmente, sem se importar se vão parecer certos ou
errados, e o professor por sua vez sempre incentiva os estudantes a continuarem
a discussão, valorizando as opiniões dos estudantes e mantendo o diálogo. Quando
isso acontece de maneira natural, entendemos que esse contrato didático, ainda
que “invisível”, está em real funcionamento.
O que comumente acontece é que, em uma abordagem interativa de
autoridade, o professor sempre avalia os comentários dos estudantes. Entretanto,
quando os estudantes percebem que estão sempre sendo avaliados, vão se
tornando cada vez mais inibidos de dizer o que pensam. na abordagem
interativa dialógica, o professor pode considerar os diversos pontos de vista, por
mais que sejam errôneos e ingênuos. O professor em vez de avaliar imediatamente
o ponto de vista do aluno, pode fornecer uma chance para que ele discuta seu
próprio ponto de vista, explique melhor e vá, ele próprio, percorrendo o caminho
para chegar a uma explicação mais próxima do ponto de vista da ciência. Ainda que
a abordagem interativa de autoridade seja importante, pois é com ela que o
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professor consegue guiar os estudantes pelo caminho que ele pretende, a
abordagem interativa dialógica é fundamental para que o aluno tenha segurança
em expor seus pontos de vista, sentir que os mesmos são valorizados, para que ele
possa caminhar para o conhecimento que vai adquirir partindo daquilo que ele já
sabe.
PADRÕES DE INTERAÇÃO
O padrão de interação mais comumente observado é o chamado de tríade I-
R-A Iniciação-Resposta-Avaliação, no qual o professor inicia uma interação, o
aluno corresponde e o professor avalia. Porém há outros padrões que são melhor
aproveitados em uma abordagem interativa dialógica que são as cadeias I-R-P-R-
P-R-P(...) e I-R-F-R-F-R-F(...) onde P significa uma interação do professor com
intuito de dar prosseguimento à fala do aluno e F significa um feedback para que
o aluno elabore sua fala.
Para uma caracterização mais detalhada dos padrões de interação, também é
possível categorizar os tipos de iniciação e de resposta. Tendo como referência os
trabalhos de Mehan (1997) e Silva (2009), temos quatro possibilidades de iniciação
para uma interação:
1 INICIAÇÃO DE ESCOLHA
A iniciação de escolha corresponde a uma enunciação na qual o professor
espera que o estudante concorde ou discorde de alguma coisa ou escolha entre
algumas opções. Por exemplo, quando o professor pergunta: “essa substância é
ácida ou básica?”, “a reação é endotérmica ou exotérmica?”.
2 INICIAÇÃO DE PRODUTO
A iniciação de produto é aquela que demanda do estudante uma resposta que
seja um nome, um lugar, uma data, uma cor, etc. Por exemplo, “qual gás está
sendo liberado nessa reação química?”, “qual a fórmula da água?”.
3 INICIAÇÃO DE PROCESSO
Este tipo de iniciação normalmente trata de uma pergunta do tipo “por que”,
“como”, “o que acontece”, que demanda do estudante uma explicação ou uma
descrição de alguma coisa. Exemplo, “o que acontece quando misturamos água e
óleo?”.
4 INICIAÇÃO DE METAPROCESSO
Esse tipo de iniciação é identificado quando o professor pede uma reflexão do
estudante, com questionamentos do tipo “explique melhor seu raciocínio” ou
“como você chegou a essa conclusão” ou “o que você quis dizer com isso?”. De
forma a pedir ao estudante que reformule seus enunciados e exponha seu
raciocínio.
As respostas são categorizadas dessa mesma forma (escolha, produto,
processo e metaprocesso), mas isso não significa que um tipo de iniciação
necessariamente resultará no mesmo tipo de resposta. E existe também a
“pergunta retórica”, que acontece quando o professor faz perguntas, mas não
deixa espaço para resposta (DUARTE et al., 2014).
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CONTEXTO DA PESQUISA
Esta pesquisa está inserida em um dos projetos desenvolvidos pelo PIBID de
Química que é o projeto “Água em foco: qualidade de vida e cidadania”. Esse
projeto é desenvolvido no PIBID - Química desde o primeiro edital. As aulas, as
apostilas e as práticas experimentais do projeto são planejadas em conjunto
(licenciandos e supervisores), discutidas e então desenvolvidas pelos licenciandos
nas escolas. Essa é a oportunidade dos licenciandos vivenciarem a prática docente,
sob a supervisão de seu professor orientador, e experimentar as orientações
discutidas no curso de licenciatura e no PIBID.
No projeto Água em foco existem várias sequências de aulas que foram
planejadas para proporcionar aos alunos formas de reconhecer e analisar a
qualidade da água. Dentre as sequências desenvolvidas, uma delas trabalha o pH,
discutindo os conceitos de ácido e base, a construção de uma tabela de pH em uma
atividade prática e as discussões sobre como o pH pode alterar a qualidade da água
e a vida presente em um ecossistema aquático. Este projeto considerou a Lagoa da
Pampulha, cartão postal de Belo Horizonte, como contexto de análise da água.
As escolas participantes recebem o material necessário para o
desenvolvimento do projeto. Este material se constitui das apostilas para todos os
estudantes e kits que contém vidrarias, reagentes e outros materiais necessários
para a realização das atividades experimentais.
SUJEITOS DA PESQUISA
Para esta pesquisa selecionamos três licenciandos em Química que estavam
no PIBID há mais de um ano e que eram supervisionados pela mesma professora,
com experiência de dois anos no PIBID. Sendo assim, tanto os alunos quanto a
professora estavam entrosados, acostumados com o projeto, como também
haviam participado de várias palestras e debates sobre temas variados. A seguir
apresentaremos os licenciandos participantes da pesquisa Beatriz
1
, Sara e Daniel.
Beatriz, aluna do sétimo período, desde início do curso se interessou em
participar de projetos na área de educação. Há um ano ela trabalha como monitora
em cursinhos pré-vestibular e eventualmente também dá aulas. Seu interesse em
participar do PIBID foi para enriquecer a sua formação acadêmica.
Sara, então cursando o quinto período, escolheu este curso pela vontade de
ser professora. Teve no PIBID sua primeira experiência em sala de aula e, segundo
a mesma, foi por isso que quis participar do projeto, para se preparar e ganhar
experiência antes de assumir uma turma em uma escola.
Daniel, estudante do quarto período do curso, descobriu sua vontade de ser
professor durante a sua participação no PIBID, pois segundo ele, antes de
participar do projeto, ainda não sabia se queria mesmo ser professor e não tinha
nenhuma experiência com sala de aula.
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TURMA INVESTIGADA
As turmas nas quais projeto foi desenvolvido eram do segundo ano do Ensino
Médio. Nessa escola, devido ao seu espaço físico, existem turmas que têm entre
25 e 30 estudantes, fato que, de alguma forma, favorece a atuação do professor e
consequentemente a dos licenciandos. As turmas observadas neste trabalho eram
tranquilas e algumas vezes participativa. Os licenciandos vinham acompanhando
essas turmas durante todo o ano e revezavam as aulas em cada turma, sendo
assim, já havia certa familiaridade entre eles e os estudantes.
COLETA DE DADOS
Para a coleta de dados acompanhamos as aulas ministradas por três
diferentes licenciandos, durante o projeto “Água em Foco”. A aula analisada neste
trabalho encontra-se na sequência de três aulas desenvolvida sobre o tema pH.
Filmamos os três licenciandos que planejaram e aplicaram essa mesma aula em
turmas diferentes da mesma escola.
Vimos a necessidade de filmar essas aulas, para registrar os episódios
desencadeados e não perder os detalhes. Portanto, fomos à escola e realizamos as
filmagens e, posteriormente, o conteúdo das mesmas foi transferido para o
computador.
ANÁLISE DE DADOS
A primeira etapa da análise consistiu em assistir aos vídeos e elaborar os
mapas de episódios dos mesmos. Os mapas de episódios foram construídos para
identificar as formas de interação estabelecidas, os recursos materiais utilizados,
as fases da atividade, a posição dos participantes em relação uns aos outros, as
ações realizadas pelos participantes, algumas observações consideradas
pertinentes e selecionar episódios par análise. De acordo com Mortimer et al.
(2007), os episódios podem ser entendidos como segmentos do discurso da sala
de aula com fronteiras temáticas bem nítidas. Todavia, um conjunto de
características que permitem a delimitação dos episódios, além do tema, sendo
elas: a fase da atividade na qual o episódio tem lugar, as ações dos participantes,
as formas como os participantes se posicionam no espaço físico no qual ocorrem
as interações e as formas pelas quais os participantes interagem entre si e com os
recursos materiais utilizados. Nesta pesquisa, demarcamos os episódios a partir da
iniciação realizada pelos licenciandos.
A partir dos mapas de episódios, foram observados os caminhos que as aulas
tomaram, a forma como os professores as conduziam e, também, as interações
estabelecidas. Neste momento, observamos que no decorrer das aulas, os
licenciandos fazem várias perguntas direcionadas aos alunos e por isso, optamos
dar um foco especial a essas perguntas. Que tipos de perguntas são essas? Elas
favorecem algum tipo de abordagem comunicativa?
Utilizando ainda os mapas de episódios, observamos a ocorrência das classes
de Abordagem Comunicativa (interativa e dialógica, interativa e de autoridade,
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não interativa e dialógica, não interativa e de autoridade). As observações
encontram-se na análise dos dados.
AS AULAS DOS LICENCIANDOS
Nesta seção, apresentamos a análise dos dados e descreveremos a aula sobre
a atividade pH, dos licenciandos Beatriz, Sara e Daniel. Consideramos na análise a
abordagem utilizada pelos licenciandos e como os tipos de perguntas realizadas
pelo professor influenciam nessa abordagem.
A aula analisada encontra-se na sequência desenvolvida sobre o pH. Na aula
anterior os alunos construíram uma escala de pH utilizando extrato de repolho
roxo e soluções de pH conhecidos, sendo o primeiro momento desta aula uma
retomada do que os alunos recordam sobre a aula prática que tiveram sobre o
assunto. Em seguida, os licenciandos mostram que os ácidos e bases estão muito
presentes no dia a dia e pedem aos alunos que citem exemplos dessas substâncias
no seu cotidiano. A partir daí apresentam os conceitos de ácidos e bases propostos
por Arrhenius, contam um pouco da história sobre essa classificação e trabalham
a matemática envolvida nos cálculos de pH. Após esse momento, os licenciandos
retomam o assunto da aula prática discutindo com os estudantes como funciona
um indicador de pH. Para finalizar a aula, os licenciandos realizam um
experimento, proposto na apostila do projeto, que consiste em deixar um ovo
mergulhado em vinagre por aproximadamente uma semana, retomando a
discussão central do projeto que é a qualidade da água. Esse fechamento permite
a discussão sobre a influência do pH na qualidade da água, na vida aquática e na
reprodução dos peixes.
Esta aula foi desenvolvida pelos três licenciandos em turmas diferentes da
mesma escola. Podemos observar particularidades nas aulas de cada um e, por
isso, discutiremos sobre cada uma separadamente.
A análise dos mapas de episódios das aulas selecionadas indica que os
licenciandos fazem várias perguntas direcionadas aos alunos. Para ter uma visão
geral dessas perguntas, foi realizada a transcrição de todas as perguntas realizadas
pelos professores durante a aula (a transcrição das perguntas encontra-se em
Anexo I). As perguntas foram então classificadas e estão apresentadas no Quadro
2.
Quadro 2: Quantidade de vezes que cada tipo de pergunta apareceu na aula de cada
licenciando.
Professor/ Tipo de Pergunta
Beatriz
Sara
Daniel
Escolha
6
6
0
Produto
16
15
5
Processo
5
5
7
Metaprocesso
0
0
0
Fonte: DUARTE (2013).
A partir da análise das iniciações presentes nas aulas dos licenciando, nos
questionamos: essas perguntas estariam introduzindo uma abordagem
comunicativa na aula? O discurso dialógico esteve presente nessas aulas? A seguir
apresentamos a análise de cada aula, observando como as perguntas ajudaram,
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ou não, no desenvolvimento da prática discursiva e, também, como os discursos
foram construídos.
Aula de Beatriz
Em sua aula, a licencianda Beatriz direcionou aos estudantes um total de vinte
e sete perguntas, cujos tipos são especificados no Quadro 3, que apresenta, a
transcrição de um episódio desta aula.
Quadro 3: Episódio da aula da licencianda Beatriz.
Turno
Tempo
Falante
Transcrição
1
13min30s
Professora
Alguém sabe me falar porque que a gente está
analisando esse pH?
2
Aluna
Para quando a gente quiser saber o pH de alguma
coisa a gente pode calcular.
3
Professora
Isso, mas qual era o nosso enfoque principal
quando o projeto começou?
4
Alunos
A água. A água da lagoa da Pampulha.
5
Professora
Isso, o nosso foco de interesse é a água da lagoa
da Pampulha. Então o que nós estamos fazendo?
Estudando todos os parâmetros físico-químicos
relacionados à água. E o pH é um dos parâmetros
que analisam a qualidade da água. Alguém sabe
me dizer se é em alto ou baixo pH que a vida
aquática consegue sobreviver? (...)
O que vocês acham que acontece com a
reprodução dos peixes?
Olha só o que eu tenho aqui, peguei um ovo de
galinha e coloquei no vinagre. O que é o vinagre?
6
Alunos
Ácido.
7
Professora
Isso, ai eu coloquei o ovo da galinha dentro do
vinagre. O que está acontecendo aqui?
8
Alunos
Está inchando. Corroendo o ovo. Está com bolhas.
9
Professora
Houve formação de bolhas né? Isso eu posso falar
que está ocorrendo o quê?
10
Alunos
Que está corroendo o ovo.
11
Professora
Está tendo alguma evidência de reação química?
12
Alunos
As bolhas.
13
Professora
Sim! A formação do gás.
14
Alunos
Qual gás que está sendo formado?
15
Professora
Isso que nós vamos ver, a casca do ovo é formada
de que? Alguém sabe?
16
Alunos
Cálcio
17
Professora
Carbonato de cálcio. Que se dissocia em Ca
2+
e
(CO)
2-
. E o que tem lá no meio? Não é ácido? O
carbonato de cálcio reagindo com o vinagre, olha
só o que vai formar. O que vai formar aqui? Como
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vamos neutralizar esse -2 aqui? Esse ácido que
formou aqui é muito instável e ele se decompõe
em CO
2
e água, então esse gás que a gente vê
aqui é o CO
2
.
Agora pensa, os peixes se reproduzem na forma
de ovos, se tiver num pH muito baixo, o peixe vai
conseguir reproduzir?
18
Aluna
Não.
19
20min50s
Professora
Porque o ácido vai reagir com a casca do ovo e vai
matar o peixinho.
Fonte: DUARTE (2013).
Neste episódio podemos perceber a importância de se estabelecer o contrato
didático na sala de aula. Ainda que haja um esforço da professora em fazer
perguntas que poderiam gerar discussões, muitas vezes os alunos não respondem
a essas perguntas. Por exemplo, a professora pergunta O que vocês acham que
acontece com a reprodução dos peixes?” (turno 5) e nenhum aluno responde.
Podemos perceber também a intenção de introduzir um discurso interativo, por
exemplo, quando ela pergunta “Agora pensa, os peixes se reproduzem na forma
de ovos, se tiver num pH muito baixo, o peixe vai conseguir reproduzir?” - pergunta
de escolha (turno 17). Os alunos respondem que não, mas no lugar de dar
prosseguimento ao debate, dando oportunidade dos alunos explicarem sua
resposta, utilizando uma pergunta de meta processo, como “explique por que
não?”, a professora já confirma a resposta deles “Por que o ácido vai reagir com a
casca do ovo e vai matar o peixinho.” (turno 19), finalizando a interação
estabelecida e partindo para um discurso de autoridade. Isto não nos surpreende,
pois mesmo professores experientes, apresentam este comportamento na sala de
aula. Daí a importância de o licenciando, futuro professor, ter compreensão da
ferramenta analítica de análise do discurso proposta por Mortimer e Scott (2002 e
2003). Acreditamos que a ferramenta poderá ajudá-lo a manter o diálogo com o
estudante.
Aula de Sara
Na aula da licencianda Sara identificamos também várias perguntas
direcionadas aos estudantes, sendo um total de vinte e seis durante a aula. Uma
dessas perguntas “então como será que funciona o extrato de repolho roxo?”,
desencadeia uma interação, como podemos observar na transcrição de um
episódio da aula, no Quadro 4.
Quadro 4: Episódio da aula da licencianda Sara.
Turno
Tempo
Falante
Transcrição
1
22min00s
Professora
O indicador, ele vai ter uma forma ácida, HA,
que tem uma cor A. E em água ele vai se
dissociar com todo ácido e vai formar H
+
e A
-
. Só
que esse A
-
aqui, ele vai ter uma cor B. Então, o
indicador ele funciona assim, ele tem duas
formas, uma forma que ele tem uma cor A e
depois que acontece a reação ele tem uma
outra forma que tem uma outra cor. Então é
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assim que todo indicador vai funcionar. Mas,
nosso indicador, o extrato de repolho roxo,
tinha só duas cores?
2
Alunos
Não.
3
Professora
Ele mostrava que cores?
4
Alunos
Roxo, verde, amarelo, vermelho, rosa
5
Professora
Várias cores, não é? E eu consigo explicar o
extrato de repolho roxo como indicador
usando essa reação aqui? Não, porque aqui eu
estou mostrando duas cores, então como será
que funciona o extrato de repolho roxo? Ideias?
Não é assim, simplesmente assim, tem uma cor
que vira outra. Mas vocês têm uma ideia de
como vai funcionar um extrato que muda para
várias cores, que tem uma faixa com várias
cores diferentes?
6
Aluno
As cores misturam.
7
Professora
Mistura de cores.
8
Aluna
Muda de A e B e depois muda mais.
9
Professora
Você acha que é a mistura das cores, certo? E
você acha que depois disso vai mudar para mais
e para mais.
10
Alunos
Não é a mistura de cores.
11
Professora
Cadê aquela tabelinha que vocês têm? Da
escala? Se fosse a mistura da cor, digamos a
soma da cor, aqui seria amarelo e aqui seria
vermelho. A cor do meio então, seria quando
isso aqui fosse igual a isso aqui, qual a cor que
tinha que ser aqui no meio?
12
Alunos
Laranja.
13
Professora
E é laranja?
14
Alunos
Não
15
Professora
É...
16
Alunos
Roxo.
17
26min00s
Professora
Azul. É. O pH 7 é azul, então não é a mistura de
cores. Então vamos pensar no que você falou.
Daqui ele reage de novo e reage de novo. Na
verdade, o extrato de repolho roxo, ele tem
uma substância que chama antocianina, que
não vem ao caso agora a estrutura dela, mas ela
vai reagir quando você adicionar H
+
ou OH
-
, ou
seja, um ácido ou uma base, ele vai formar
outra estrutura e depois vai adicionar de novo e
vai formar outra estrutura, e cada estrutura
dessa tem uma cor. Do jeito que você falou. É
assim que funciona o extrato de repolho roxo.
Fonte: DUARTE (2013).
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Neste episódio, podemos observar que a professora faz uma pergunta e
obtém da turma duas respostas diferentes (turno 5). Ela então considera as duas
respostas e decide discutir sobre cada uma separadamente. Em um primeiro
momento, a professora caminha com a turma numa investigação sobre a primeira
ideia e conclui, junto com os estudantes, que essa não é a melhor explicação para
o fenômeno que eles estão estudando. Em um segundo momento, a professora
considera a outra ideia e afirma que ela é a melhor explicação para o fenômeno.
Podemos observar neste episódio, uma pergunta de processo que
desencadeia uma abordagem interativa e dialógica, que finaliza com uma
abordagem não interativa e de autoridade, quando a professora confirma a
resposta de uma aluna e continuidade à explicação do fenômeno. Este é um
aspecto que chama a atenção, pois mesmo professores muito experientes tendem
a responder imediatamente ao aluno com a resposta “certa” ou ignorar a resposta
que não interessa dando um feedback apenas para a resposta que interessa. Assim
vemos o esforço da licencianda em trabalhar as duas respostas conforme as
discussões realizadas nos encontros do PIBID.
Aula de Daniel
Em sua aula, Daniel direcionou a turma um total de doze perguntas dos tipos
produto e processo. Algumas dessas perguntas podem ser observadas no episódio
relatado no Quadro 5.
Quadro 5: Episódio da aula do licenciando Daniel.
Turno
Tempo
Falante
Transcrição
1
24min17s
Professor
Quando vocês adicionaram ácido, vinagre, de
que cor ficou?
2
Alunos
Vermelho. Rosa.
3
Professor
Quando vocês adicionaram soda cáustica, de
que cor ficou?
4
Alunos
Vermelho.
5
Professor
A soda cáustica ficou vermelho? NaOH.
6
Aluno
Não, ficou verde.
7
Professor
Quando vocês adicionaram o Hidróxido de
Amônio?
8
26min20s
Aluna
Verde também. Outro verde.
Fonte: DUARTE (2013).
Este episódio permite identificar várias perguntas que podem ser classificadas
como elicitações de produto. Em seus trabalhos, Mehan (1979) chama a atenção
para as demandas de escolha ou produto que tendem a elicitar respostas curtas
constituídas por uma única palavra, que são avaliadas pelos professores, gerando
sequências do tipo I-R-A (ALMEIDA e GIORDAN, 2012). Desta forma, observamos
que é favorecida a abordagem interativa e de autoridade, pois o professor interage
com os estudantes, mas considera apenas um ponto de vista, que é o da ciência.
Notamos que na pergunta “Quando vocês adicionaram soda cáustica, de que cor
ficou?” (turno 3), que a resposta dos alunos não foi a resposta esperada pelo
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professor, então ele questiona A soda cáustica ficou vermelha? (turno 5),
repetindo a fala dos alunos como uma forma de avaliação. Notamos que a
avaliação foi entendida, pois os alunos imediatamente responderam Não, ficou
verde.” (turno 6) e então ele prossegue com sua fala.
Comparando as aulas do Daniel, com as outras licenciandas, observamos que
este apresenta mais dificuldades em conduzir as aulas de forma mais dialógica. Isto
fica evidente no fato de usar praticamente perguntas de produto. Ainda que ele
faça um esforço em conduzir as aulas de forma interativa, encontra dificuldade em
sair do discurso de autoridade fazendo uma aula mais dialógica. Entendemos que
esta é uma dificuldade do licenciando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que o ensino de ciências não pode ser uma mera transmissão de
conceitos científicos. Pois os estudantes aprendem de uma forma mais significativa
quando participam efetivamente da construção do próprio conhecimento,
interagindo com os colegas e considerando o conhecimento que eles já possuem.
E para que a aprendizagem ocorra desta forma, entendemos que é interessante
que as quatro classes de abordagem comunicativa estejam presentes na aula,
proporcionando ao aluno a oportunidade de participar, compartilhando seus
pensamentos, entendimentos, necessidades e dificuldades. Neste sentido, o
professor pode conduzir sua aula da maneira que julgar mais interessante para que
os estudantes cheguem ao discurso científico.
Compreendemos que não é fácil para o professor dar “voz” ao estudante
favorecendo o discurso interativo e dialógico de forma a caminhar para o discurso
da ciência que é de autoridade. Esta é uma tensão vivenciada nas aulas de química,
até mesmo por professores experientes. Por outro lado, os episódios analisados
parecem indicar que os licenciandos participantes do PIBID fazem um movimento
no sentido de valorizar a fala do estudante, mas ainda não têm completa segurança
para manter uma abordagem dialógica por um longo período.
A utilização de perguntas durante as aulas é um fator que ajuda na introdução
da abordagem interativa dialógica, porém acreditamos que é com a prática e a
experiência que os futuros professores podem caminhar para manter essa
abordagem por tempo suficiente para construir os conceitos junto com os
estudantes e os mesmos alcançarem o discurso científico e dele se apropriarem.
Os episódios apresentados neste trabalho apontam para o esforço realizado
pelos licenciandos no sentido de colocar em prática as discussões realizadas no
PIBID sobre abordagem comunicativa e entender o seu papel nas aulas de química.
É importante que os licenciandos tomem consciência da sua atuação, assim
poderão adquirir segurança na condução de aulas cada vez mais dialógicas, pois
isso faz parte da valiosa formação que o licenciando adquire participando do PIBID.
Acreditamos que os resultados desta pesquisa, que serão apresentados aos
participantes do PIBID, poderão contribuir para as discussões sobre o tema.
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Discursive practices in teaching Chemistry: a
study of the classes of future teachers of
the Institutional Program of Initiation to
Teaching
ABSTRACT
This article presents the discursive practices identified in Chemistry classes of future
teachers of the Institutional Program of Initiatives for Teaching - PIBID. These classes were
observed during the development of the Water in Focus project: Quality of Life and
Citizenship. The objective of the research was to understand how the communicative
approach are produced in chemistry lessons of the future teachers participants of the PIBID.
For data collection were filmed three lessons taught by three scholars each class in a class
of second year high school students of a school in the city of Belo Horizonte-MG. In data
analysis, we use the analytical tool proposed by Mortimer and Scott (2003 and 2002) to
identify the classes of Communicative Approach and the types of questions present in class.
From the footage, we elaborate episodes maps in which we selected an episode of each
lesson. In these episodes, we observed at the questions that the future teacher directed the
class and from the questionings carried out seek to identify the types of Communicative
Approach. The analysis of the data allowed us to identify the effort made by future teachers
to promote an interaction with students emerging the different types of communicative
approach. We also observe that questions of the process and metaprocess facilitate the
emergence of the interactive dialogical approach.
KEYWORDS: PIBID. Communicative Approach. Training of Teachers.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 195-213, mai./ago. 2018.
NOTA
1. Nesta pesquisa os licenciandos receberam nomes fictícios para preservar a
identidade dos sujeitos.
AGRADECIMENTOS
CAPES pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S. A.; GIORDAN, M. Discursos que Circulam na Correção de um
Questionário: Sentidos e Significados. Revista Ensaio, Belo Horizonte, MG, v.14,
n.3, p. 239-259, 2012.
Candela, A. El discurso argumentativo de la ciencia en el aula. Encontro sobre
teoria e pesquisa em ensino de ciências. Belo Horizonte, 1997.
DUARTE, F. C. T. Práticas discursivas: Como aparecem nas aulas de intervenção
dos licenciandos do PIBID? Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
DRIVER, R.; ASOKO, H.; LEACH, J.; MORTIMER, E. F.; SCOTT, P. Construindo o
Conhecimento Científico na Sala de Aula. Química Nova na Escola, n. 9, 1999.
JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P. & AGRASO, M. F. A argumentação sobre questões
sóciocientíficas: processos de construção e justificação do conhecimento na sala
de aula. Educação em Revista, n. 43, 2006.
LIMA, M. E. C. C. Formação Continuada de Professores. Química Nova na Escola,
São Paulo, v.1, n.4, p.12-17, 1996.
MEHAN, H. Learning Lessons: social organization in the classroom. Cambridge,
MA: Harvard Press, 1979
MONTEIRO, M. A. A.; TEIXEIRA, O. P. B. Uma Análise das Interações Dialógicas em
Aulas de Ciências nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Investigações em
Ensino de Ciências, v.9, n.3, p. 243-263, 2004.
MONTEIRO, M. A. A.; MONTEIRO, I. C. C.; GASPAR, A.; VILANNI, A. A Influência do
Discurso do Professor na Motivação e na Interação Social em Sala de Aula.
Ciência & Educação, v.18, n.4, p.997-1010, 2012.
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MORTIMER, E. F.; SCOTT, P. H. Atividade Discursiva nas Salas de Aula de
Ciências: Uma Ferramenta Sociocultural para Analisar e Planejar o Ensino.
Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre, RS, v.7, n.3, p.7, 2002.
MORTIMER, E. F.; SCOTT, P. H. Meaning Making in Secondary Science
Classroom.1.ed. Maidenhead: Open University Press/McGraw Hill, 2003.
SILVA, P. S. O Projeto Temático na Sala de Aula: Mudanças nas Interações
Discursivas. Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.
SILVA, P. S.; MORTIMER, E. F. O Projeto Água em Foco como uma Proposta de
Formação no PIBID. Química Nova na Escola, v.34, 2012, p.240-247.
SILVA, A. C. T. Estratégias Enunciativas em Salas de Aula de Química:
Contrastando Professores de Estilos Diferentes. Universidade Federal de Minas
Gerais, 2008.
SILVA, A. C. A. da. A Dialogia No Ensino De Ciências: Um Estudo Do
Desenvolvimento Do Discurso Em Sala De Aula. Tese (Doutorado em Educação).
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
ANEXO I
PERGUNTAS BEATRIZ
- O que nós fizemos na aula passada?
- Vocês lembram as cores da nossa escala?
- Onde vai ficar a substância ácida, a básica e a neutra, nessa nossa escala?
- Se eu não conheço a escala de pH, como eu vou saber se a substância é ácida
ou básica, somente usando sua fórmula?
- Alguém sabe me dizer um exemplo de uma substância ácida?- E uma
substância básica que a gente consome no dia a dia?- Qual foi o primeiro ácido
que a gente analisou na prática?- O que essas substâncias têm em comum só de
olhar para as fórmulas delas? - O que a substância neutra vai liberar num meio?
- Quem serão meus produtos da auto ionização da água?
- Alguém sabe o que significa pH?
- Se eu estou medindo a quantidade de hidrogênio que eu tenho no meio,
quando eu to analisando uma substancia ácida, ela vai ter o que no meio? Em
grande ou em pouca quantidade?
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- Na nossa faixa de pH, quem tem o maior pH?- O que nós usamos para
verificar o pH da substância (na aula prática)?- Quantas cores a gente tinha na
escala de pH que construímos?- agora, por que vocês acham que a gente está
analisando esse pH?- Alguém sabe se é em alto ou em baixo pH que a vida
aquática consegue sobreviver? - O que vocês acham que acontece com a
reprodução dos peixes?- Eu coloquei esse ovo dentro do vinagre, o que é o
vinagre?
- O que está acontecendo aqui dentro (do potinho de ovo com vinagre)?
(formação de bolhas) Essa formação de bolhas significa o que? O que está
acontecendo? (corroendo o ovo) é uma reação química?
- Alguém sabe do que é formada a casca do ovo? E o que eu tenho lá no meio?
- se eu tenho esses íons, o que pode formar lá dentro?- se eu tiver um pH muito
ácido o peixe vai conseguir reproduzir? Por quê?
PERGUNTAS SARA
- Qual foi nosso objetivo na aula prática? Era ver o pH? Era medir o pH?
- Qual cor que ficou? Do pH 1 a 6 , a substância é o que? E 7?E do 8 ao 14?-
O que é uma solução ácida? O que é uma solução básica? Conceito. - o ácido
sulfúrico vai liberar o que em água?
- Quais as bases que nós usamos na prática? - o NaOH em água, o que vai
liberar?
- E em caso da substância neutra? O que podemos dizer com relação a
liberação de H+ e OH- na substância neutra? Como sabemos que a substância é
neutra?
- O que o pH mede?- Como que uma substância indicadora ácido-base vai
funcionar?
- A substância estava de uma cor, pinguei outra substância e mudou de cor.
Isso é evidência de que?
- O extrato de repolho mostrava quais cores?
- Eu consigo explicar o extrato de repolho roxo com essa equação aqui?
Como será que vai funcionar o extrato de repolho roxo?
Mistura das cores? Soma das cores? Vai mudando e mudando as cores
(acontecendo outras reações)? (respostas dos alunos)ela mostra que uma
resposta está errada, usando a tabela de cores que os alunos obtiveram, os alunos
mesmo entendem que a reposta não era válida. E depois explica e confirma a outra
resposta.
- Vinagre é ácido ou base? E hidróxido de sódio?- Eu tenho um ácido e uma
base aqui, só olhando dá para identificar?
- Qual o objetivo do projeto água em foco? O que o pH tem a ver com a
qualidade da água? (alunos: vida aquática) o pH vai influenciar na vida aquática?
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 195-213, mai./ago. 2018.
- Quando corrói os tubos da COPASA, quais metais serão liberados na água? -
(ovo no vinagre) O que vocês estão vendo aqui?- formação de gás é evidência de
quê?- o vinagre é ácido ou base? E todo ácido tem o quê?
- Do que é formada a casca do ovo?
- Nesta reação, alguém arrisca o que será formado aqui? Sabemos que vai
formar um gás, qual gás? O que mais está faltando?
- O que isso vai influenciar na reprodução dos peixes?
PERGUNTAS DANIEL
- Quem lembra o que aconteceu no experimento de pH que fizemos? - Como
essa mudança de cor ocorreu?
- Nós adicionamos coisas e a cor do extrato de repolho roxo mudou. O que
essas coisas eram? - quando vocês adicionaram ácido, vinagre, qual cor ficou?- e
quando vocês adicionaram soda cáustica, que cor ficou?- entre esses ácidos, qual
vocês acham que é o mais ácido?
- Alguém aqui misturou os conteúdos dos tubos depois do experimento? O
que aconteceu? - o que tem no vinagre que faz ele ser ácido?- Descrevam como
que está a superfície do ovo.- A presença de bolhas indica alguma coisa para
vocês?
- Quais evidências que vocês conhecem que indicam uma reação química? (o
ovo mudou, está diferente, está fedendo)- Será que bolhas é uma indicação de
reação química?- Com é que vamos balancear essa equação? - mas o que isso tem
a ver com a qualidade da água?
Recebido: 05 jan. 2018
Aprovado: 30 jul. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n2.7594
Como citar:
SILVA, A. C. A. As práticas discursivas no ensino de química: um estudo das aulas dos licenciandos do
programa institucional de bolsas de iniciação à docência. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 195-213, mai./ago.
2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Ana Carolina Araújo da Silva
Rua Elói Américo Mendes, n. 75, Bairro Aeroporto, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.