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ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 1, p. 1-25, jan./abr. 2019.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Teses docentes sobre o processo de ensinar
e aprender Ciências
RESUMO
Sandro Tiago da Silva Figueira
figueiras.tiago@gmail.com
orcid.org/0000-0001-5351-0782
Secretaria Municipal de Educação do Rio
de Janeiro (SMERJ), Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.
Evidenciamos neste texto os resultados de uma pesquisa de doutorado, que investigou um
processo formativo oferecido aos professores que iniciam na carreira docente da rede
municipal de ensino do Rio de Janeiro, focalizando as estratégias metodológicas para o
ensino de Ciências. Nossos objetivos englobaram a identificação das estratégias didáticas
para o ensino de Ciências e a percepção dos professores quanto ao processo de
aprendizagem da docência, tendo em vista a construção de teses docentes sobre ensino-
aprendizagem. O caminho metodológico integrou questionários com questões abertas e
entrevistas semiestruturadas. Elaboramos nessa investigação o termo teses docentes, isto
é, uma forma reflexiva dos professores se expressarem. Assim sendo, reconhecemos os
professores como portadores de conhecimentos fundamentados em suas práticas. A partir
da triangulação dos materiais empíricos tecemos nossos resultados clarificando que o
tensionamento de reflexões na dinâmica da formação de professores de Ciências pode
favorecer um clima emocional para interação no qual a manifestação das crenças e
concepções tornar-se-á a base para refletir, desalojar e provocar formas outras de atuação
comprometidas com a realidade.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores. Ensino de Ciências. Professores iniciantes.
Teses docentes.
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INTRODUÇÃO
A realidade educacional brasileira possui características muito diversas e
encontrar caminhos efetivos de ensino-aprendizagem adequados a essa
diversidade tem sido um dos grandes desafios do campo da formação de
professores. Apostamos, desse modo, na formação de professores iniciantes, com
vistas à produção de conhecimentos que se estabeleça entre os professores e os
estudantes, englobando as dimensões pessoal, profissional e cultural da profissão.
Destacamos em nossa pesquisa a entrada na carreira, período em que o
professor é concebido como iniciante, confrontando-se com a realidade escolar,
enquanto um profissional que deve responder às exigências contextuais e assumir
as responsabilidades de suas ações. Não há um período de tempo específico para
a duração da iniciação da carreira; no entanto, Huberman (2000) faz uma
indicação, sinalizando algo entre um a três anos. Segundo este autor, a entrada na
carreira é marcada pela sobrevivência e pela descoberta, aspectos que se revelam,
ao mesmo tempo, complementares e contraditórios.
Comungando com as reflexões de Huberman (2000), Garcia (2011) destaca
que o professor iniciante se encontra em um período de transição do ser estudante
para o ser professor. Em suas palavras,
es un periodo de tensiones y aprendizajes intensivos en contextos
generalmente desconocidos, durante el cual los profesores principiantes
deben adquirir conocimiento profesional y mantener un cierto equilibrio
personal. (GARCIA, 2011, p.9).
Podemos entender com esses autores que a aprendizagem da docência no
início de carreira se efetiva no entrelaçamento das tensões com a situação real da
prática pedagógica. No entanto, torna-se necessária a presença de um certo
equilíbrio, para que o docente não se sinta limitado pelas dificuldades existentes,
dificultando ou impedindo a efetivação de novas práticas.
Sendo assim questionamo-nos: como o professor iniciante pode conseguir
esse equilíbrio? Com Garcia (2011, p.10) pode-se descortinar algumas sinalizações,
quando afirma que os primeiros anos da docência não representam “un
momento de aprendizaje del oficio de la enseñanza, especialmente en contacto
con los alumnos en las clases. Significan también un momento de socialización
profesional”. A partir dessa consideração, inferimos sobre a importância do
(com)partilhar reflexões sobre as ações docentes junto aos professores que
iniciam na profissão, discutindo e iluminando os fatores que perpassam o cotidiano
profissional e pessoal.
Gatti, Barreto e André (2011) explicitam que o início da docência se configura
em uma produção acadêmica ainda pouco explorada, destacando em seus estudos
a carência de pesquisas sobre o professor que inicia a carreira no magistério,
apontando que o basta repensar os concursos de entrada, mas devemos
direcionar atenção aos apoios que ocorrem no cotidiano escolar, as ões de
suporte e acompanhamento aos professores novatos.
Temos identificado tamm, nos estudos sobre a formação de professores,
uma sinalização aos professores dos anos iniciais, especificando o ensino de
Ciências (ALMEIDA; NARDI, 2013; BIZZO, 2009a; HAMBURGER, 2007; KRASILCHIK,
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2004). Isso se deve sobretudo ao fato de que o conhecimento científico oferecido
aos docentes desse nível de ensino ainda é insuficiente.
Bizzo (2009a) ressalta que o tema de ensino em Ciências está imerso em
estudos e debates há aproximadamente 30 anos, porém nos últimos anos a
temática metodologia do ensino de Ciência tem recebido uma crescente
importância. Tal fato pode ser explicado com o apontamento feito por Krasilchik
(2004, p. 13) quando chama a atenção para o fato de que não se nota preocupação
com aspectos importantes, como as relações que dinamizam o conhecimento, uma
vez que costumam se apresentar e cobrar conhecimentos factuais irrelevantes e
desconexos em relação às outras áreas da disciplina de Ciências e às demais
disciplinas do currículo.
A partir dessas considerações, concluímos em favor da importância do
(com)partilhar reflexões sobre as ações docentes junto aos professores que
iniciam na profissão, discutindo e iluminando os fatores que perpassam seu
cotidiano profissional e pessoal. Reflexões que integrem os professores com seus
conhecimentos tecidos nos enlaces do dia a dia escolar, com seus sons, suas
imagens, sentires e devires. Defendemos, nesse sentido, perspectivas de formação
que extrapolem paradigmas que separam sujeito e objeto, isolando sujeitos e
instituições de seu caráter de produtores de conhecimentos.
Aprendemos com diálogos teóricos empreendidos com Maturana (2001), que
existimos em dois domínios operacionais: o domínio de composição, onde se
configura a autopoiese, demarcando que somos ao mesmo tempo produtor e
produto, e o domínio meio, no qual surgimos como totalidades em interação.
Assim, explica o autor, o domínio operacional em que os sistemas vivos existem
como todo ou totalidade é onde cada sistema vivo existe na realização do seu viver.
Podemos inferir, nesta perspectiva, que no fluir do viver o cotidiano escolar, o
professor emerge em totalidade, integrando elementos pessoais, profissionais e
sociais para agir, decidir e compreender os fatos educativos.
Com o intuito de congregar o todo que constitui o ser docente, propomos em
nossa pesquisa de doutoramento um esforço de especificação teórica para a
construção do termo teses docentes. Elaboramos o termo teses docentes
conjugando nosso olhar investigativo que reconhece o professor como portador
de conhecimentos fundamentados em suas práticas, com os olhares teóricos que
assumem o conhecimento enquanto uma ação efetiva no domínio de existência
do ser vivo (MATURANA; VARELA, 1995), construído de forma singular no exercício
da docência (GATTI, 2013; TARDIF, 2010; VAILLANT, 2006, 2015; ZEICHNER, 2008).
Ressaltamos que as teses docentes advêm de um sujeito cuja
profissionalidade foi legalmente reconhecida na obtenção do título de licenciado,
dispondo de prerrogativas que conferem ao seu conhecimento profissional uma
ancoragem teórico-epistemológica. Dessa forma, o professor ao estabelecer sua
prática internaliza um modo geral da ação didática sobre os conteúdos ensinados
e os processos de aprendizagem consolidando seu habitus (TARDIF, 2010)
profissional. Queremos assim dizer que as teses docentes compreendem uma
forma particular dos professores se expressarem.
Compreendemos que as teses docentes dialogam intimamente com o
conceito de saberes experienciais desenvolvido por Tardif (2010), pois é na
contextualização desses saberes que podemos depreender as teses que dão forma
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a prática pedagógica. Ao empreender teoricamente essa conceituação o autor
fundamenta a perspectiva de que a prática pedagógica realizada diariamente
mobiliza saberes pondo em cena o reconhecimento de que “o corpo docente tem
uma função social estrategicamente tão importante quanto à da comunidade
científica e dos grupos produtores de saberes” (p.36).
Os saberes experienciais para Tardif (2010) são originados no exercício
docente e no conhecimento do meio formando, por articulação, um conjunto de
representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e
orientam sua profissão e sua prática em todas as dimensões. Contudo explica que
esses saberes não provêm das instituições de formação nem são sistematizados
em teorias ou doutrinas, pois o cientista e o técnico trabalham a partir de modelos
e seus condicionantes resultam da aplicação ou da elaboração desses modelos.
Com o docente é diferente. No exercício cotidiano de suas funções, os
condicionantes aparecem relacionados a situações concretas que não são passíveis
de definições acabadas e que exigem improvisação e habilidade pessoal, bem
como a capacidade enfrentar situações mais ou menos transitórias e variáveis.
Procurando o significado da palavra tese no dicionário online Aulete Digital,
identificamos especificações desta como proposição que se enuncia, expõe ou
sustenta sobre qualquer princípio de arte ou ciência. Partindo dessa fonte
vocabular, acolhemos o termo tese enquanto proposições mobilizadas pelos
professores para criar, inferir e compreender suas ações pedagógicas. Essas
proposições pautam-se em uma relação indissociável entre o conhecimento e as
práticas concretas de sala de aula.
Gatti (2013) explica que práticas geram teorizações e teorizações geram
práticas, no entanto, a herança da Ciência positivada quebra essa relação dialética
em estruturas não comunicantes, dividindo entre polos os conhecimentos da
Ciência do conhecimento pedagógico-educacional. A autora destaca que um dos
caminhos para superarmos a desconsideração dos atos de ensinar se refere à
construção de conhecimentos sobre modos possíveis de trabalhar a educação,
implicados na relação entre pensamento e ações concretas situadas nas salas de
aulas. Vemos nesse destaque uma sustentação para as teses docentes, pois
entendemos que o professor ao efetuar conversações sobre sua prática, associa
pensamento e ação situados no contexto, descortinando conhecimentos validados
em seu agir, atravessados por indicações teóricas e constituída por significados.
Encontramos também nos estudos de Zeichner (1993, 2008, 2010)
sinalizações que corroboram com a nossa perspectiva, de que os professores, ao
pensarem sobre seu próprio fazer, elaboram teses referentes à própria ação de
ensinar e aprender. Para este autor, a produção de conhecimento sobre ensino-
aprendizagem não é propriedade exclusiva das universidades, pois os professores
têm teorias que podem contribuir com uma base de conhecimentos para o ensino.
Reforça o autor que “a melhoria escolar não pode depender só dos conhecimentos
produzidos nas universidades” (ZEICHNER, 1993, p.16). Esta proposição sublinha a
necessidade de reconhecer professores como produtores de teorizações acerca do
seu próprio trabalho e faz frente à rejeição das abordagens que concebem esses
profissionais como reprodutores acríticos. O autor explica ainda que “a diferença
entre teoria e prática é, antes de mais nada, um desencontro entre a teoria do
observador e a do professor, e não um fosso entre a teoria e a prática” (p.93).
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Assumimos que os processos de ensinar e aprender podem potencializar-se
ao entrelaçarem os conhecimentos resultantes de pesquisas com os
conhecimentos construídos pelo professor no dia a dia laboral. Acreditamos que o
desprezo de um ou de outro conhecimento diminui a possibilidade de efetivar
qualidade nas práticas educativas.
Maturana e Varela (1995) concebem o conhecer como um fenômeno a ser
explicado, isto é, um fazer na cognição que gera um mundo, pois “todo conhecer
é uma ação da parte daquele que conhece. Todo conhecer depende da estrutura
daquele que conhece” (p.76). Ao assinalarem que o conhecimento se produz na
ação, os autores colaboram com nossa perspectiva de teses docentes. Assim
sendo, defendemos nosso ângulo de entendimento, de que os professores, ao
exercitarem a docência produzem conhecimentos e geram mundos
possibilitadores de aprendizagens.
Nesta direção, Vaillant (2006, 2015) reivindica maior espaço para
conhecimento prático na formação dos professores iniciantes, reforçando
competências profissionais em sala de aula numa articulação teórico-prática e
reduzindo a distância entre os âmbitos de formação e escolar. Faz-se necessária
uma mudança epistemológica, explicita Zeichner (2010), que se posicione
contrariamente à desconexão tradicional entre conhecimento escolar e
conhecimento da universidade, provocando rupturas nas concepções que
valorizam o conhecimento acadêmico como fonte única de autoridade para
aprendizagem sobre o ensino.
Defendemos, com a elaboração das teses docentes, traçados formativos que
descortinem a superação das dicotomias que, tempos, impedem a efetivação
de aprendizagens satisfatórias da docência. Os professores, protagonistas em sua
formação, devem ser convidados a pensarem sobre sua ação, compartilhando
visões e elevando qualitativamente seu permanente processo formativo, pois
como afirma Zeichner (2010, p.486), “os indivíduos extraem de múltiplos discursos
elementos para fazer um sentido de mundo”.
As teses docentes foram evidenciadas em nossa pesquisa quando
investigávamos um processo formativo direcionado a professores iniciantes da
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, denominado Sistema Tutoria,
um programa no qual os professores recebiam o acompanhamento de um tutor,
professor da rede com no mínimo cinco anos de regência, durante o primeiro ano
de regência, tendo em vista a adequação ao sistema de ensino. Percebemos no
desenvolvimento da pesquisa, esforço dos tutores em empreender caminhos
distintos do modelo gerencialista que fundamentou o Sistema de Tutoria,
integrando um movimento de criação e autoria, marcado por práticas docentes
que fomentavam posturas e atitudes mais críticas e comprometidas com a
melhoria do ensino. Clarificaremos melhor na próxima seção as nuances e
percepções da investigação.
DO CAMINHO INVESTIGATIVO ÀS TESES DOCENTES: MOVIMENTOS E
PROCESSOS
Nossa pesquisa, inscrita no âmbito qualitativo e baseada na perspectiva da
amostragem de rede de informantes (DUARTE, 2002), contextualiza-se na
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Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SMERJ). Surge no enlace de
experiências, numa tessitura que envolveu as questões derivadas do cotidiano
escolar com o intuito de clarificar e tensionar a tríade formação-aprendizagem-
desenvolvimento profissional de professores iniciantes, relacionada ao ensino de
Ciências.
A opção metodológica pelo processo de amostragem baseada na perspectiva
da rede de informantes deve-se, sobretudo, à dificuldade de inserção do
pesquisador no campo de pesquisa, uma vez que durante o desenvolvimento da
investigação houve uma reconfiguração do quadro de gestores da SMERJ
responsáveis pela formação de professores. O acesso à atual gestão foi
impossibilitado pela burocracia institucional-organizacional, mesmo portando a
autorização de pesquisa da Secretaria de Educação e o parecer aprovado do
Comitê de Ética.
Nesse sentido, a perspectiva de rede de informantes (DUARTE, 2002) surge
como traçado metodológico às investigações que enfrentam dificuldades de
acesso ao grupo social pesquisado, como também no enfrentamento de
resistência de inserção ao meio profissional. Sobre informantes nos estudos
qualitativos, Minayo (1996) chama nossa atenção com relação à importância
destes para o aprofundamento e abrangência da compreensão que uma
investigação pretende descortinar. Aponta a autora que a escolha do grupo de
informantes deve basear-se em alguns critérios: definição clara do grupo mais
relevante, não esgotar enquanto não houver o delineamento do quadro empírico
e prever um processo de inclusão progressivo de acordo com as descobertas e
confronto com a teoria.
Duarte (2002, p.40) destaca que o uso de informantes nas abordagens
qualitativas de investigação tem se mostrado fundamental e essencial, uma vez
que “alguém do meio, a partir do próprio ponto de vista, tem relativamente
melhores condições de fornecer informações sobre esse meio do que alguém que
observa inicialmente de fora”. Reconhecemos os informantes como sujeitos que
interligam o pesquisador ao processo investigativo, por meio da narração dos
acontecimentos (GOMES, 2014) evidenciando aspectos e dimensões do campo
com informações ímpares de potencial explicativo (MINAYO, 1996).
Em nossa pesquisa elegemos como instrumentos para obtenção dos dados a
entrevista semiestruturada e um questionário com questões abertas. A entrevista,
composta por cinco perguntas, buscou evidenciar as dinâmicas de apoio aos
professores iniciantes, as estratégias pedagógicas em Ciências e as percepções
sobre o processo de aprendizagem da docência. O questionário, constituído por
doze perguntas, foi estruturado em duas partes, a primeira focalizando aspectos
acadêmicos e a segunda envolvendo o trabalho pedagógico e ações didáticas
realizadas nas turmas em que lecionaram.
Para analisar os dados empíricos obtidos pela entrevista semiestruturada e
pelos questionários, elegemos o processo de tematização elaborado por Fontoura
(2011), um processo de análise qualitativa direcionado às pesquisas que obtêm
dados a partir de entrevistas, depoimentos orais e materiais escritos. Esta
perspectiva traça um caminho de sistematização do material empírico que
possibilita um melhor aproveitamento dos achados contextualizados nas situações
em que os discursos foram produzidos.
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A análise temática ou tematização, segundo Fontoura (2011), consiste em
uma técnica de identificação dos núcleos de sentido que compõe a comunicação a
partir da organização das informações coletadas articulada com uma
fundamentação teórica bem estruturada. Dessa forma, tem-se como
procedimentos a transcrição de todo material, leitura atenta para precisão dos
focos, demarcação e delimitação do corpus de análise (inicialmente em recortes
do texto em unidades de registro podendo ser ideias, palavras, frases),
levantamento dos temas, definição das unidades de contexto (trechos mais
longos) e unidades de significado (palavras ou expressões) e o tratamento dos
dados.
Enquanto nomenclatura de análise, identificamos os sujeitos informantes
como Tutor Informante (TI) os professores indicados por nossa tutora Ego
Informante (EI). Na seção seguinte evidenciaremos as vozes dos professores com
suas concepções e conhecimentos sobre ensinar e aprender Ciências.
A EXPERIÊNCIA DO VIVER A TUTORIA: O QUE REVELAM AS ENTREVISTAS E OS
QUESTIONÁRIOS?
Para o desenvolvimento empírico da pesquisa buscamos obter falares
entrelaçados com o pensar de seis professores, que foram tutores de professores
iniciantes, sobre a aprendizagem docente e ensino de Ciências com o objetivo de
evidenciar modos de favorecer o desenvolvimento profissional de professores
iniciantes. A tutoria, no contexto da formação de professores iniciantes, tem se
constituído uma alternativa para a superação da deserção dos professores em
início de carreira e ao mesmo tempo propiciar aos novos membros um meio
adequado para construção de seus saberes. Garcia (2010) explica que, com o início
do século XXI, o cenário de atuação docente se complexifica e se agudiza com as
novas demandas impostas pela sociedade às escolas. Como reação, surgem
esforços institucionais para a implantação e desenvolvimento de programas de
acompanhamento aos docentes iniciantes e a crescente incidência de pesquisas
sobre esse campo.
Dos desdobramentos oriundos da percepção da necessidade de retenção e
qualidade de atuação docente, destacamos o Sistema de Tutoria, um programa de
acompanhamento de professores iniciantes na rede pública municipal de ensino
da cidade do Rio de Janeiro. Implantado no segundo semestre de 2012, como parte
da política de valorização dos professores desta rede e pelo reconhecimento da
necessidade de melhoria das práticas educacionais nas unidades escolares, surgiu
com a missão de orientar pedagogicamente os novos docentes admitidos nos
concursos.
A seleção dos tutores compunha-se de análise de documentações
apresentadas pelos candidatos, tais como comprovação de no mínimo cinco anos
de regência em turmas da rede municipal de ensino, declaração da escola de
lotação constando o desempenho das turmas em que atuou. O trabalho deveria
pautar-se de forma colaborativa, visando o aperfeiçoamento, organização do
planejamento e melhoria do desempenho dos alunos. Cada tutor ficaria
responsável por até cinco professores iniciantes e suas obrigações envolveriam
atividades presenciais em sala de aula com os tutorandos, aula demonstração e
atividades de planejamento e estudos.
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Imbuídos da reflexão de que o conhecimento é a apreciação do outro sobre a
conduta de alguém, de um observador sobre a conduta de outro, podendo ser ele
mesmo (MATURANA, 2001), sustentamos o olhar que estabelecemos com as
conversas originadas nas entrevistas, olhar este que toma a experiência do dizer
enquanto um ato de voltar sobre si mesmo, expressando singularidades e
múltiplos devires.
O ensino de Ciências esteve presente nas conversações por nós estabelecidas
através de visões variadas sobre modos de desencadear aprendizagens. Os sujeitos
informantes destacaram estratégias de pesquisa e manuseio do concreto, diálogos
entre as áreas do currículo, utilização das etapas do fazer científico,
experimentação e aplicação dos conhecimentos científicos na vida dos alunos,
conforme expressa o quadro 1.
Quadro 1 - Núcleo de sentido Abordagem integrada no ensino de Ciências.
Unidades de significado
Núcleo de sentido
Aprendizagem pautada
por pesquisa e manuseio.
Atentar-se a todas às
áreas do currículo
buscando um diálogo.
Utilizar as etapas
científicas no dia a dia da
sala de aula.
Trazer os assuntos
pertinentes à Ciência para
a realidade dos alunos.
Experimentação como
caminho para
aprendizagem.
Abordagem
integrada no
ensino de
Ciências.
Fonte: autoria própria (2017).
Maturana (2001) entende a Ciência como um domínio cognitivo pautado por
explicações científicas e “com a dinâmica de constituição de sistemas configurados
pelo observador ou pela comunidade do observador” (p.57). Podemos apreender
que processos de ensino-aprendizagem que coordenam ações de pesquisar ou
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manusear elementos do real possibilitam a conjunção de reflexões e explicações
que partem do observador, em nosso caso o aluno, com as facetas relacionadas à
produção de conhecimento em Ciências.
O trabalho interdisciplinar foi enfatizado pelo sujeito informante TI 1 como
aspecto necessário ao ensino de Ciências, uma vez que além de favorecer a troca
entre os profissionais, promove a ligação e o diálogo dos assuntos científicos. Para
Bizzo (2012), a aproximação conceitual, favorecida pela interdisciplinaridade,
evidencia o reconhecimento da pluralidade de vertentes teóricas existentes
potencializando o sucesso do ato educativo.
Krasilchik e Marandino (2007) explicam que o ensino de Ciências passou de
uma fase de apresentação da Ciência como neutra para uma visão interdisciplinar.
Essa mudança resultou da percepção da característica comum do ensinar como
“servir o cidadão para participar e usufruir das oportunidades, das
responsabilidades e dos desafios do cotidiano” (p.8). Preocupados em
proporcionar aos alunos essa participação responsável no cotidiano, encontramos
os sujeitos informantes TI 2 e TI 4 que revelaram em suas respostas um
reconhecimento quanto à utilização das etapas do fazer científico em sala de aula
articulada à realidade dos alunos.
Consideramos coerentes com a concepção de Ciências formativa e não
somente informativa as falas de TI 2 e TI 4, pois conforme destaca Bizzo (2012), o
ensino de Ciências só pode se efetivar ao relacionarmos os fenômenos estudados
com o conteúdo vivencial dos alunos, que conhecer todos os aspectos é
importante tanto para o professor, como parte do seu método, como para o
próprio aluno.
A conexão entre Ciência e vida cotidiana é mencionada por Maturana (2001)
enquanto forma de articulação da práxis do viver e do suceder do viver implicados
na linguagem. A partir dessa conexão podemos reformular nossa experiência, pois
se cria um espaço que não é alheio à vida cotidiana, mas pertence a ela num
processo de dar-se conta. Essa reformulação é vista como um caminhar que
desencadeia mudanças nas atitudes e nas relações, como explica Maturana (2001),
este caminho nos abre um mundo de respeito por nós como seres vivos, “porque
nos damos conta de que aquilo que podemos fazer, podemos fazer na medida em
que o fenômeno de conhecer é um fenômeno vivo” (p.40).
No depoimento do sujeito informante TI 5 elencamos a unidade de significado
Experimentação como caminho para aprendizagem. Para este tutor, as atividades
de experimentação permitem apropriações e aprendizagens processualmente,
que o processo é concebido com um caminhar. É fato a ideia de que o ensino de
Ciências desenvolvido por experimentação oportuniza a ampliação de
aprendizagens, pois, dentre outros motivos, permite análises sobre as causas dos
fenômenos atrelados às possibilidades e limitações do conhecimento científico. No
entanto não devemos reduzi-las a poucos momentos durante o período letivo.
Bizzo (2009c) enfatiza que experimentar é antes de tudo identificar problemas
e elaborar formas de abordá-los. Para o autor, as aulas de Ciências devem ser
planejadas buscando levar os alunos ao diagnóstico de problemas, à análise de
experimentos e alternativas lógicas para a construção de modelos explicativos.
Inferimos que a ênfase dada na resposta do sujeito informante TI 5 às atividades
experimentais vai ao encontro do ensino de Ciências dimensionado como
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provocador das dimensões intelectuais e sociais dos alunos, em que a imaginação
e a criatividade constituem elementos frequentes.
A análise das respostas do quadro 1 trouxe-nos o núcleo de sentido
Abordagem integrada no ensino de Ciências. Em Bizzo (2012) vemos que as
abordagens integradas são aquelas que propõem o trânsito entre metodologias
variadas. O autor destaca que há pouco apoio efetivo ao professor em sala de aula
na perspectiva das abordagens integradas, apesar de serem estimuladas. Contudo,
em nossa investigação, identificamos que os tutores apoiavam os professores
iniciantes no desenvolvimento de estratégias metodológicas diversas tais como
pesquisa, diálogos entre as diferentes áreas, etapas do fazer científico em sala de
aula, experimentação e articulação entre Ciência e cotidiano.
Apresentaremos agora as respostas oriundas dos questionários com questões
abertas enquanto meio para relacionarmos a formação e o trabalho docente de
nossos sujeitos informantes, clarificando pensares acerca do processo de ensino-
aprendizagem articulado com estratégias para o ensino de Ciências.
Indagamos nossos sujeitos informantes sobre as dinâmicas de suas aulas com
intuito de evidenciar o pensar-fazer integrado ao trabalho pedagógico. As
respostas encontram-se no quadro 2.
Quadro 2 Núcleo de sentido Contextualizar e significar para aprender
Respostas
Unidades de
significado
Núcleo de sentido
EI Construção de gráficos,
desenvolvimento de
argumentação, formação de
sínteses e leitura de imagens.
TI 1- Participação ativa dos alunos
com dúvidas e questionamentos.
TI 2 Experiências dentro do
conteúdo, uso de mídias e
trabalhos de pesquisa.
TI 3 Trabalho com recursos
didáticos diversos, fontes
convenientes e exposição
dialogada.
Construção
Participação dos
alunos
Experiências e
pesquisas
Recursos didáticos
diversos
Contextualizar e
significar para aprender
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Respostas
Unidades de
significado
Núcleo de sentido
TI 4 Toda aula que promova a
curiosidade e o entusiasmo por
aprender. Conseguir desenvolver
aulas assim é o meu objetivo.
TI 5 Nos últimos anos participei
do projeto Autonomia Carioca, e
a dinâmica era atividade que
potencializasse a leitura do
mundo.
Promova a
curiosidade dos
alunos
Potencialização da
leitura do mundo
Contextualizar e
significar para aprender
Fonte: autoria própria (2017).
Identificamos nas respostas às questões abertas do questionário o núcleo de
sentido Contextualizar e significar para aprender, pois se depreendem das
dinâmicas pedagógicas citadas práticas docentes que propõem aos alunos a
construção de conhecimentos a partir de experiências e pesquisas num
movimento de potencialização da leitura do mundo. As unidades de significado
corroboram com nossa percepção, pois a participação dos alunos em seu próprio
processo de aprendizagem, apoiados por recursos didáticos diversos que
despertem curiosidade e entusiasmo, evidencia uma busca, por parte dos
professores, de estratégias de ensino que tomem a contextualização como forma
de significar aprendizagens.
Para Pierro (2013), a contextualização e a significação das práticas
pedagógicas constituem uma das grandes responsabilidades da escola, uma vez
que são postos em interação os conteúdos curriculares com aspectos da vida e da
coletividade, propiciando não somente compreensões, mas também um pensar
acerca da participação no mundo.
Gerar conhecimento em sala de aula intimamente relacionado com o mundo
é, para Bizzo (2012), uma maneira muito privilegiada de conhecê-lo e de perceber
como ele funciona, já que estariam superadas práticas memorísticas nas quais os
alunos recebem passivamente um conhecimento visto como confiável.
Os processos de significação em situações de aprendizagens são apontados
por Fontoura, Pierro e Chaves (2011) como resultantes do entrelaçamento de
estratégias que possibilitam, nos alunos e alunas, a promoção do pensamento
reflexivo na relação com a realidade a ser aprendida e apreendida. Podemos
visualizar tal apontamento nas respostas do quadro acima, já que são demarcadas
estratégias, dentre elas desenvolvimento de argumentação, formação de sínteses
e questionamentos, que favorecem a imersão em dinâmicas promotoras de
reflexão e apreensão.
Nessa direção reflexiva, percebemos no relato do sujeito informante EI uma
compreensão da produção de conhecimento científico em sala de aula relacionada
com o processo de construção, isto é, centrada em ações que superem o ensino
transmissivo, voltando-se para elaboração e apropriação dos conhecimentos pelos
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alunos na própria dinâmica de aprendizagem. Maturana e Varela (1995) ressaltam
que produzir conhecimentos deve basear-se em ações que se apliquem às diversas
dimensões da nossa existência, ao que estamos fazendo no aqui e agora, que
nos movemos numa realidade que é nosso ponto de partida e nosso problema.
Esse caráter de conhecer que se associa a processos construtivos constitui a ‘chave
mestra’ para desencadear compreensões sobre nossas ações, nossas raízes e nosso
próprio ser.
O trabalho com recursos didáticos que despertassem uma participação ativa
dos alunos pode ser percebido nas respostas dos nossos sujeitos informantes; no
entanto, conforme Bizzo (2009a) ressalta, ao selecionar o melhor material, os
professores devem perceber se estes constituem apoio realmente efetivo, isto é,
se estão adequados à realidade dos alunos fornecendo informações satisfatórias.
Entendemos que na eleição dos recursos os docentes precisam ir além da
percepção da adequação ou não ao nível de aprendizagem dos alunos,
necessitamos buscar instrumentos que, partindo do contexto real em que estão
inseridos, instiguem a curiosidade e possibilitem a ampliação de perspectivas.
No que tange à participação ativa dos alunos no seu processo de
aprendizagem, relato expresso pelo sujeito informante TI 1, identifica-se o
conceito de circularidade entre ação e conhecer elaborado por Maturana e Varela
(1995). Para os autores, a circularidade congrega o encadeamento do ser de uma
maneira particular com o mundo, sustentando a constante consciência de que o
fenômeno de conhecer não se equipara a captar e armazenar fatos ou objetos na
cabeça. Dessa forma, todo conhecer é fazer, no qual alunos e professores, na ação
educativa, elaboram distinções e descrições de acordo com suas experiências e
histórias, através de interações, descortinando um espaço de compartir mútuo em
um ambiente de desencadeador de aprendizagens.
Encontramos também no questionário menção à importância de planejar
aulas que promovam a curiosidade e o entusiasmo por aprender. Ainda com Bizzo
(2009a) vemos que aulas dirigidas a despertar a curiosidade e o interesse devem
mergulhar os estudantes no enfrentamento de desafios que oportunizem a
clarificação das escolhas e dos pensamentos sobre o conhecimento científico, sem
desmerecer outras áreas igualmente importantes.
O entusiasmo, entendido como um componente da emoção, foi trazido pelo
sujeito informante TI 4 enquanto um aspecto necessário para a assunção de
aprendizagens. As emoções, segundo Maturana e Varela (1995), fundam e
constituem os espaços de ação. Assim sendo, não é possível separar a razão da
emoção nos domínios de nossas ações pedagógicas, pois elas integram e guiam o
fluxo do ensinar definindo o espaço relacional no qual ocorrem nossas práticas
educativas, conferindo significados aos sujeitos que participam da dinâmica de
aprendizagem.
Assumimos que a contextualização se mostra um caminho potencial para
dinamização do ensino dos vários componentes curriculares, e, em especial,
Ciências, foco do nosso estudo, pois conforme pontua Maturana (2001), a validade
da Ciência está em sua conexão com a vida cotidiana. Dessa maneira, entendemos
que ao contextualizar os conteúdos podemos conjugar a dimensão vivencial dos
nossos alunos com a perspectiva científica, levando-os a confrontarem suas teorias
pessoais e a construírem novas compreensões sobre o mundo.
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Concebemos o trabalho pedagógico em sala de aula enquanto um conjunto
de ações desencadeadoras (MATURANA; VARELA, 1995) de experiências
cognitivas, em que os alunos, a partir de uma postura ativa frente às interações
com seus professores, com sua turma e com as perturbações (MATURANA, 2001)
delas derivadas, tornam-se sujeitos em seu próprio processo de aprendizagem
integrando autonomia e responsabilidade. Tomando as unidades de significado do
quadro 2 construção, participação dos alunos, experiências e pesquisas, recursos
didáticos diversos, promoção da curiosidade, o entusiasmo, e a potencialização da
leitura do mundo podemos perceber uma ação educativa nessa direção.
Segundo Maturana (2001), toda experiência cognitiva envolve aquele que
conhece de maneira pessoal e as compreensões possibilitadas pela ação de
conhecer advém de um mundo criado com o outro. Assim sendo podemos
depreender que uma postura mais participativa dos alunos deve ser estimulada
por meio da convivência com o outro, reconhecido como legítimo, no entrelaçar
do linguajar e emocionar, integrando opiniões e pontos de vistas diversos.
Contudo, ressaltamos que a participação ativa dos alunos sem os devidos
entrecruzamentos com olhares outros, neste caso dos colegas de turma, pode
tornar-se um impeditivo da “única oportunidade que temos de descobrir nossas
cegueiras e de reconhecer que as certezas e os conhecimentos dos outros são,
respectivamente, tão nebulosos e tênues quanto os nossos” (MATURANA;
VARELA, 1995, p.67).
No depoimento do sujeito informante TI 4, identificamos a percepção de que
as aulas de Ciências devem promover a curiosidade e o entusiasmo por aprender.
Consideramos que essa perspectiva poderá ser explorada colocando o aluno na
posição de observador do próprio viver cotidiano, isto é, propiciando um ambiente
de aprendizagem onde o pensar as escolhas comportamentais surja do sujeito que
observa num “raciocínio motivado pelo encontro com o outro” (MATURANA;
VARELA, 1995, p. 264).
Podemos também apreender que a curiosidade e o entusiasmo sejam
resultantes de um determinado domínio emocional dos alunos presente numa
situação específica de aprendizagem. Maturana (2001) explica que as emoções são
apreciações do observador que surgem no momento em que se atenta para a
operação de distinção. Dessa forma, ao tensionarmos, em sala de aula, diferentes
maneiras de ver e explicar a realidade em que os alunos vivem, tangenciada pelo
conhecimento científico, conferimos um espaço emocional à dinâmica de ensinar
e aprender, marcado pela abertura ao outro e pela aceitação mútua.
Perguntamos aos sujeitos informantes a visão deles de um trabalho que
pudesse favorecer a construção de conhecimentos em Ciências. Das suas respostas
identificamos o núcleo de sentido Ensino de Ciências dialógico com a realidade,
conforme expressa o quadro 3.
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Quadro 3 - Núcleo de sentido Ensino de Ciências dialógico com a realidade.
Respostas
Unidades de significado
Núcleo de
sentido
EI Um trabalho que valorize o
cotidiano, que apresente ao
aluno a forma de relacionar o
estudo formal com a realidade.
TI 1- Atividades do interesse dos
alunos e que levem a motivação,
com espaço para diálogos e
debates.
TI 4 Um trabalho que traga a
Ciência para o cotidiano.
TI 5 Aulas práticas favorecem o
conhecimento. Portanto, o
planejamento deve conter tal
metodologia, onde através da
prática a teoria seja aprendida.
Valorizar o cotidiano e
relacionar o estudo formal
com a realidade
Desenvolver espaços para
diálogos e debates
Trazer a Ciência para o
cotidiano
Planejar aulas onde através
da prática a teoria seja
aprendida.
Ensino de
Ciências
dialógico com a
realidade
Fonte: autoria própria (2017).
Identificamos nas respostas uma evidenciação à importância de um trabalho
pedagógico que valorize o cotidiano dos alunos, relacionando o estudo formal com
a realidade, pautados por diálogos, debates, pesquisas e observações propiciando
a emergência da teoria a partir da prática.
Nossos sujeitos informantes expressaram em seus escritos que para favorecer
a construção de conhecimentos em Ciências precisamos trazê-la para o cotidiano
dos alunos articulando os conteúdos com a realidade. Krasilchik e Marandino
(2007) reforçam essa perspectiva ao afirmarem que evidenciar o quão a Ciência
está presente em nossa vida diária, conjugado com a necessária postura crítica e
analítica dos cidadãos frente ao conhecimento científico, se constitui uma de
nossas responsabilidades enquanto docentes atentos ao desenvolvimento da área.
Espaços para diálogos e debates foram mencionados em nosso questionário
como uma prática fértil para a construção de conhecimento em Ciências. A
literatura da área de ensino de Ciências corrobora com essa ótica, que ao
proporcionarmos atividades de trocas de ideias e debates, clarificamos, aos alunos
envolvidos, formas apropriadas de encontrar respostas e provocar novas
explicações sobre questões que os afligem (BIZZO, 2009b). Entendemos os
diálogos e debates enquanto um operar na linguagem (MATURANA; VARELA,
1995), no qual os sujeitos em interação implicam-se numa dinâmica de pensar seu
próprio pensamento a partir da perspectiva do outro. A linguagem, conforme
Maturana e Varela (1995, p.34), permite “descrever-se a si mesmo” num
movimento possibilitador dos fenômenos de reflexão e consciência. Nesta
perspectiva, o desenvolvimento de oportunidades para debates ou diálogos nas
aulas de Ciências pode conferir uma amplitude consciencial e reflexiva na relação
dos nossos alunos com o conhecimento científico.
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Defendemos que práticas dialógicas necessitam integrar as rotinas das salas
de aula como forma de trazer dinamicidade ao ensinar e aprender, levando os
alunos a se apropriarem dos conhecimentos de forma reflexiva, não somente
analisando os conteúdos, mas também percebendo como estes influenciam o seu
dia a dia, ou conforme explicitam Fontoura, Pierro e Chaves (2011, p.27), “basear-
se no diálogo é respeitar o aprendiz como pessoa capaz de produzir significado, e
não apenas receber lições passivamente”.
Consideramos por ensino de Ciências dialógico aquele que explora o
levantamento de questões, hipóteses e reflexões (BIZZO, 2009a), possibilitando o
surgimento de uma crítica fundamentada. Nessa dinâmica os alunos aprendem
não somente novas explicações, mas maneiras outras de elaborar e reelaborar
explicações próprias. Com Bizzo (2009a), apreendemos a riqueza que reside no
ensino de Ciências mais dialógico, pois, para este autor, a conversa, o debate e a
defesa de pontos de vista descortinam reais oportunidades de aprendizagem.
Logo, “expor ideias próprias é, em si, uma capacidade que deve ser estimulada e
desenvolvida” (p.68).
A valorização do debate como meio para possibilitar o interesse nos alunos
pode ser visualizada no relato TI 1. Para nós, o debate se constitui em perturbações
recíprocas (MATURANA; VARELA, 1995), que se assentam em interações que não
determinam nem informam seus sujeitos, mas desencadeiam mudanças a partir
da correspondência com o meio. Maturana e Varela (1995) assumem o domínio de
perturbação como um corresponder-se, isto é, uma relação recorrente na qual o
organismo e meio transformam-se juntos. Os autores destacam que a categoria
perturbação diferencia-se das interações destrutivas, que estas últimas são
domínios que desintegram o todo constitutivo de nosso ser rompendo a
correspondência com o meio. Logo, estar imerso nas circunstâncias da vida
cotidiana, retirando os elementos para efetuar proposições explicativas, é
encontrar-se no domínio de perturbação.
Percebemos em respostas obtidas na coleta de dados a ênfase nas aulas
práticas como favorecedoras da apropriação de conhecimentos em Ciências.
Concebemos o termo prática enquanto experimentação, pois segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1997) um experimento é
realizado quando os alunos discutem ideias, manipulam e organizam materiais,
observam e relacionam os resultados. Para os PCN, a experimentação, fonte de
investigação que entrelaça os fenômenos e suas transformações, tem suas
possibilidades ampliadas quanto mais os alunos realizam por si mesmos as ações,
discutem os resultados e organizam as anotações sobre o que realizaram. Neste
ângulo, vemos a dinâmica dialógica favorecendo e contribuindo com formas de os
alunos viverem a Ciência em sala de aula, mergulhando-os num espaço de
assunção de responsabilidades e autonomia.
Destacamos a necessária percepção por parte dos professores de que um
experimento, por si só, não constitui garantia de aprendizado. É no
acompanhamento, na exploração e condução pedagógica que a potencialidade da
experimentação vai surgindo. Para Bizzo (2009a), a riqueza de uma experiência
reside na oportunidade de “exercitar uma das características mais fascinantes do
trabalho com o conhecimento científico, que é a possibilidade de levantar
hipóteses originais” (p.96).
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Krasilchik e Marandino (2007) explicam que uma dupla preocupação da
escola com relação ao ensino de Ciências, a que toma a perspectiva acadêmica
voltada para conteúdos e conceitos, e outra mais utilitária, isto é, centrada na
formação do cidadão que compreende os conceitos e os utiliza para enfrentar
desafios e para refletir sobre o seu cotidiano. Assim, inferimos que um ensino de
Ciências pautado por diálogos entre alunos e professor e entre os próprios alunos
poderá encaminhar apreensões sobre o papel que a Ciência tem nas suas vidas, na
perspectiva de uma busca racional e crítica de dados empíricos desencadeados na
práxis do viver, servindo de “base e orientação para suas decisões pessoais e
sociais” (KRASILCHIK; MARANDINO, 2007, p.17).
Os relatos dos nossos sujeitos informantes evidenciaram uma valorização da
escola como espaço fundamental para acesso ao conhecimento científico. Não
houve menção aos contextos de educação não formal como meio favorecedor
para apropriações científicas. Inferimos que, apesar de reconhecerem como
condição sine qua non a ponte entre vida cotidiana e os processos de ensino e
aprendizagem em Ciências, não emitem valores relacionados às instituições que
produzem e socializam conhecimento científico. Segundo Pierro (2013), a
dimensão não formal pauta-se nas diferentes formas de aprendizagens que não
acontecem necessariamente dentro da escola, englobando dessa forma
programas, grupos e instituições. A autora explica que a riqueza dos espaços e
tempos não formais precisa ser recuperada, pois legitima conhecimentos ao
mesmo tempo em que os contextualiza. Acreditamos que os espaços não formais
constituem uma oportunidade singular de interação em que podemos conduzir o
emocionar dos alunos para desencadear mudanças estruturais (MATURANA,
2001). Integrando emoção, razão e linguagem nas experiências de aprendizagens
dos alunos, poderemos provocar maneiras outras de enxergar a realidade e de nela
intervir responsavelmente.
Entrelaçando os núcleos de sentidos que emergiram dos questionários -
Contextualizar e significar para aprender e Ensino de Ciências dialógico com a
realidade encontramos sinalizações que corroboram com a perspectiva de
conhecimento defendida pela pesquisa em tela. Entendemos que todo conhecer
produz um mundo, um mundo no qual os sujeitos dele participantes tornam-se
capazes de refletir sobre suas realizações, operando efetivamente transformações
nos seus domínios existenciais. Com Maturana e Varela (1995) sustentamos essa
ótica, pois acreditamos que a cognição é uma ação efetiva “uma ação que permite
a um ser vivo continuar sua existência em determinado meio ao produzir seu
mundo. Nem mais, nem menos (p.72).
ENSINAR E APRENDER CIÊNCIAS: O QUE DIZEM AS TESES DOCENTES
O movimento analítico empreendido com os dados obtidos nos questionários
e nas entrevistas indicou que a nossa existência, seja no âmbito pessoal ou
profissional, é tecida num mundo criado com um legítimo outro e que as
compreensões necessárias ao ensino de Ciências e às práticas dos professores
iniciantes são desencadeadas num processo de dar-se conta. Tomando essas
indicações e relacionando-as ao objetivo que moveu a pesquisa, pensar um
processo formativo baseado em tutoria, apresentamos nesta seção a triangulação
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do material analisado na qual articulamos os passos percorridos evidenciando as
teses docentes expressas por nossos sujeitos informantes.
Para Minayo et al (2005), a triangulação refere-se à expressão dinâmica da
investigação, integrando a análise das estruturas, dos processos e dos resultados
em direção à compreensão das relações envolvidas, descortinando, segundo
Fontoura (2011, p.73) uma reconstrução intencional e deliberada a partir do olhar
do pesquisador somado aos olhares teóricos utilizados”. Buscamos, no processo
de triangulação, o sentido vivificado nas maneiras de pensar e construir práticas
geradoras de aprendizagem, combinando as reflexões dos sujeitos informantes
originadas nos questionários e entrevistas com os núcleos de sentido
estabelecidos em cada análise, clarificando as teses docentes ali assentadas.
O Sistema de Tutoria, conforme percebemos em nossa pesquisa, orientou-se
por uma perspectiva pautada na execução de práticas engessadas buscando,
sobretudo, a adequação. Contudo, a partir das conversações efetuadas com
nossos tutores, identificamos um exercício de resistência a essa perspectiva,
mobilizando ações pedagógicas em que a aprendizagem (seja do aluno ou do
professor iniciante) possa se tornar o centro do processo formativo e não somente
a preocupação com os índices das avaliações. É a experiência tecida nas situações
de sala de aula e vivida pelos tutores no acompanhamento dos professores
iniciantes que sustenta as teses docentes, isto é, teorizações vivenciais enlaçadas
nos fazeres cotidianos, descortinando procedimentos de mediação pedagógica
segundo as demandas do cotidiano docente.
Definimos as teses docentes como uma forma de reflexão utilizada pelos
professores para interpretar e verbalizar sua atuação pedagógica. Um exame fruto
da relação dialética entre individual e coletivo visando à construção de alternativas
de enfrentamento às situações didáticas colocadas pelo cotidiano escolar. As teses
docentes constituem em si um conhecimento próprio do fazer. Dessa forma
entendemos que as teses docentes explicam observações de um fenômeno
oriundo das práticas educativas, provocando transformações na relação de
conversação entre os professores. As relações, conforme Maturana e Varela
(1995), são geradoras de redes de transformações dinâmicas produzindo
componentes que integram, interagem e formam. Acreditamos que as teses
docentes abrem um novo horizonte para os processos de desenvolvimento
profissional, pois orientam-se no estabelecimento de relações contextuais e
organizacionais, passando pelo reconhecimento das dimensões coletivas,
individuais e autorais da atividade pedagógica, encaminhando as interações
formativas a superarem os modelos padronizados e prescritivos.
Pensando as relações educacionais, Gatti (2013) sinaliza a existência de cinco
polos: o aluno, o professor, o conteúdo, o contexto de referência (formas de
teorização/representação) e contexto de trabalho (contexto social com suas
condições) e que ao ponderarmos sobre os processos formativos docentes
precisamos considerar a inter-relação entre esses componentes. Percebemos,
nesse ângulo de compreensão, as possíveis contribuições das teses docentes, uma
vez que ao trazerem as reflexões sobre o espaço-tempo de ensinar e aprender
insere e integra os desafios do dia a dia escolar nas experiências e dinâmicas do
ensino.
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A construção de conhecimentos sobre a docência precisa englobar o professor
e sua experiência articulando as dimensões individuais e coletivas, pois como
posiciona Zeichner (1993), a prática de todo professor resulta de uma ou outra
teoria, embora seja reconhecida ou não. Diz o autor que um professor desenvolve
teorias sobre a realização de objetivos educacionais, tanto oriundas de sua
formação universitária como de suas vivências na docência, e todas precisam ser
avaliadas quanto à sua qualidade.
Para clarificarmos as teses docentes, a partir do processo de triangulação,
percorremos as seguintes etapas: primeiramente retomamos as análises dos
questionários e entrevistas buscando nas unidades de significado ideias-chave que
descortinassem compreensões sobre nosso objeto de estudo, aprendizagem
docente em contexto de tutoria, e sua articulação com o referencial teórico que
adotamos.
Seguimos com o agrupamento das ideias-chave, inicialmente com palavras
que encaminhassem a construção das categorias temáticas. Nesta etapa,
acompanhamos os apontamentos de Minayo et. al (2005) sobre triangulação,
respeitando os aspectos contextuais e relacionais para que os conceitos se tornem
unidades construídas sob vários ângulos de consideração. Prosseguimos cruzando
as análises efetuadas do livro Aula Nota 10 e dos documentos legais que
instituíram o Sistema de Tutoria por entendermos que de forma distinta e ao
mesmo tempo combinada vinculamos linguagens complementares para
compreender a validade de cada uma de acordo com sua relevância teórica
(MINAYO et al, 2005).
Triangulando as análises empíricas da pesquisa em tela, emergiu a categoria
temática direcionando teses docentes para a Implicação dialógica e integrada no
ensino de Ciências. Esta categoria temática compõe-se de teses que ecoam um
reconhecimento ao ensino de Ciências imbricado com a realidade dos alunos,
centrando suas proposições na promoção de práticas que evidenciem a Ciência no
cotidiano dos alunos por meio de múltiplas metodologias. Sinalizam a importância
de relacionar o ensino formal com a realidade (EI), que levem a motivação com
espaço para diálogos e debates (TI5), ligando os assuntos científicos (TI1) e
utilizando as etapas científicas no dia a dia da sala de aula.
A fertilidade do aprendizado na perspectiva de vinculação com o meio social
vem, tempos, sendo apontado por estudiosos (KRASILCHIK, 1988, 2004;
HAMBURGER, 2007; BIZZO, 2009a). Entretanto questionamo-nos quanto à
concepção que justifica a ancoragem na realidade em situações de ensino.
Krasilchik (1988) explica que essa concepção se relaciona às mudanças ocorridas
nas perspectivas que a educação deveria propiciar e por consequência no ensino
de Ciências, que passa de uma metodologia de ensino concebida como prática
experimental ancorada na obtenção de relações causais e correspondentes para
uma linha etnográfica e de medidas qualitativas. Para a autora, subjacente à
primeira metodologia, a ideia de formação de elites e classificação dos alunos
enquanto a segunda baseia-se na convicção de que todos podem aprender,
cabendo à escola encontrar formas de ensinar.
Dessa forma, ir além da absorção de informação buscando modos de
despertar conceitos intuitivos a partir de atividades que invoquem ideias e
explicações pessoais, pressupõe admitir que “grupos de alunos de origens culturais
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diferentes podem ter visões diversas do mundo, conhecimentos que reflitam
experiências formais e informais diferentes e que, portanto, os currículos deverão
atender e superar essas diferenças” (KRASILCHIK, 1988, p.59). A nosso ver, esse
entendimento confere um valor às experiências formais e informais dos alunos,
assumindo que suas realidades tomam vida e sentido em processos explicativos.
Segundo Bizzo (2009c), inexiste realidade dissociada do sujeito, pois no
processo de observar, o observador participa ativamente do processo. Essa
constatação abre um ângulo de compreensão pedagógica orientada para a
flexibilidade do conhecer, já que não uma compreensão única das enunciações.
Dessa forma, afirma o autor que “o que a criança percebe nem sempre coincide
com o que o professor lhe está mostrando(p.31). Este fato condiz com as teses
docentes da categoria temática Implicação dialógica e integrada no ensino de
Ciências, que expressam o reconhecimento de abordagens múltiplas para atender
à heterogeneidade dos alunos que compõem uma classe, entrelaçando suas ideias,
visões e explicações do mundo e com o mundo.
Identificamos que os sujeitos informantes, ao resgatarem, em memória, o fluir
do conviver na tutoria, expressaram suas falas em forma de teses docentes, isto é,
revelaram estruturas reflexivas aliando fazer e pensar. Mostraram que teorizam
na medida em que se confrontam com suas expectativas e resultados
transversalizando conhecimentos e práticas. Assim, vimos que as teses docentes
tomam vida no espaço relacional, conjugando ação e conversação num domínio
existencial que traz consigo a confiança em si e o respeito por si visando fluxos de
colaboração. Uma confiança que promove aberturas porque acolhe sentires e
devires tanto pelas circunstâncias quanto por colegas de profissão.
CONCLUSÃO
O protagonismo e a autoria na formação docente, atrelada aos saberes
construídos na experiência, vem sendo defendido na literatura pedagógica
tempos (TARDIF, 2002; NÓVOA, 2009; ANDRÉ, 2010, 2015). Assumimos que as
teses docentes se apresentam como uma alternativa a essa defesa, elaborada com
base nas estruturas, percepções e visões de mundo de professores que no convívio
escolar desenvolveram ideias e critérios próprios de validação, indicando
conhecimentos sobre ensino-aprendizagem.
Entendemos que as afirmações e explicações proferidas pelos professores,
tanto nos questionários como nas entrevistas, evidenciam coerências
operacionais, pautadas no domínio estrutural de cada um, em que emoção e a
linguagem se imbricam e geram raciocínios. Assim sendo, conforme Maturana
(2001), “dou-me conta de que uma explicação é uma reformulação da experiência
com elementos da experiência, e se repito as configurações operacionais que
constituem minha explicação, obtenho o fenômeno que quero explicar” (p.35).
Tecidas no interior das práticas, as teses docentes erguem-se a partir da
centralidade do viver a escola e das convivências das pessoas com o conhecimento
nas esferas de participação horizontal. Situam-se justamente no agir estabelecido
entre os professores e a sua trajetória profissional sem hierarquização e
fragmentação.
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Os desafios são muitos, entretanto acreditamos que um caminho promissor
reside no próprio professor, iniciante ou experiente, pois é ele que vive o processo,
que encadeia pensar e fazer, que vive no conhecimento e conhece no viver a
profissão. Pensar a prática pedagógica em Ciências a partir do processo de
acompanhamento a professores iniciantes precisa tomar os sujeitos em sua
totalidade, isto é, enquanto sujeitos sociais concretos possuidores de tantas
realidades legítimas quanto domínios explicativos. Essa foi nossa postura no
enredar-se da presente pesquisa.
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Teachers’ theses about the process of
learning and teaching Science
ABSTRACT
This text shows the results of a doctorate research, which investigated a formative process
offered to teachers who start in the teaching career of the municipal of Rio de Janeiro's
education, focusing on methodological strategies for the teaching science. Our goals were
to identify the didactic strategies for Science Education and teachers ' perception about the
teaching-learning process, with a view to the construction of teachers about teaching and
learning. The methodological path joined questionnaires with open questions and semi-
structured interviews. We elaborated on this investigation the term theses teachers, that
is, a form of reflective teachers to express themselves. Therefore, we recognize teachers as
bearers of knowledge based on their practices. From the triangulation of empirical materials
we weave our results by clarifying that the tensioning of reflections in the dynamics of the
formation of science teachers may encourage an emotional climate for interaction in which
the manifestation of beliefs and conceptions will become the basis for reflection, dislodge
and cause other forms of practice committed to reality.
KEYWORDS: Teacher education. Science education. Beginner teachers. Teachers’ theses.
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NOTA
1
Denominamos categoria temática a classificação construída no processo de
triangulação.
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Recebido:28 dez. 2017
Aprovado:02 abr. 2019
DOI:10.3895/actio.v4n1.7577
Como citar:
FIGUEIRA, S. T. da S. Teses docentes sobre o processo de ensinar e aprender Ciências. ACTIO, Curitiba, v.
4, n. 1, p. 1-25, jan./abr. 2019. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Sandro Tiago da Silva Figueira
Avenida Presidente Kennedy, 795, apto 804B. São Gonçalo, Rio de Janeiro.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
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