Página | 116
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 116-132, mai./ago. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
As marcas de aprendizagem por meio da
pesquisa, da escrita e da leitura de livros de
divulgação científica: uma possibilidade
para a sala de aula
RESUMO
Anelise Grünfeld de Luca
anelise.luca@gmail.com
http://orcid.org/0000-0003-2949-916X.
Instituto Federal Catarinense (IFC),
Araquari, Santa Catarina, Brasil
Sandra Aparecida dos Santos
esasandra@unidavi.edu.br
http://orcid.org/0000-0003-2827-6300
Centro Universitário do Alto Vale do Itajaí
(UNIDAVI), Rio do Sul, Santa Catarina,
Brasil
José Claudio Del Pino
delpinojc@yahoo.com.br
http://orcid.org/0000-0002-8321-9774
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande
do Sul, Brasil
Michelle Câmara Pizzato
michelle.pizzato@poa.ifrs.edu.br
http://orcid.org/0000-0002-3394-1179.
Instituto Federal do Rio Grande do Sul
(IFRS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
Brasil
O presente trabalho apresenta as práticas de leitura realizadas no decorrer de quatro anos
com 23 estudantes, entre os anos letivos de 2014 e 2017. Ao longo do Ensino Médio, a esses
mesmos estudantes foram sendo apresentadas leituras diferentes, com estratégias
didáticas diferentes. Logo após as leituras propostas foram privilegiadas as seguintes
estratégias didáticas: rodas de conversas, registros individuais por meio de diários de
leitura; apresentação de seminários, elaboração e realização de experimentos,
representação de imagens (desenhos ou colagens) e representação teatral. Em 2017, os
estudantes que se encontravam no ano do Ensino Médio, foram questionados quanto às
memórias/marcas de aprendizagem deixadas pelas práticas de leituras, por meio de um
questionário aberto. A partir das respostas dos estudantes foi possível articular duas
categorias de análise: marcas de aprendizagem conceitual e dinâmicas de pesquisa. As
leituras propostas proporcionaram marcas de aprendizagem evidenciadas pelos estudantes
e dinamizaram as pesquisas posteriores, desenvolvidas no decorrer das aulas curriculares,
possibilitando aprofundamento e ampliação dos conhecimentos e olhares mais pontuais
para os conteúdos conceituais das ciências. Nesse processo as ações propostas pelo
professor, no que tange o ensinar e o aprender das habilidades de leitura, individual e
coletiva, e de escrita, expressam a relevância dessas práticas em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Prática de Leitura. Escrita. Pesquisa. Livros de divulgação científica.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 116-132, mai./ago. 2018.
INTRODUÇÃO
Entre as características importantes para a Educação Básica Nacional, em
particular para o ensino na área das Ciências da Natureza, estão a contextualização
e a interdisciplinaridade, propostas nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
para a Educação Básica (Resolução nº4, de 13 de julho de 2010), que elucidam em
seu Art. 17, § 2º, “A interdisciplinaridade e a contextualização devem assegurar a
transversalidade do conhecimento de diferentes disciplinas e eixos temáticos,
perpassando todo o currículo e propiciando a interlocução entre os saberes e os
diferentes campos do conhecimento”.
Considerando a contextualização e a interdisciplinaridade princípios
condutores da organização curricular, ratificadas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, é possível constatar que, apesar de as ciências
fazerem parte do dia a dia da população, o ensino das mesmas encontra-se tão
distanciado da realidade que não permite aos estudantes a percepção do vínculo
estreito entre o que é estudado nas disciplinas e o cotidiano.
Desde o texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular BNCC até sua
versão, todos apontam a importância da contextualização e da
interdisciplinaridade quando apresentam cada um dos níveis de ensino da
Educação Básica, em particular do Ensino Médio. Na área específica das Ciências
da Natureza, é proposta uma organização dos conhecimentos em eixos que
estruturarão o currículo e possibilitarão a articulação entre os componentes
curriculares.
As ideias que emergem dos documentos oficiais da educação nacional, em
particular da área das Ciências da Natureza, propõem uma prática voltada para a
realidade, que capacite os estudantes a agirem no mundo de modo a transformá-
lo e transformá-lo para melhor. No entanto, os próprios documentos apontam,
assim como pesquisas específicas, que as práticas pedagógicas exercidas no chão
das salas de aula continuam sendo transmissivas, pautadas na memorização,
lineares, espontaneístas, essencialmente positivistas (GALIAZZI, 2003; RAMOS,
2012; MORAES, 2012; SCHWARTZ, 2012).
Inúmeros aspectos contribuem para a manutenção do ensino “tradicional”,
dificuldades que os professores enfrentam nos cotidianos escolares, bem como
suas próprias formações e os materiais didáticos disponibilizados a eles e aos
estudantes. Evidencia-se a necessidade de estratégias diversificadas a partir de
uma prática essencialmente dialógica entre os diferentes componentes
curriculares, que seja, democrática no sentido de oportunizar o protagonismo do
estudante, de promover uma educação voltada à reflexão e que incentive a busca
de soluções para problemas reais e locais.
O livro didático é, muitas vezes, o único material de apoio para professores,
sendo determinante para as estratégias pedagógicas a serem implementadas na
sala de aula. Segundo Del Pino, Loguercio e Eichler (1998, p. 67-68), quando
pesquisam a confecção de materiais instrucionais alternativos e a avaliação do livro
didático, afirmam que “[...] é fundamental, portanto, discutir o quanto o livro
didático é definidor dos trabalhos em sala de aula, pois ele fornece todas as
informações de que o professor necessita para estruturar a sua dinâmica de sala
de aula.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 116-132, mai./ago. 2018.
Considerando o livro didático, Maldaner, Zanon e Auth (2006, p.53) alertam
que, “[...] os livros didáticos, os materiais de ensino [...] pouco mudaram nesses
últimos anos. Prevalecem roteiros tradicionais de ensino que se consolidam em
livros didáticos que conservam, em essência, as mesmas sequências lineares e
fragmentadas de conteúdos.
Busca-se o Educar pela Pesquisa com vistas a promover a dinâmica da
aprendizagem, num processo de (re) construção dos conceitos, em detrimento ao
uso restrito do livro didático, do ensino conteudista e descontextualizado.
Acredita-se no Educar pela Pesquisa, como princípio didático que promove
movimento entre os atores do cenário da aula, professores e estudantes e desses
com o conhecimento, por meio do aprender a pensar, do aprender a aprender
(DEMO, 1997; GALIAZZI, 2003; MORAES, 2012) e do aprender a fazer fazendo
(MATURANA; VARELA, 1995); contribuindo para uma efetiva (trans) formação
qualificada dos envolvidos. Nessa pesquisa, adotou-se o Educar pela Pesquisa
como princípio didático, devido a proposição de autonomia discursiva.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução 2, de
30 de janeiro de 2012) legitimam a pesquisa enquanto princípio pedagógico,
quando orientam as unidades escolares a considerarem em suas proposições
curriculares: “a pesquisa como princípio pedagógico, possibilitando que o
estudante possa ser protagonista na investigação e na busca de respostas em um
processo autônomo de (re) construção de conhecimentos.” (Art. 13, item III)
Nos pressupostos teóricos apresentados por Demo (1991, 1995, 1996, 1997)
a pesquisa assume uma proposta metodológica em sala de aula, que objetiva
desenvolver habilidades “indispensáveis em cada cidadão e trabalhador
modernos: aprender a aprender e saber pensar para intervir de modo inovador”
(1997, p.9), de modo a promover o trabalho coletivo, desenvolvendo a
individualidade.
A pesquisa em sala de aula, segundo Moraes, Galiazzi e Ramos (2012, p. 12)
atende a um princípio geral, por eles formulado:
A pesquisa em sala de aula pode ser compreendida como um movimento
dialético, em espiral, que se inicia com o questionar dos estados do ser, fazer
e conhecer dos participantes, construindo-se a partir disso novos argumentos
que possibilitam atingir novos patamares desse ser, fazer e conhecer, estágios
esses então comunicados a todos os participantes do processo.
A reflexão do princípio geral formulado pelos autores, que consiste no
movimento da pesquisa iniciando-se com o questionar, o perguntar sobre o ser, o
fazer, o conhecer, sobre o mundo. Para perguntar, faz-se necessária a leitura sobre
o objeto questionado e a consideração de entendimentos diferentes sobre ele, o
que provoca a desacomodação, a busca, o movimento da argumentação. A
pesquisa no cotidiano da sala de aula exige leitura crítica do mundo e capacidade
argumentativa que envolvem o domínio da linguagem. Conforme ressalta Galiazzi
(2003, p. 87) [...] o saber pensar e o aprender a aprender dependem e exigem
capacidade comunicativa, capacidade de argumentação e de elaboração própria,
passando sempre pela formulação linguística cada vez mais adequada.”
Ainda ponderando a pesquisa na sala de aula, Ramos (2012, p. 31) assevera
que,
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 116-132, mai./ago. 2018.
[...] o objeto da argumentação passa a ser um novo estado dos sujeitos,
produto das atividades de investigação desenvolvidas, incluindo o resultado
das leituras, dos experimentos, das entrevistas, dos debates e dos textos
elaborados. O espaço público consiste nos espaços de convivência em que
predomina a própria sala de aula, sem esta ser exclusiva. A prática
argumentativa é o exercício cotidiano no qual os alunos não têm apenas de
ouvir, mas, ao contrário, falar, questionar, responder e argumentar.
A pesquisa proposta por Demo entende diferentes níveis. Inicialmente seria
um estágio de interpretação reprodutiva, considerando fielmente o autor
pesquisado; um segundo estágio, seria o da interpretação própria; no terceiro
estágio, ocorreria à reconstrução; no quarto estágio, a construção e, num quinto
estágio, a criação de novos paradigmas. Para todos os níveis, a linguagem, a escrita
e a leitura, são pressupostos fundamentais.
A linguagem, segundo Maturana e Varela (1995), nos constitui humanos;
como afirmam:
Realizamos a nós mesmos em mútuo acoplamento linguístico, não porque a
linguagem nos permite dizer o que somos, mas porque somos na linguagem,
num contínuo existir de mundos linguísticos e semânticos que produzimos
com os outros. Encontramos a nós mesmos nesse acoplamento, não como a
origem de uma referência, nem em referência a uma origem, mas sim em
contínua transformação no vir-a-ser do mundo linguístico que construímos
com os outros seres humanos. (MATURANA; VARELA, 1995, p. 253)
Para Bakhtin, o diálogo nãoé relevante, como imprescindível, ser significa
comunicar-se dialogicamente. Quando termina o diálogo, tudo termina (apud
STAM, 1992, p. 72). Ao considerar, então, a linguagem e a escrita como recursos
culturais, entende-se que o pensamento se constitui a partir delas, tendo
implicações cognitivas. Esclarece Galiazzi (2003, p. 99) que:
Na educação, pela linguagem se acessa e se reconstrói o conhecimento
construído no passado. Este processo está muito longe de ser apenas
transmissão e recepção. As ideias não existem separadas do processo
semiótico pelo qual elas são formuladas e comunicadas. Além disso, uma vez
que comunicação é um processo dialógico, os significados feitos pelos
falantes e ouvintes, escritores e leitores, com respeito aos enunciados, são
fortemente influenciados pelo contexto no qual ocorre o discurso. Conhecer
é um processo situado e dialógico.
Dessa forma entendemos a leitura e a escrita (processos que se ensinam e se
aprendem), como habilidades fundamentais para contribuir no efetivo processo
de educação em ciências, elucidando o domínio linguístico próprio da área das
ciências da natureza em diferentes gêneros textuais que permeiam a sociedade,
pelos quais ocorre a comunicação entre as pessoas.
No espaço escolar, as atividades que envolvem a escrita muitas vezes refletem
um exercício mecânico de reprodução de ideias, como cópias e/ou respostas
direcionadas às perguntas prontas, não permitindo a ampliação das ideias, a
complementação e até mesmo sua reestruturação. Considera-se uma escrita,
conforme Almeida, Cassiani e Oliveira (2008, p. 39), “[...] que pudesse contribuir
para a constituição e expressão de pensamento no ensino escolar”.
Na interface com a área das linguagens, buscamos o entendimento de gêneros
textuais que surgem de acordo com sua função na sociedade (BRONCKART, 2003;
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 116-132, mai./ago. 2018.
MARCUSCHI, 2003; COSTA-HÜBES, 2005; LANDEIRA, 2009). Os gêneros textuais
são os textos que lemos no mundo. Para alguns desses gêneros, necessitamos o
domínio linguístico das diferentes ciências, como um rótulo, uma bula, uma fatura
de energia, uma reportagem, uma placa de sinalização, entre outros.
O ensino da Língua Portuguesa consiste na leitura, na escrita, na
interpretação, nas características formais dos textos agrupados em gêneros, mas
o desafio reside em ensinar o uso social dos respectivos textos de modo a qualificar
os cidadãos para lerem o mundo e escrevê-lo de forma mais solidária, criativa e
consciente.
Dentre os gêneros textuais, pode-se destacar os livros e textos de divulgação
científica. E sobre o conceito de divulgação científica, concorda-se com o que
Gouvêa apresenta (2015, p.13) como “[...] uma prática social materializada em
discursos gravados em diferentes suportes e que circulam nas escolas”. Acredita-
se que essa prática social, para permanecer, precisa ser divulgada por aqueles que
a acreditam como função social. E então é necessário alfabetizar os que não têm
formação na área da ciência e da tecnologia como forma de consumir, utilizar e
decidir sobre questões envolvendo a ciência (GOUVÊA, 2015).
Mediante a leitura e escrita de textos de divulgação científica pode-se
promover a compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos
fundamentais. Inclusive, promover a compreensão da natureza das ciências, dos
fatores éticos e políticos que circundam sua prática e o entendimento das relações
existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, desde que esses
aspectos sejam considerados nos objetivos de ensino.
As atividades de leitura e escrita são habilidades fundamentais, pois são
elementos centrados nos processos de incorporação de conhecimento do “fazer
científico”. A partir do exposto, justifica-se a importância de investigar de que
forma a pesquisa contemplando a escrita e a leitura de livros e textos de
divulgação científica”, promovem aprendizagem, ou seja, contribuem para a
construção, ampliação e aprofundamento de conceitos científicos por estudantes
do Ensino Fundamental e Médio.
A relevância da investigação acerca da articulação entre a pesquisa, a escrita
e a leitura de livros e textos de divulgação científica, se pela possibilidade de
apontar valorizações e/ou reestruturações nas propostas pedagógicas. Além disso,
a necessidade de investigação da prática docente e a qualificação dos professores
por meio da formação inicial e continuada, contribui para a (re)elaboração de
curr