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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-2, set./dez. 2018.
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A participação da mulher na ciência: um
estudo da visão de estudantes por meio do
teste DAST
RESUMO
Mariana Bolake Cavalli
marianabolake33@hotmail.com
orcid.org/0000-0002-7503-0437
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste), Cascavel, Paraná,
Brasil
Fernanda Aparecida Meglhioratti
fernanda.meglhioratti@unioeste.br
orcid.org/0000-0001-5022-9792
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste), Cascavel, Paraná,
Brasil
Ao compreender a necessidade da equidade social da mulher e a importância de dar
visibilidade à atividade científica feminina, o trabalho aqui desenvolvido tem como proposta
investigar as ideias dos alunos a respeito de cientistas e como relacionam a mulher com a
ciência. Foi aplicado o Teste DAST (Draw a Scientist Test), proposto por Chambers (1983),
no qual solicita-se ao aluno desenhar uma pessoa cientista. Em ato contínuo, é requerido
ao aluno que explique, no verso da folha, o seu desenho. Em seguida, foi realizada uma
discussão coletiva com os alunos relativa aos desenhos produzidos e ao papel da mulher na
ciência. A investigação foi feita com uma turma do oitavo ano do Ensino Fundamental de
uma escola particular do município de Cascavel-PR. Concluímos que as alunas e os alunos
investigados tinham uma visão estereotipada dos cientistas, com ideia de uma ciência
masculinizada, mas que a problematização do desenho proporcionou uma reflexão inicial
dos estereótipos apresentados pelos estudantes. Destacamos a importância do
rompimento do estereótipo de cientista, sendo competência da educação científica
desenvolver a compreensão dos alunos e das alunas referente à atividade científica.
PALAVRAS-CHAVE: Equidade social. Mulher. Cientista. Mulheres na Ciência. Ensino de
Ciências.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
INTRODUÇÃO
A presença feminina na ciência é recente e está relacionada às mudanças nas
percepções do papel da mulher na sociedade e aos diferentes movimentos sociais
de luta por justiça e equidade de gênero. Entre os séculos XV e XVIII houve
mudanças consideráveis no meio científico, porém, a atuação da mulher como
cientista, nesse período, ainda foi escassa ou, quando existente, teve pouca
visibilidade. Essa situação acontecia pela falta de acesso à formação científica das
mulheres, uma vez que a sociedade relacionava a figura da mulher apenas aos
cuidados do lar e à maternidade (LETA, 2003).
Na maior parte da história do conhecimento científico as mulheres também
não participavam dos debates ou das publicações científicas (LETA, 2003). Para
Garcia e Sedeño (2002), a participação da mulher na ciência estava vinculada a
eventuais articulações com homens cientistas da família ou do trabalho, os quais
apareciam como responsáveis pelas investigações realizadas por elas. Esse aspecto
é reafirmado por Olinto (2011) e Conceição e Teixeira (2018) ao destacarem que
as mulheres eram relegadas ao papel de auxiliares mesmo quando tinham
participação ativa e central nas pesquisas.
A participação da mulher na ciência aumenta de forma significativa a partir da
segunda metade do século XX, articulada à luta pelos direitos femininos (LETA,
2003). Contudo, mesmo com essa expressiva participação, os cargos de chefia,
inclusive nos institutos e universidades, o o, em geral, ocupados por elas,
mesmo quando a maioria de docentes é do sexo feminino (LETA, 2003). Nesse
contexto, Lazzarini et al (2018) apontam que as mulheres são pouco representadas
nas premiações científicas, como no prêmio Nobel, e, também indicam, pela
análise de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico referente a 2015, que as mulheres são minoria na obtenção de bolsas
de produtividade em pesquisa no âmbito brasileiro. Assim, embora as mulheres
atualmente tenham acesso à formação acadêmica e à área científica, as
oportunidades de avanço na carreira científica ainda não são equitativas. É possível
citar como explicação para esse fenômeno o chamado “teto de vidro”, em que são
colocados obstáculos, ditos invisíveis”, à ascensão da mulher no meio
profissional, os quais, muito embora presentes no cotidiano feminino e
decorrentes da pressão social, que ainda deixa as funções do lar essencialmente
para as mulheres, não são reconhecidos como tal (OLINTO, 2011).
Apesar do número de homens e mulheres na ciência atual serem similares
(LAZZARINI et al, 2018), ainda, quando se pensa na atividade científica, esta é
normalmente associada a uma atividade masculina (AQUINO, 2006). Assim, além
da difícil inserção das mulheres nas atividades científicas, soma-se a invisibilidade
das mulheres que participaram dessa história (AQUINO, 2006).
Ao compreender a necessidade de equidade social da mulher e a importância
de dar visibilidade à atividade científica feminina, o trabalho aqui desenvolvido
investiga as ideias de cientistas e como estudantes percebem o papel da mulher
na ciência, por meio do teste DAST (Draw a Scientist Test), proposto por Chambers
(1983), no qual os alunos desenham um/a cientista, e de uma discussão realizada
com as alunas e os alunos após a realização dos desenhos. Esta pesquisa foi
desenvolvida com uma turma do oitavo ano do Ensino Fundamental de uma escola
particular do município de Cascavel-PR e é decorrente do trabalho de dissertação
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de mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda autora, intitulada: “A
mulher na Ciência: investigação do desenvolvimento de uma sequência didática
com alunos da educação básica” (CAVALLI, 2017).
A MULHER NO ENSINO DE CIÊNCIAS E O ESTEREÓTIPO DE CIENTISTA
A história da ciência tem dado maior visibilidade ao sexo masculino. Desse
modo, é fundamental criar espaços para reflexões a respeito da participação da
mulher na ciência no âmbito da Educação Básica (NASCIMENTO; LOGUERCIO,
2013). Assim, para que a mulher tenha visibilidade, deve-se abordar seu papel ao
longo das construções científicas e sua presença na ciência atual.
A distinção de papeis de gênero é notada inclusive em alguns livros didáticos,
por isso é preciso ter cuidado em sua utilização. Por exemplo, Martins e Hoffman
(2009), ao analisarem livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
indicam estereótipos de como meninos e meninas devem se vestir e comportar,
criando ideias inconscientes de amabilidade e fragilidade para as meninas e de
coragem e ferocidade para os meninos (MARTINS; HOFFMAN, 2009). Nos modelos
de comportamento impostos pela sociedade, a menina geralmente tem afazeres
domésticos, enquanto o menino tem preocupações associadas a atividades
esportivas e de travessuras, identificadas ao seu futuro papel de desbravador e
competidor (MARTINS; HOFFMAN, 2009).
Torejani e Batista (2010) apresentam que os educadores devem auxiliar os
alunos a romper com estereótipos relacionados ao gênero. Nesse contexto, torna-
se necessário que docentes adquiram uma formação que contemple o histórico de
como a mulher se inseriu na sociedade acadêmica ao longo do tempo e
recomenda-se a modificação de convenções sociais ultrapassadas perante à
equidade social de gênero. Questões de gênero e da natureza da Ciência
1
são
imprescindíveis para criação do senso crítico dos alunos bem como do professor e
deve fazer parte do conhecimento profissional do professor no ensino de ciências
(HEERDT; BATISTA, 2016).
A ciência ligada ao masculino se encontra vinculada a diferentes instâncias na
sociedade, sendo essa imagem reforçada pela mídia, família e escola. Alguns
aspectos associados ao estereótipo de cientista são: uso de jaleco branco,
trabalhar em um laboratório, usar óculos de grau, ter barbas e cabelos
malcuidados devido a muito trabalho (CHAMBERS, 1983). A construção do
estereótipo de cientista é mantida e reforçada pelos meios de comunicação:
A imagem de ciência e de cientista é criada dentro da comunidade científica
e por ela mantida e transformada. Nossa informação permanece organizada
culturalmente, através dos meios de comunicação, mantendo a ideia que
temos do que seja ciência, ou de quem são seus autores, mantendo seu
estatuto dentro da própria cultura, tanto no discurso do cientista, como no
do senso comum (CRUZ, 2007, p. 03-04).
Na ficção, o estereótipo de cientista é apresentado de duas maneiras: o
excêntrico, marcado pela inocência e desatenção aos aspectos do cotidiano, e o
maluco, marcado por características como pouca índole, a obsessão pelo
conhecimento e as atitudes criminosas (REZNIK, 2014). Ainda segundo o autor,
nessas obras de ficção, quando as mulheres são retratadas não apresentam essas
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mesmas características, sendo associadas à função de professora e também a
elementos físicos sexuais como juventude, beleza e roupas provocantes.
A escola deverá concentrar-se na discussão e na modificação de todo um
conjunto de ideias estereotipadas sobre a ciência e os cientistas (partilhadas
por muitos cidadãos que: a) deturpam seriamente a natureza da ciência e a
prática científica; b) desencadeiam reações emocionais fortes contra a ciência
e a tecnologia; c) desencorajam muitos alunos de prosseguirem estudos em
ciência; e d) dissuadem os alunos do escrutínio crítico, ao apresentarem o
conhecimento científico como uma coleção de afirmações fixas, não
negociáveis e autoritárias efetuadas por especialistas, contribuindo para a
dependência intelectual dos alunos relativamente a outras pessoas e para
uma sensação de falta de poder (REIS; RODRIGUES; SANTOS, 2006, p. 56).
Neste sentido, além das questões de gênero, é importante trabalhar outros
aspectos relativos à natureza da Ciência, os quais abrangem desde elementos das
diferentes metodologias científicas até aspectos práticos da profissão (MOURA,
2014). Em relação à percepção da ciência, Gil-Perez et al (2001) destacam a
presença de algumas deformações encontradas tanto no senso comum como
entre docentes, entre elas: a compreensão empírico-indutivista e a teórica,
evidenciando apenas o aspecto experimental, sem dar a devida relevância ao papel
das teorias para guiar as observações e experimentações; a visão de ciência como
algo infalível e do método científico como conjunto de etapas seguras e inflexíveis;
uma compreensão de ciência que não apresenta os aspectos contextuais que
deram origem ao problema de pesquisa e sua inserção em um determinado
momento da história; uma percepção analítica da ciência, como se a ciência
apenas estudasse partes específicas de um fenômeno; o entendimento que a
ciência é sempre acumulativa e linear, sem mostrar as rupturas e os pensamentos
divergentes que fazem parte do processo de construção do conhecimento
científico; uma imagem de que a ciência é feita de forma isolada e por pessoas
geniais; uma compreensão de que a ciência é neutra e desvinculada de ideologias
e influências sociais. Essas deformações ou estereótipos do que é ser cientista e
fazer ciência, segundo Gil-Perez et al (2001), podem ser problematizadas por
visões mais contextuais da ciência, que a revelem como empreendimento coletivo,
rico em divergências, imerso em um contexto sócio histórico. Desse modo, o
entendimento da natureza da ciência é essencial para formação de alunos e
professores críticos, no contexto social em que vivem.
Verifica-se a importância do rompimento do estereótipo de cientista,
incluindo a imagem de cientista associada ao masculino, sendo competência da
educação científica desenvolver a compreensão dos alunos referente à atividade
científica e promover uma crítica a respeito das noções de ciência e tecnologia
apresentadas pela sociedade (REIS; RODRIGUES; SANTOS, 2006).
METODOLOGIA
No ano de 2016 foi estruturada uma pesquisa qualitativa para ser trabalhada
com alunas e alunos do oitavo ano do ensino fundamental em uma escola
particular, localizada no município de Cascavel/PR. Essa pesquisa compreendeu a
aplicação de uma sequência didática (CAVALLI, MEGLHIORATTI, BATISTA, 2016),
amparada na aprendizagem significativa de David Ausubel, composta das
seguintes etapas: 1) aplicação do Teste DAST (Draw a Scientist Test) adaptado por
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Rennie e Jarvis (1995), no qual é solicitado ao aluno ou à aluna que desenhe uma
pessoa cientista e explique, no verso da folha, o seu desenho, para avaliação de
seus conhecimentos prévios. Na língua inglesa, quando se fala “scientist” não é
representado gênero masculino ou feminino, porém, quando falamos: desenhe
um cientista, o “um” representa o gênero masculino na frase e pode influenciar no
desenho dos/as alunos/as (CAVALLI, 2017). Devido a isso foi incluída a palavra
pessoa na questão, a fim de minimizar a imposição de gênero na pergunta. Em
seguida, foi realizada uma discussão com os alunos e alunas a respeito de seus
desenhos; 2) utilização de exemplos da história da ciência para dar visibilidade à
mulher na ciência, bem como a apresentação da presença feminina na ciência
atual; 3) por último, as alunas e alunos desenvolveram um texto em que
dissertavam a respeito do papel da mulher na ciência e sociedade (CAVALLI, 2017).
Devido à amplitude dos dados, nesse artigo nos aprofundamos a respeito das
percepções iniciais que as alunas e alunos possuíam no início da sequência didática
por meio da análise do teste DAST e a posterior discussão a respeito desse teste.
Foi utilizado o teste DAST, proposto por Chambers (1983) e adaptado por
Rennie e Jarvis (1995), no qual é solicitado ao aluno ou aluna que desenhe uma
pessoa cientista e em seguida pedido para que ele ou ela, no verso da folha,
explique o seu desenho. Rennie e Jarvis (1995) entendem que, ao adicionar frases
ou anotações em seus desenhos, é possível compreender melhor as visões
presentes nos mesmos (RENNIE; JARVIS, 1995). O teste baseia-se na percepção da
aluna e do aluno da profissão de cientista. Para tal, o professor ou professora pede
para que as alunas e os alunos desenhem uma pessoa cientista, sem detalhes de
como deve ser feito o desenho. Devido a isso, na aula foi solicitado aos alunos e às
alunas que desenhassem uma “pessoa” cientista (CAVALLI, 2017).
Chambers (1983) afirma que, principalmente para as crianças do ensino
fundamental, o teste por desenho expressa melhor sua realidade. Em face disto,
optamos por este teste, apesar de, durante o processo, muitos alunos e alunas
afirmarem ter dificuldade em desenhar.
Quinze alunos e alunas participaram do teste DAST e fizeram desenhos
relativos à profissão de cientista, sendo quatro meninas e onze meninos. Para
construir as unidades de análises, foram utilizados, de modo adaptado, tanto os
critérios identificados por Chambers (1983), como indicadores que surgiram da
análise dos próprios desenhos. Chambers (1983) ressalta os seguintes critérios
para as análises dos desenhos de um/a cientista:
(1) Jaleco (geralmente, mas não necessariamente branco). (2) Óculos. (3) O
crescimento facial do cabelo (incluindo barbas, bigodes ou costeletas
anormalmente longos). (4) Símbolos de pesquisa: instrumentos científicos e
equipamentos de laboratório de qualquer tipo. (5) Os símbolos de
conhecimento: principalmente livros e armários. (6) Tecnologia: os
"produtos" da ciência. (7) Subtítulos relevantes: fórmulas, classificação
taxonômica, o "eureka!" síndrome, etc. (CHAMBERS, 1983, p. 258).
A partir desses indicadores de características, pela análise dos desenhos e de
acordo com nosso objeto de pesquisa (investigar a percepção da mulher como
cientista), foram elaboradas as unidades de análise descritas no Quadro 1. Para a
identificação das alunas, utilizamos as letras Aa e, para os alunos, Ao e, em
sequência, o número conforme a ordem alfabética dos nomes. Após a análise dos
desenhos, apresentamos brevemente algumas falas que apareceram na etapa da
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discussão com os alunos e alunas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e
os pais ou responsáveis pelos alunos participantes da pesquisa assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As unidades construídas para a análise dos desenhos foram: Cientista do
gênero masculino; Cientista do gênero feminino; Cientista como mago (a);
Cientista alternativo (a); Cientista de laboratório; Representação de desenhos
animados; Representação de personalidades científicas; Cientista estudioso (a) e
dedicado (a), conforme o Quadro 1. No quadro é possível ver o número de alunas
e alunos em que apareceram as diferentes unidades de análise. Nota-se que um
desenho pode estar classificado em mais de uma unidade de análise.
Quadro 1. Unidades de análises e seus indicadores.
Cientista do gênero
masculino
Cabelo curto, pronome, gravata
e roupas
13
Cientista do gênero
feminino
Cabelo comprido, pronome,
sapato e roupas
2
Cientista como mago
(a)
Trabalho místico ou
sobrenatural
2
Cientista alternativo
(a)
Roupa casual, iguana e símbolo
da paz
2
Cientista de
laboratório
Equipamento ou materiais de
laboratório, jaleco, robô e PC
11
Representação de
desenhos animados
Dexter, o cientista
1
Representação de
personalidades
cientificas
Einstein
1
Cientista estudioso
(a) e dedicado (a)
Óculos, rugas na testa e cabelos
bagunçado
7
Fonte: autoria própria (2017).
Dos quinze alunos e alunas participantes, quatro eram meninas e onze eram
meninos. É possível identificar nos desenhos analisados que treze alunos e alunas
desenharam cientistas homens, sendo que uma aluna e um aluno desenharam
cientistas mulheres, onze utilizaram equipamentos ou materiais de laboratório em
seus desenhos e sete apresentaram cientistas com óculos, rugas ou cabelo
bagunçados. A seguir, veremos mais detalhadamente a discussão de cada unidade
de análise.
UNIDADES DE
ANÁLISES
IDENTIFICADAS
INDICADORES PRESENTES NOS
DESENHOS
NÚMERO DE ALUNOS E
ALUNAS
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Cientista do gênero masculino
Dos quinze desenhos analisados, treze apresentaram cientistas com o gênero
masculino. Isto indica que o estereótipo masculino de cientista ainda está
fortemente enraizado nas mentes dos alunos e das alunas, mesmo três décadas
após a pesquisa realizada por Chambers (1983). Tratando-se de gênero, durante
testes DAST feitos na década de 80, Chambers (1983) explica que é nítida a rejeição
à profissão realizada pelo sexo feminino, sendo que apenas uma minoria desenhou
a pessoa cientista como do gênero feminino. Esses dados indicam a pouca
representatividade das mulheres como cientistas mesmo entre as próprias
meninas. Na pesquisa aqui apresentada apenas uma das quatro alunas desenhou
uma cientista mulher, corroborando esses dados.
Essa pouca representação da mulher na ciência ocorre devido a toda uma
cultura apresentada à criança, seja pela família ou pela mídia que, mesmo
despropositadamente, acolhem o estereótipo masculino na ciência (CAVALLI,
2017). Utilizamos como indicadores nessa unidade de análise cabelo curto,
gravata, roupa e ainda o pronome masculino utilizado nas frases escritas pelos
alunos. O gênero do desenho também foi confirmado durante a discussão que se
realizou posteriormente aos desenhos. A quantidade predominante de desenhos
masculinos demonstra que a ciência e o estereótipo de cientista são
masculinizados, voltados ao entendimento de uma ciência androcêntrica
(AQUINO, 2006). Pode-se observar, na Figura 1, um desenho que se enquadra
nessa unidade de análise.
Figura 1. Desenho de Aa6.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Cientista do gênero feminino
Dos quinze desenhos analisados, apenas dois representaram cientistas
mulheres, sendo um desenhado por uma aluna e o outro, por um aluno. Utilizamos
como indicadores dessa unidade de análise: cabelos longos, vestimenta, salto alto
e pronome feminino na frase do desenho. Houve também a confirmação dos
alunos a respeito do gênero do desenho durante a discussão em sala de aula. Este
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número reduzido de desenhos de cientistas mulheres pode ocorrer devido à
associação das mulheres apenas às áreas de humanas, como cita Leta (2003).
Assim, como a ciência em geral é pensada vinculada às áreas de exatas como
Química e Física, ocorre a prevalência de desenhos com representação de
cientistas homens. Nas Figuras 2 e 3, pode-se observar os dois desenhos que
representaram a figura feminina como cientista.
Figura 2. Desenho de Aa7.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Figura 3. Desenho de Ao5.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Na Figura 3, observa-se que o desenho do aluno Ao5 expressa o estereótipo
de que cientistas trabalham apenas em laboratórios ao representar uma mesa com
uma vidraria de laboratório e na frase que o aluno deixa ao lado: “ela está fazendo
uma experiência”. Na Figura 2, no desenho da aluna Aa7, embora a mulher esteja
de jaleco, não fica claro o que ela está fazendo. A frase que a aluna escreve acerca
do desenho é “finalmente conseguirei dar-lhe a vida minha filha”. Provavelmente
a aluna está relacionando o desenho à criatura de Frankenstein, como se a cientista
representada estivesse dando a vida a alguém. Na história, o “monstro” criado
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[...] escapa do controle de Victor Frankenstein, o cientista que o criou e o
rejeitou a ponto de jamais tê-lo nomeado, é dotado de uma imagem ficcional
tão possante que chega a usurpar o nome de seu criador. Na imaginação
popular, Frankenstein é a criatura, tendo-se, definitivamente, tornado uma
figura de estatura mítica (ROCQUE; TEIXEIRA, 2001, p. 4).
Apesar do personagem Frankenstein ser do gênero masculino, a aluna propôs
sua representação com gênero feminino, resgatando assim a história de
Frankenstein guardada em sua memória (CAVALLI, 2017). Os estereótipos infantis
de cientistas são gerados principalmente por fatores socioculturais, incluindo a
mídia visual como, por exemplo, televisão, filmes, histórias em quadrinhos,
desenhos animados, entre outros (SOARES; SCALF, 2014).
Chambers (1983) afirma, em sua pesquisa, que a maioria dos meninos
desenham cientistas do gênero masculino e que geralmente as meninas é que
desenham cientistas do gênero feminino. No caso desta pesquisa, apenas uma
menina das quatro participantes desenhou uma mulher cientista, o outro desenho
foi feito por um menino.
Cientista de laboratório
Além da questão de gênero relativa à profissão de cientista, outros
estereótipos foram identificados nos desenhos realizados, como o estereótipo de
que cientista sempre trabalha em laboratórios. Assim, na unidade de análise
“cientista de laboratório” foram considerados como indicadores nos desenhos o
uso de jaleco, equipamentos de laboratório, microscópio e crachá. Um dos
simbolismos mais fortes na representação dos cientistas foi a presença de jaleco
além de outros itens como óculos e um robô, como pode ser visto na Figura 4. Dos
15 desenhos produzidos, 11 trouxeram imagens de cientistas vinculadas ao
laboratório.
Figura 4. Desenho Ao9.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Existem alguns simbolismos por trás dos elementos criados no estereótipo de
cientistas, por exemplo, os óculos representam a concentração e o foco no
trabalho, o jaleco representa o trabalho de experimentação em laboratório, os
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cabelos desarrumados e barba mostram uma pessoa que não tem tempo para
vaidade, bem como a cor grisalha pode representar sabedoria (REZNIK, 2014).
Figura 5. Desenho Ao12.
Fonte: arquivo próprio (2017).
O desenho do aluno Ao12, Figura 5, também apresenta equipamentos
utilizados no laboratório e o aluno explica escrevendo: “Ele está pensando em
possibilidades para uma pesquisa ou experimento”. Dos quinze desenhos, nove
apresentam vidrarias, deixando explícito que mais da metade dos alunos
participantes possuem a visão de cientistas apenas nas áreas da Biologia, Química
e Física. Os simbolismos desenhados pelos alunos e pelas alunas mostram a
influência criada (pela mídia, sociedade, família e amigos) a respeito do
estereótipo de cientista.
O uso do jaleco está relacionado com cientistas que trabalham em laboratório
e necessitam utilizar este traje como meio de segurança. Nota-se que, na
concepção desses alunos que desenharam cientistas utilizando jaleco, existe
um estereótipo de que cientistas são somente aqueles que trabalham dentro
de laboratórios (CAVALLI, 2017, p.62).
Chambers (1983) apresenta em sua pesquisa que é normal a visão
estereotipada de cientista entre os alunos e as alunas e que esta visão é formada
desde a educação infantil. Assim, muitos alunos e alunas apresentaram em seus
desenhos: jalecos, óculos, equipamentos de laboratório, microscópios,
telescópios, computadores, instrumentos em sua maioria relacionados a reações
químicas (CHAMBERS, 1983), assim como foi apresentado na maioria dos desenhos
dessa pesquisa.
Cientista como mago(a)
Apresenta-se nessa unidade de análise cientistas místicos, os quais foram
qualificados como mágicos ou com poderes sobrenaturais. Alguns registros
escritos nos desenhos confirmam essa visão: “Ele está fazendo várias poções”
(Aa1) na Figura 6 e Finalmente conseguirei dar-lhe vida minha filha” (Aa7) na
Figura 2. A relação de cientistas com magos estaria associada ao entendimento de
que ambos são operadores de receitas e criam poções. Esta imagem pode ser
construída pela associação histórica de magia e ciência (RIBEIRO,1991).
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
Figura 6. Desenho de Aa1.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Chambers (1983) cita que é comum as crianças relacionarem em seus
desenhos a presença de cientistas místicos e que isso estaria relacionado a retratos
mágicos de laboratórios alquímicos, às visões assustadoras de cientistas
claramente perturbados (às vezes rotulados como loucos”) e representações de
lendas como Frankenstein, como foi demonstrado no desenho da Figura 2.
Cientista alternativo (a)
Nessa unidade de análise, apresentam-se os desenhos de cientistas distante
dos estereótipos propostos nos outros desenhos. Como indicadores, foram
utilizados: roupa casual, o desenho de uma iguana e o símbolo da paz, como pode-
se observar nas Figuras 7 e 8.
Figura 7. Desenho de Ao8.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Na Figura 7, o cientista está sem jaleco, com roupa informal, e percebe-se a
explicação do aluno Ao8: “cientista fora do trabalho”, o que pode ser uma
justificativa para ele estar sem jaleco. Na Figura 8, o aluno deixa específico que sua
representação é de um cientista da área de Química, já que está escrito “química”
em cima do desenho. O termo cientista é associado fortemente às áreas de
Biologia, Química e Física, não sendo normalmente reconhecidos como cientistas
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os pesquisadores vinculados às áreas de ciências humanas (KOSMINSKY; GIORDAN,
2002).
Figura 8. Desenho de Ao10.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Na Figura 8, a representação de cientista se encontra um pouco distante dos
padrões dos outros desenhos realizados pelos alunos e alunas, apesar do cientista
estar trabalhando em uma bancada e com vidrarias nas mãos. Aqui também se
nota a ausência de jaleco e é o único desenho com a presença de um animal no
laboratório, porém não foge do padrão de que cientistas são apenas biólogos,
físicos e químicos.
Representação de desenhos animados
A representação de cientista na Figura 9 faz referência ao desenho animado:
“O Laboratório de Dexter”. Alguns desenhos animados abordam a ciência e até
mesmo o perfil de cientistas, assim, as crianças refletem em seus desenhos o que
assistem na televisão. Kominsky e Giordan (2002, p. 11) afirmam: “acreditamos
que as visões do mundo dos estudantes também devem ser influenciadas pelo
pensamento científico e pelas expressões de sua cultura, cujos traços são
parcialmente divulgados na mídia”. Siqueira (1999) afirma que os meios de
comunicação apresentam, em geral, uma visão que não corresponde ao trabalho
realizado por cientistas e pesquisadores. Segundo o autor, “apropriadas pelas
narrativas de ficção científica, a ciência e a tecnologia são mescladas ao poder
mágico do mito, contribuindo para a construção e consolidação de um imaginário
mítico sobre a ciência” (SIQUEIRA, 1999, p. 5).
muitos aspectos que diferenciam os programas de televisão, no entanto, o
que prevalece nessa forma de divulgação científica é o apelo ao espetáculo
sensibilizador das emoções, e pouca atenção se dá ao processo de produção
científica (KOSMINSKY; GIORDAN, 2002, p. 14). Assim, as crianças aprendem de
forma equivocada a respeito da ciência e isso pode fazer com que muitos rejeitem
ser cientistas e até tornar-se um obstáculo para a aprendizagem (SOARES; SCALF,
2014).
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Figura 9. Desenho de Aa13.
Fonte: arquivo próprio (2017).
Representação de personalidades científicas
Nessa unidade de análise encontra-se a representação de cientista por meio
de personalidade científica. Albert Einstein ainda é considerado o estereótipo de
cientista, apesar de ter sido desenhado por apenas um aluno dentre os quinze.
Contudo, entendemos que a imagem estereotipada de Einstein é utilizada por
muitos estudantes para representar a profissão de cientista (FORT; VARNEY, 1989),
como pode ser observado na Figura 10.
Figura 10. Desenho de Ao14.
Fonte: arquivo próprio (2017).
É difícil não lembrar de Einstein quando pensamos em cientista. Chambers
(1983) afirma que as crianças desenham com facilidade o que está mais próximo
da realidade delas. Muitos dos aspectos do estereótipo de cientista que
vivenciamos vêm de aspectos físicos e marcantes de Einstein, como o cabelo
grisalho e desarrumado. Porém, Einstein não teve a vida que se imagina:
geralmente pensa-se nele trabalhando sozinho para construção de sua teoria, no
entanto, ele teve ajuda de sua esposa e de toda comunidade científica, que
trabalha de forma coletiva (CRUZ; 2007).
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
Cientista como estudioso(a) e dedicado (a)
Como indicadores dessa unidade de análise observou-se o uso de óculos,
rugas na testa e cabelo bagunçado. E também, nos registros feitos pelos alunos,
para explicar seus desenhos, frases como: “ele tem anos de experiência” do
aluno Ao14 (Figura 10), “estudando um exame de DNA” do Ao15 (Figura 11),
“pessoa que é cientista é estudiosa no desenho do aluno Ao17. Ainda a
experiência do cientista é geralmente atribuída aos cabelos brancos, pois é comum
pensar que quanto mais velho o cientista, mais tempo ele teve para estudar e se
aperfeiçoar em determinado assunto de interesse.
Estereótipos são artifícios utilizados pelas mídias como estratégia para poupar
processamento nas mentes de seus interlocutores, pela facilidade de atingir
objetivos comunicacionais. Conceitos arraigados, acomodados, são fáceis de
acessar e difíceis de mudar. Assim, os meios de comunicação agem reforçando as
ideias já ancoradas como representação social vigente no universo do senso
comum preferencialmente a lançar ideias e conceitos novos (CRUZ, 2007, p.03).
Figura 11. Desenho de Ao15.
Fonte: arquivo próprio (2017).
PROBLEMATIZAÇÃO DOS DESENHOS REALIZADOS
Após o Teste DAST, foi iniciada uma discussão com os alunos e as alunas a
respeito dos desenhos desenvolvidos por eles. Para isso, utilizou-se algumas
questões como fundamentação para esse diálogo.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
Quadro 2. Questões para fundamentar a discussão do desenho de uma pessoa cientista,
elaborado pelos alunos e alunas.
Fonte: autoria própria (2017).
Os desenhos e a discussão dos mesmos foram as primeiras atividades
desenvolvidas pelas pesquisadoras a respeito da mulher na ciência com os alunos
da turma investigada. Essas atividades funcionaram para indicar as concepções
prévias dos alunos e alunas no desenvolvimento de uma sequência didática
centrada na participação feminina na ciência (CAVALLI, 2017). Nesse contexto, ao
serem questionados a respeito da imagem que lembravam ao pensar em uma
pessoa cientista, os alunos e alunas responderam: “Albert Einstein”, outro aluno
“Watson e Crick” e “Darwin”. O único aluno que se referiu a uma mulher não
recordou o nome dela, no entanto explicou: “Professora tem aquela mulher que
ajudou a descobrir o DNA lá, mais que acabou não sendo reconhecida, não lembro
nome dela”. Esta informação deve ter sido trabalhada por outro professor, vista
em algum livro didático ou na mídia, pois não foi comentado anteriormente nada
a respeito desse assunto com os alunos e alunas.
Como se nota nas falas, somente um aluno lembrou-se de uma mulher, e
ainda não sabia o nome dela. Isso se deve à escassez de conteúdos acerca das
mulheres na ciência, devido à própria ciência ser predominantemente
masculinizada, em um contexto histórico onde a trajetória e avanços da ciência
sempre estiveram relacionados aos homens. Assim, é necessário ressaltar no
ensino de ciências o papel da mulher na produção científica (NASCIMENTO;
LOGUERCIO, 2013).
Ainda discutimos o porquê de as mulheres cientistas não serem recordadas e
algumas alunas apresentaram motivos como: “Por causa do machismo de
antigamente”, “Mulher tinha que ser dona de casa, não podia trabalhar, tinha
que ficar cuidando dos filhos e só”. Chassot (2004) indica uma naturalização em
relação aos papéis de gênero relativo às áreas científicas, pois existe a imagem na
sociedade que se uma mulher tem destaque em matemática é por ser esforçada,
mas se um menino tem destaque é por ser inteligente, naturalizando condições
distintas de acesso e motivação para a aprendizagem. Ou seja, a mulher é
educada aprendendo a cuidar de filhos e da casa e, quando decide fazer uma
faculdade, é direcionada pela família e sociedade à área de humanas (CAVALLI,
2017).
Roteiro de questões do desenho de uma pessoa cientista
Quando falamos a respeito de cientistas de quem vocês lembram?
Por que, muitas vezes, não lembramos de mulheres cientistas?
Antigamente mulher podia ser cientista? E atualmente?
Você pensa que existem profissões mais relacionadas com mulheres ou com
homens? Por quê?
Existem profissões que não têm mulheres atuando?
Você pensa que a mulher tem mais dificuldade do que o homem na profissão de
cientista? Justifique sua resposta.
Como é a inserção da mulher na ciência hoje?
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
Em outra fala de uma aluna: “Professora, até tinha mulher cientista, mas eram
os homens que levavam o mérito, a mulher não era reconhecida". Pugliese (2007),
afirma que o gênero era como um obstáculo para a prática científica da mulher,
pois as relações de poder nos laboratórios acabavam por excluí-las, o que
dificultava a divulgação de suas pesquisas.
Percebe-se que, apesar de terem imagens tradicionais e estereotipadas de
cientistas, os alunos e as alunas, por meio dos questionamentos, começam a
levantar hipóteses e ideias referentes a esses estereótipos, propiciando dessa
forma a reconstrução de conhecimentos (CAVALLI, 2017, p.72).
Também foi debatido se a mulher se inseria como profissional na ciência
antigamente e atualmente. A respeito de antigamente, os alunos responderam:
“Não professora, elas tinham que ficar em casa”, “Sim e se ela queria estudar
até os pais não deixavam, eram muito machistas”. Tratando-se do papel da mulher
na História da Ciência, há de se levar em consideração que, no começo do século
XX, a carreira científica era considerada imprópria para ser traçada por uma mulher
e também, no final do século XIX, existiam convenções para profissões de homens
e mulheres (CHASSOT, 2004).
Quando questionados: “E atualmente as mulheres podem ser cientistas?”. As
alunas responderam que: “Sim”, “Podem ser, mas é difícil ainda, sempre é mais
difícil para a mulher”. Após estas respostas foi perguntado: “Por que é mais
difícil?”. E um aluno respondeu: “Porque a mulher sempre é vista com
preconceito”. Essas respostas sugerem que os alunos e as alunas percebem os
diferentes preconceitos sociais aos quais as mulheres são submetidas. Nesse
sentido, considera-se que a escalada hierárquica da mulher na sociedade científica
é mais complicada, devido à carreira atual ser mais propícia ao sexo masculino,
pois a sociedade ainda se vê espelhada no homem, como cita Leta (2003).
Ainda, investigou-se acerca das ideias dos alunos e alunas a respeito das
distinções das profissões, as quais podem estar mais relacionadas com mulher ou
com homem. Um aluno disse: “Pedreiro e policial de choque eu vi homem”, e
uma aluna respondeu “Existe sim mulher pedreira e policial de choque eu vi, é
só procurar na internet”. Leta (2003) afirma que mesmo que as mulheres estejam
aumentando seu número nas carreiras científicas, elas ainda são minoria quando
se trata de cargos de chefia.
Isso se deve, muitas vezes, a uma dupla ou tripla jornada, tendo elas que
trabalhar, cuidar dos filhos e da casa, e também a um convencionalismo da
sociedade que tem a mulher como auxiliar e dificilmente com um nível
hierárquico maior que o homem (CAVALLI, 2017, p.73).
Neste momento, discutiu-se a existência de profissões em que as mulheres
não têm atuação. O primeiro aluno a responder ao questionamento disse: “Eu acho
que todas as profissões têm oportunidade de ter mulher”, outro aluno comentou:
“Padre!”. E um aluno afirmou: “Professora eu já vi uma juíza”. A professora
continuou: “Sim juíza tem bastante. Pessoal, vocês acham que as mulheres podem
exercer qualquer profissão ou tem alguma coisa que elas não conseguem fazer?”.
E as alunas continuaram respondendo: “De acordo com a Bíblia a mulher o pode
ser padre”, “Eu acho que fisicamente a mulher pode fazer tudo”. Segundo Chassot
(2004), as raízes religiosas são um dos principais motivos da ciência ser
predominantemente masculina. Segundo Olinto (2011), a família e a sociedade
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
influenciam as escolhas profissionais da mulher, assim, a mulher escolhe e avalia
opções para o que foi estabelecido como sendo adequado.
As educadoras e os educadores podem contribuir para repensar com suas
alunas e seus alunos o estereótipo de cientista, propiciando o pensamento crítico
e o debate de questões de gênero (HEERDT; BATISTA, 2016). Em relação à
existência de mais homens ou mulheres na ciência atualmente, a maioria das
alunas e alunos responderam que existem mais mulheres e um aluno justificou sua
resposta com: “As mulheres têm mais paciência para estudar”. Segundo Torejani
e Batista (2010), estes estereótipos que vinculam o gênero a determinadas áreas
científicas ou profissionais devem ser rompidos por meio da educação básica e da
discussão de temáticas que abordem temas como equidade de gênero, respeito à
diversidade e o papel da mulher na ciência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do teste DAST resultou em uma pequena presença de mulheres
cientistas na visão das alunas e dos alunos, apenas dois dos quinze desenhos foram
de mulheres. Os desenhos das alunas e dos alunos apresentaram em sua maioria
elementos de um estereótipo de cientista, tais como: do sexo masculino, barba e
jaleco. Também foi frequente a imagem de que cientistas trabalham em um
laboratório, rodeado por vidrarias. Alguns estudantes desenharam cientistas
populares e de desenhos animados, demonstrando a influência da mídia acerca do
estereótipo de cientista.
Ficou claro que a maioria das alunas e alunos ainda mantém uma visão
estereotipada de cientistas, sendo que poucos relacionam inicialmente a mulher
com a profissão científica. Contudo, notou-se que as alunas e alunos, quando têm
suas imagens de cientistas problematizadas, trazem à tona também outros
elementos em suas falas, destacando a questão do preconceito social de gênero,
bem como o reconhecimento de que as mulheres estão amplamente presentes na
ciência. Na discussão realizada após a elaboração dos desenhos, percebeu-se a
dificuldade das alunas e dos alunos em lembrarem de mulheres cientistas. Ainda,
concordam que, por mais que as mulheres tenham capacidade de exercer
qualquer profissão, existem funções em que não as encontramos com frequência.
Porém, foi visível a preocupação das alunas e dos alunos no que concerne à
presença de mulheres na ciência, entendendo que muitos desafios a serem
enfrentados, os quais são causados pelo preconceito de gênero. Compreendemos
que a discussão a respeito dos desenhos e das questões de gênero na ciência
permitiu o início de uma reflexão e de uma reconstrução de pensamento,
propiciando a visibilidade da mulher na ciência na escola.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
The participation of women in science: a
study of student's views through the DAST
test
ABSTRACT
Understanding the need for women's social equity and the importance of giving visibility to
female scientific activity, the work developed here aims to investigate the ideas of students
about scientists and how they relate women in science. The DAST (Draw a Scientist Test)
test, proposed by Chambers (1983), in which the student is asked to draw a scientist person,
is continually required to explain the design on the back of the sheet. Then, a collective
discussion was held with the students regarding the drawings produced and the role of
women in science. The investigation was carried out with an eighth grade class from the
Elementary School of a private school in the municipality of Cascavel-PR. We conclude that
the investigated students had a stereotyped view of the scientists with the idea of a
masculinized science, but that the problematization of the design provided an initial
reflection of the stereotypes presented by the students. We emphasize the importance of
breaking the stereotype of scientist, and it is the competence of scientific education to
develop student's understanding of scientific activity. The objective should be short,
defining the problem studied, highlighting the knowledge gaps that will be addressed in the
article.
KEYWORDS: Social equity. Woman. Scientist. Women in Science. Science Teaching.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018.
NOTA
1
A natureza da Ciência é entendida como um conjunto de elementos que tratam
da construção, estabelecimento e organização do conhecimento científico
(MOURA, 2014, p. 32).
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Unioeste e à CAPES pelo apoio financeiro. O presente trabalho foi
realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Recebido: 13 dez. 2017
Aprovado: 13 set. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.7513
Como citar:
CAVALLI, M. B., MEGLHIORATTI, F. A. A participação da mulher na ciência: um estudo da visão de
estudantes por meio do teste DAST. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 86-107, set./dez. 2018. Disponível em:
<https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Mariana Bolake Cavalli
Rua Três Barras, n. 1520, Bairro Jardim Universitário, Cascavel, Paraná, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.