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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
A epistemologia de Ludwik Fleck: análise
das produções do encontro nacional de
pesquisa em educação em ciências entre os
anos 1997 e 2015
RESUMO
Tatiele Chicóra
tatiele1990@gmail.com
orcid.org/0000-0003-3274-0786
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Curitiba, Paraná, Brasil
Joanez Aparecida Aires
Joanez.ufpr@gmail.com
orcid.org/0000-0002-2925-0826
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Curitiba, Paraná, Brasil
Sérgio Camargo
s.camargo@ufpr.br
orcid.org/0000-0001-8766-5424
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Curitiba, Paraná, Brasil
O presente trabalho possui orientação marcadamente metalinguística. Investiga a presença
da epistemologia de Ludwik Fleck enquanto referencial teórico para discussões referentes
a Educação em Ciências e em produções acadêmicas da área, tendo em vista que tal
epistemologia pode trazer contribuições significativas para o ensino de ciências, uma vez
que apresenta uma compreensão sobre a construção da ciência que se contrapõe à
compreensão empirista, ainda tão presente neste ensino. Nesse sentido, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica a partir de atas do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em
Ciências (ENPEC) editadas no período de 1997 a 2015. Para a organização dos trabalhos
encontrados, utilizamos como metodologia a análise textual discursiva (ATD) que nos
permitiu realizar a descrição das categorias fleckianas encontradas nos trabalhos. A análise
desse material mostrou que convergência entre os autores, sobre os motivos pelos quais
o uso deste referencial teórico se mostra relevante em discussões a respeito da construção
do conhecimento científico para a Educação em Ciências. Os resultados apontam que a
utilização das categorias de Fleck (2010) é bastante presente na área, entretanto, em
grande parte dos trabalhos analisados, são abordadas apenas parcialmente.
PALAVRAS-CHAVE: Educação em ciências. Epistemologia. Ludwik Fleck. ENPEC.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
INTRODUÇÃO
Ludwik Fleck (1896-1961) foi um médico polonês que se dedicou
intensamente à pesquisa na área da microbiologia. Em seu livro Gênese e
desenvolvimento de um fato científico, Fleck se contrapõe às concepções
positivistas do Círculo de Viena e apresenta uma nova interpretação para a
construção do conhecimento científico. Por meio de um estudo de caso sobre o
conceito de sífilis, Fleck resgata as origens medievais até o desenvolvimento da
reação de Wassermann, utilizada pelo diagnóstico sorológico dessa doença e, com
isso, destaca a estrutura de pensamento das comunidades científicas, seu caráter
coletivo, histórico, contextual” (MASSONI; MOREIRA, 2015, p. 238).
Nesse sentido, a obra de Fleck proporciona a compreensão das interações
socioculturais que ocorrem na produção e disseminação do conhecimento.
Delizoicov et al (1999) destacam que a epistemologia de Fleck colabora, entre
outros aspectos, para a compreensão da disseminação do processo de construção
do conhecimento na educação básica, uma vez que ocorre a circulação
intercoletiva entre a comunidade escolar e a comunidade científica, mediada pelos
professores. Essa circulação de ideias permite potencializar a apropriação de novos
conhecimentos, por parte dos estudantes da educação básica.
Considerando a importância das interpretações de Fleck para a construção da
ciência e as relações que podem ser estabelecidas com o ensino, realizamos neste
trabalho um levantamento bibliográfico nas atas do Encontro Nacional de Pesquisa
em Educação em Ciências (ENPEC), entre os anos de 1997 e 2015, com intuito de
identificar trabalhos que utilizam a Epistemologia de Ludwik Fleck como
referencial teórico. Buscando assim, responder a seguinte questão: com que
frequência a epistemologia de Ludwik Fleck vem sendo utilizada nas produções
acadêmicas da área de Educação em Ciências?
A VISÃO EMPÍRICO-INDUTIVISTA DE CIÊNCIA
A concepção de ciência segundo o senso comum nos leva a crer que o
conhecimento científico é um conjunto de verdades inquestionáveis, comprovadas
e obtidas através de um método seguido rigidamente. Mas o que seria esse
método científico?
Conforme Aranha e Martins (2009), a partir do século XVII, o interesse pelas
questões metodológicas intensificou-se entre os pensadores, como René
Descartes, Francis Bacon e David Hume. Nesse mesmo período, Galileu Galilei
provocou uma revolução na Ciência ao desenvolver o método da Física, baseando-
se na observação, experimentação e matematização. Desde então cientistas vêm
seguindo este “método” para desenvolver suas pesquisas. Os autores destacam
que tal método passa pelas seguintes etapas: observação, hipótese,
experimentação, generalização e teoria.
A observação, primeira etapa do método científico consiste na contemplação
de fenômenos, objetos e situações e o registro das impressões sobre aquilo que é
visto (ARANHA; MARTINS, 2009). Entretanto, pode-se questionar: duas pessoas
que observam a mesma situação veem a mesma coisa? Privilegiamos alguns
aspectos durante esse processo? A observação é feita sem preconceitos?
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Hodson (1982) salienta que aquilo que vemos depende de algo muito além da
imagem em si, ou seja, depende da interpretação que damos à observação. Desta
forma, a observação nunca é imparcial, visto que sempre uma teoria que a
ampara. Em acordo, Hanson (1975) afirma que aquele que nada aprendeu, nada
pode observar, considerando que a observação é sempre dirigida pelo interesse
do contexto, ou seja, as informações são organizadas de maneiras diferentes,
sempre com base em alguma teoria.
Essa dependência que a observação tem da teoria, isto é, do conhecimento
prévio adquirido culturalmente, refuta a afirmação de que a Ciência começa pela
observação. O cientista não é um observador fiel dos fatos, uma vez que está
sujeito a um contexto histórico, social e cultural. Como podemos considerar que a
observação é livre de preconceitos, ou seja, totalmente neutra?
A hipótese, segunda etapa do método científico, consiste na explicação
provisória dos fenômenos observados, ou seja, é a interpretação antecipada que
poderá ser ou não confirmada (ARANHA; MARTINS, 2009). Mas de onde vem a
hipótese? Muitas vezes associamos as hipóteses a algo misterioso, proveniente de
uma “iluminação”, entretanto, tais ideias iniciais geralmente provêm de
conhecimentos anteriores.
Após levantar hipóteses, o cientista desenvolve experimentos que lhe
permitirão testá-las sob diversas condições. A experimentação proporciona
condições privilegiadas, que permite ao cientista repeti-la, variar as condições
experimentais ou tornar mais lento determinados processos.
O que o físico enuncia como resultado de uma experiência não é o relato dos
fatos constatados; é a interpretação desses fatos, é a sua transposição para o
mundo abstrato, simbólico, criado pelas teorias que ele considera como
estabelecidas. (DUHEM, 1989, p. 105).
De acordo com o Duhem, podemos constatar que tanto a observação quanto
a experimentação são ancoradas em teorias que o cientista considera apropriadas
e que irão lhe permitir determinadas interpretações daquilo que se observa ou
experimenta.
Nessa fase são observadas as relações constantes e se torna possível
generalizar (ARANHA; MARTINS, 2009). Entretanto, podemos nos perguntar:
quantas vezes precisamos observar repetidamente o mesmo fenômeno, variando-
se as condições, para que a hipótese seja confirmada e se possa fazer
generalizações?
De acordo com Chalmers (1993), uma vez que se tenha chegado a novas leis,
deve-se averiguar um grande número de fatos sob diversas circunstâncias que
sejam relevantes a essa teoria. Esse processo define a extensão na qual a lei pode
se revelar verdadeira ou provavelmente verdadeira.
O desenvolvimento da ciência tinha sido tão significativo até o século XIX que
era inegável a excelência do método científico. No entanto, algumas novidades
golpearam as concepções clássicas, dando origem à chamada crise da ciência
moderna. Tais crises da ciência no final do século XIX e início do século XX exigiram
que a epistemologia contemporânea fizesse uma revisão da concepção de ciência
e da sua metodologia (ARANHA; MARTINS, 2009). Podemos citar como exemplos
a teoria da relatividade de Einstein, onde o espaço deixa de ser absoluto e o
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
princípio de incerteza de Heisenberg, que reconhece certa indeterminação, ou
seja, a impossibilidade de precisão na mecânica quântica.
Surge nesse cenário a necessidade de reavaliar o conceito de ciência, que
passa a ser o objeto de estudo da epistemologia.
Essa denominação começou a ser utilizada em meados do século XIX,
correspondendo à teoria do conhecimento. Com maior precisão, e tendo em
vista a intensificação das discussões contemporâneas em torno da ciência, o
termo “epistemologia” passou a ser usado para designar o estudo do
conhecimento científico do ponto de vista crítico, isto é, do seu valor.
(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 382).
De acordo com Tesser (1995, p. 92), a palavra epistemologia remete ao
discurso sobre a ciência, ou seja, “o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e
dos resultados das diversas ciências”. Nesse sentido, é papel do epistemólogo
conhecer e analisar o processo de construção do conhecimento científico, do
ponto de vista social, lógico, político e histórico. Assim, deve-se considerar que a
ciência constrói um conhecimento que não é imutável, mas sim provisório.
Podemos destacar alguns epistemólogos que através de seus estudos
trouxeram grandes contribuições para as discussões acerca do processo de
construção do conhecimento científico: Karl Popper, Gaston Bachelard, Paul
Feyerabend, Ludwik Fleck, Thomas Kuhn, entre outros. Devido à importância da
obra do epistemólogo Ludwik Fleck para a visão histórico-filosófica da Ciência,
apresentamos a seguir algumas de suas ideias contidas em seu livro Gênese e
desenvolvimento de um fato científico.
A EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK FLECK
Em seu livro, o médico polonês Ludwik Fleck apresenta uma interpretação do
processo de construção do conhecimento científico, em contrapartida à visão
empírico-indutivista. De acordo com Massoni e Moreira (2015, p. 238) “Fleck opôs-
se, como Karl Popper e outros filósofos do séc. XX, às ideias positivistas do Círculo
de Viena, baseadas no empirismo tradicional, no indutivismo e no verificacionismo
como forma de demarcar o discurso científico do não científico”. Nesse sentido,
Fleck disserta sobre a noção de construção coletiva Ciência, ou seja, considera as
relações estabelecidas entre a comunidade científica para o desenvolvimento de
um conceito, destacando que essa construção não ocorre de maneira individual.
Uma característica presente na obra deste epistemólogo é o reconhecimento
da importância da História para a construção do conhecimento. De acordo com
Fleck (2010), não se chega a um conceito sem uma abordagem histórica, ou seja,
é imprescindível considerar o passado e o contexto histórico, detectando o
impacto de fatores externos na construção da ciência. Nesse sentido Löwy (1994,
p. 9) destaca que, em sua obra, “Fleck enfatiza as origens sociais do conceito de
doença e sua divergência sincrônica (em culturas diferentes) e diacrônica (em
períodos históricos diferentes)”. Assim, o entendimento a respeito de um conceito
é, de certa forma, reflexo de um conjunto de crenças e costumes de uma
determinada época.
Para Fleck (2010) essa construção não ocorre de maneira acumulativa e linear,
mas sim por meio de continuidades e descontinuidades, assim, nem sempre o
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
conhecimento científico deve ser visto como uma evolução do pensamento
anterior, como também, nem sempre como ruptura, conforme afirmava Kuhn.
Citamos como exemplo a mecânica newtoniana e a teoria da relatividade geral de
Einstein, na primeira, as grandezas massa e tempo são absolutas, na segunda
são relativas. Ambas as teorias são utilizadas atualmente, entretanto, a segunda
não pode ser considerada como uma extensão ou evolução da primeira.
A seguir, destacamos algumas categorias desenvolvidas por este
epistemólogo, como forma de possibilitar a compreensão da construção do
conhecimento científico a partir da sua compreensão. Uma das principais
categorias fleckianas corresponde ao coletivo de pensamento, definido:
[…] como a comunidade das pessoas que trocam pensamentos ou se
encontram numa situação de influência recíproca de pensamentos, temos,
em cada uma dessas pessoas, um portador do desenvolvimento histórico de
uma área de pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura,
ou seja, de um estilo específico de pensamento (FLECK, 2010, p. 82).
Outra categoria destacada diz respeito ao estilo de pensamento, o qual
compreende o conhecimento de uma comunidade ou grupo em uma determinada
época, sendo construído a partir das várias atividades sociais desenvolvidas por
essa comunidade. O estilo de pensamento direciona o modo de pensar e agir de
uma comunidade, assim, podemos considerar o coletivo de pensamento como um
elo na relação de construção de um determinado conceito ou conhecimento.
Para Fleck, a observação de um fenômeno depende diretamente do estilo de
pensamento do observador, isto é, a observação é modelada pelo estilo de
pensamento. Entretanto, no processo de construção do conhecimento, é
inevitável a coexistência de distintos estilos de pensamento, considerados
incomensuráveis entre si. Essa pluralidade de olhares colabora para a construção
do conhecimento de maneira coletiva (LÖWY, 1994).
As proto-ideias ou pré-ideias são categorias que correspondem às ideias vagas
sobre um determinado conceito, que surgem no passado, sem que a ligação entre
elas e o fato atual possa ser legitimada. De acordo com Fleck (2010), essas ideias
podem servir para originar discussões a respeito de um determinado fenômeno,
ou seja, a proto-ideia tem potencialidade para se transformar em uma expressão
científica moderna. No estudo de caso realizado por Fleck, a proto-ideia da
existência do sangue sifilítico
[...] contribuiu para a promoção e desenvolvimento de um teste sanguíneo
para a detecção da sífilis [...] a junção das ideias científicas e conceitos leigos
permitiu vencer os obstáculos iniciais que tornaram difícil o desenvolvimento
de tal teste e serviu como motor para o processo coletivo de elaboração de
um fato científico (LÖWY, 1994, p. 11).
Fato científico é a categoria definida por Fleck (2010, p. 132) como
[…] uma relação de conceitos conforme o estilo de pensamento que, embora
possa ser investigável por meio dos pontos de vista históricos e da psicologia
individual e coletiva, nunca poderá ser simplesmente construída, em sua
totalidade, por meio desses pontos de vista.
Assim, Fleck (2010, p. 132) constata “o fenômeno da associação inseparável
das partes ativas e passivas do saber, e ainda o fenômeno de o número das duas
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partes crescer com o número dos fatos”. Nesse sentido, Massoni e Moreira (2015)
destacam que o fato científico é visto por Fleck como um produto social. Em outras
palavras, o processo de construção do conhecimento ocorre na interação do
sujeito com o objeto, e essa interação é mediada pelo estilo de pensamento.
As conexões ativas são descritas por Fleck (2010, p. 83) como resultado das
observações iniciais realizadas pelo sujeito sobre o objeto, ou seja, constatar os
resultados inevitáveis sob determinadas condições dadas”. as conexões passivas
são consideradas como pressupostos que surgem a partir da interação entre estilo
de pensamento, isto é, o sujeito juntamente com o coletivo de pensamento
elabora uma interpretação a respeito do objeto.
O grupo de indivíduos que possui conhecimentos a respeito de um
determinado fenômeno, sendo considerados especialistas, Fleck (2010) o
denomina como círculo esotérico. Isto é, um grupo menor de pessoas que
compreendem o fenômeno e elaboram generalizações simplificadas para tornar
este conhecimento compreensível por principiantes ou leigos, estes últimos
compondo um grupo maior, denominado de círculo exotérico. Delizoicov et al
(1999) destacam que este círculo maior se forma ao redor do círculo esotérico,
desta forma, não se relaciona diretamente com o fato científico, mas sim, de
maneira indireta, através da mediação realizada pelo círculo esotérico. Assim, os
círculos estabelecem relações entre si.
Fleck (2010) define ainda as categorias de circulação intra e intercoletiva de
ideias. Sendo a circulação intracoletiva, a ocorrência de comunicação entre estes
dois grupos distintos, ou seja, quando ocorre o tráfego de ideias do círculo
esotérico para o exotérico. Já a circulação intercoletiva ocorre quando indivíduos
de distintos coletivos de pensamento, com estilos de pensamento similares,
estabelecem comunicação. De acordo com Massoni e Moreira (2015, p. 250)
É preciso considerar ainda que os especialistas de um coletivo de pensamento
(círculo esotérico), que têm a tendência de estabilizar o estilo de pensamento,
são também membros de outros coletivos, científicos ou não científicos
(círculos exotéricos), que têm orientações divergentes e acabam gerando
pequenas alterações, pequenos deslocamentos de linguagem que
impulsionam as transformações dos estilos de pensamento. Dessa forma,
naturalmente ocorre o processo de transformação de conceitos científicos,
alterações dos valores de pensamento que podem fazer surgir novos estilos
de pensamento.
Neste trabalho abordaremos apenas as categorias fleckianas expostas
anteriormente: estilo de pensamento, coletivo de pensamento, fato científico,
proto-ideia, conexões ativas e passivas, círculo exotérico e esotérico e circulação
intracoletiva e intercoletiva, uma vez que a obra deste epistemólogo apresenta
inúmeras contribuições acerca do processo de construção do conhecimento,
tornando inviável a explanação da totalidade de sua obra na extensão deste
trabalho.
DESENVOLVIMENTO E METODOLOGIA
Este trabalho, de natureza qualitativa, teve como objetivo identificar e
analisar produções acadêmicas da área de Educação em Ciências que utilizam a
Epistemologia de Fleck (2010) como referencial teórico. Nesse sentido foi
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
desenvolvida uma pesquisa bibliográfica, que, segundo Silva e Menezes (2005,
p.16) “é um processo de levantamento e análise de informações sobre um
determinado assunto que já foi publicado sobre o problema de pesquisa escolhido
para ser enfocado no trabalho”.
A pesquisa bibliográfica ocorreu por meio da localização de produções
acadêmicas que tratavam de maneira geral sobre a Epistemologia de Ludwik Fleck
e a Educação em Ciências entre 1997 e 2015. A busca compreendeu atas do
principal evento da área, o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em
Ciências (ENPEC), disponíveis em http://abrapecnet.org.br/wordpress/pt/enpecs-
anteriores/, sendo que, para a busca foram utilizadas algumas palavras-chave, tais
como: Ludwik Fleck, epistemologia de Fleck, categorias de Fleck, estilo de
pensamento, coletivo de pensamento, fato científico, círculo exotérico e esotérico,
circulação intracoletiva e intercoletiva de ideias, dentre outras.
O foco principal foi identificar trabalhos onde as categorias fleckianas foram
utilizadas na constituição ou análise dos dados, assim, a leitura do resumo de cada
texto nos permitiu verificar se o mesmo tratava do assunto de interesse, para
posteriormente, realizarmos a leitura dos textos na íntegra. Durante o processo de
pesquisa foram encontrados 16 trabalhos que atendem aos critérios citados
anteriormente e estão organizados no quadro 1 considerando o aparecimento das
categorias fleckianas.
Quadro 1 - Trabalhos organizados de acordo com o aparecimento das categorias
fleckianas
Ano de
publicação
Título do trabalho
Código
1997
A EPISTEMOLOGIA DE FLECK E A PESQUISA EM ENSINO DE
CIÊNCIAS
T
1
1999
SOCIOGÊNESE DO CONHECIMENTO E PESQUISA EM
ENSINO: CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DO REFERENCIAL
FLECKIANO
T
2
2001
A HISTÓRIA DAS LEIS DE MENDEL NA PERSPECTIVA
FLECKIANA
T
3
2005
ENSINO DA GENÉTICA CONTEMPORÂNEA:
CONTRIBUIÇÕES DA EPISTEMOLOGIA DE FLECK
T
4
2007
EXTENSÃO DA TABELA PERIÓDICA E PROJETO
MANHATTAN: HISTÓRIAS TECIDAS NUMA PERSPECTIVA
FLECKIANA
T
5
PERSPECTIVA FLECKIANA PARA UM ESTUDO DO
ISOLAMENTO DA INSULINA: SUBSÍDIOS PARA O SEU
ENSINO
T
6
A UTILIZAÇÃO DO REFERENCIAL FLECKIANO COMO EIXO
ORIENTADOR PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS E
TECNOLOGIA
T
7
CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA DE ALUNOS DA FARMÁCIA:
REFLEXÕES A PARTIR DO REFERENCIAL FLECKIANO
T
8
2009
AS IDÉIAS DE FLECK E HOLTON NO TREINAMENTO
ESCOLAR
T
9
2011
A CONTRIBUIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DE LUDWIK FLECK NA
PRODUÇÃO ACADÊMICA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
T
10
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
Ano de
publicação
Título do trabalho
Código
A ABORDAGEM TEMÁTICA NA PERSPECTIVA DA
ARTICULAÇÃO FREIRE-CTS: UM OLHAR PARA A
INSTAURAÇÃO E DISSEMINAÇÃO DA PROPOSTA
T
11
AS CONTRIBUIÇÕES DE FLECK NO RECONHECIMENTO DE
COLETIVOS DE PENSAMENTO NAS PESQUISAS
BRASILEIRAS SOBRE O LIVRO DIDÁTICO
T
12
O CONCEITO DE SUBSTÂNCIA: UMA CONSTRUÇÃO
HISTÓRICA A PARTIR DE DIFERENTES ESTILOS DE
PENSAMENTO
T
13
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DA BIOLOGIA NO ENSINO
MÉDIO E A HISTÓRIA DOS RELÓGIOS BIOLÓGICOS
T
14
2013
ASPECTOS AMBIENTAIS E A PESQUISA EM ENSINO DE
QUÍMICA: UM OLHAR COM VIÉS FLECKIANO
T
15
ESTUDO DOS PROCEDIMENTOS E REFERENCIAIS
METODOLÓGICOS DAS DISSERTAÇÕES E TESES SOBRE
ENSINO DE QUÍMICA DA USP (2006-2009)
T
16
Fonte: autoria própria (2017).
METODOLOGIA DE ANÁLISE E RESULTADOS
Para analisarmos os trabalhos selecionados através da pesquisa bibliográfica,
levamos em consideração a Análise Textual Discursiva (ATD), que segundo Moraes
e Galiazzi (2007) permite um diagnóstico qualitativo por meio de categorizações.
Essa metodologia de análise pode ser caracterizada como a produção de um
conjunto de textos e pesquisas, interpretando e descrevendo significados. O ciclo
da análise se baseia em três elementos: unitarização, categorização e comunicação
(MORAES e GALIAZZI, 2007).
As produções foram analisadas de acordo com as categorias fleckianas que
foram identificadas na constituição do referencial teórico em cada um dos
trabalhos. Assim, realizamos a categorização a priori, ou seja, efetuamos a análise
a partir de categorias disponíveis na literatura. As categorias que serão
consideradas na análise estão sistematizadas no quadro 2.
Quadro 2 Síntese das categorias de análise.
Categoria
Síntese
Estilo de
pensamento
Conhecimento construído a partir de atividades sociais de uma
determinada comunidade e compartilhado por essa comunidade
de pessoas
Coletivo de
pensamento
Comunidade de indivíduos que compartilham pensamentos,
práticas e concepções
Proto-ideias
Ideias vagas sobre um determinado conceito, que surgem no
passado, sem que a ligação entre elas e o fato possa ser
legitimada
Conexões ativas
Conexões resultantes das observações iniciais realizadas pelo
sujeito sobre o objeto
Conexões passivas
Pressupostos que surgem a partir da interação entre estilo de
pensamento, isto é, o sujeito juntamente com o coletivo de
pensamento elabora uma interpretação a respeito do objeto.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
Categoria
Síntese
Círculo exotérico
Círculo maior, composto por indivíduos principiantes ou leigos a
respeito de um determinado fenômeno
Círculo esotérico
Círculo menor, composto por indivíduos que possuem
conhecimentos a respeito de um determinado fenômeno, sendo
considerados especialistas
Circulação
intracoletiva
Tráfego de ideias do círculo esotérico para o exotérico
Circulação
intercoletiva
Tráfego de ideias que ocorre ao passo que indivíduos de distintos
coletivos de pensamento, com estilos de pensamento similares,
estabelecem comunicação
Fato científico
Conhecimento que são resultantes de um produto social, uma
vez que decorrem de relações estabelecidas em um determinado
estilo de pensamento
Fonte: autoria própria (2017).
Os trabalhos identificados nesta pesquisa foram numerados de acordo com a
ordem de aparecimento das categorias e sistematizados na tabela 1, conforme a
categorização realizada.
Tabela 1 Relação das categorias fleckianas utilizadas nos trabalhos analisados
Categoria
Trabalho(s) que utiliza(m) essa categoria
Estilo de pensamento
T
2
, T
3
, T
6
, T
7
, T
8
, T
9
, T
10
, T
11
, T
12
, T
13
, T
14
, T
16
Coletivo de pensamento
T
2
,T
3
, T
6
, T
8
, T
9
, T
10
, T
11
, T
14
, T
16
Fato científico
T
2
,T
4
, T
6
, T
8
, T
9
, T
10
, T
14
Conexões ativas
T
2
,T
4
Conexões passivas
T
2
,T
4
Circulação intracoletiva
T
2
,T
5
, T
6
, T
8
, T
10
, T
11
, T
14
, T
15
, T
16
Circulação intercoletiva
T
2
,T
5
, T
6
, T
8
, T
10
, T
11
, T
14
, T
15
, T
16
Proto-ideias
T
2
,T
6
, T
14
Círculo exotérico
T
2
,T
7
, T
8
, T
9
, T
16
Círculo esotérico
T
2
,T
7
, T
8
, T
9
, T
14
Fonte: autoria própria (2017).
Destacamos a seguir a síntese dos trabalhos analisados e a principal finalidade
com que as categorias fleckianas foram utilizadas em cada um dos artigos, de
maneira a justificar a categorização realizada na tabela 1.
A produção denominada de T1 caracteriza-se na modalidade de painel, desta
forma não foi possível identificar as categorias fleckianas abordadas por Delizoicov
(1997). Entretanto, a partir da leitura do texto verificamos que o autor realiza um
estudo buscando explorar o potencial da epistemologia de Ludwik Fleck como
referencial para a pesquisa em ensino de ciências.
O trabalho T2 aborda a teoria do conhecimento de Fleck desde as origens,
relacionando o contexto em que ele estava inserido com a construção das ideias,
assim, todas as categorias mencionadas foram abordadas neste trabalho.
Considerando a contribuição da obra para a compreensão do processo de
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
construção do conhecimento, os autores argumentam sobre a potencialidade da
epistemologia de Fleck como referencial para a pesquisa em ensino de ciências
naturais e na saúde.
O trabalho T3 caracteriza-se como um material de suporte para o ensino de
ciências, uma vez que proporciona um olhar a respeito da história das leis de
Mendel. As categorias “estilo de pensamento e “coletivo de pensamento são
utilizadas para evidenciar a influência do contexto social, histórico e econômico e
as relações estabelecidas para o desenvolvimento do conhecimento científico.
Leite, Ferrari e Delizoicov (2005, p.2) destacam que
A partir das reflexões de Fleck, nossa hipótese é a de que o trabalho de
Mendel está em sintonia com o contexto em que viveu e que é fruto de suas
relações com estilos de pensamento diversos. Esta perspectiva considera os
aspectos sociológicos e históricos na gênese das teorias de Mendel, sem
desmerecer seu trabalho individual e sua genialidade. Utilizaremos as
categorias propostas por Fleck para analisar a origem e o desenvolvimento do
pensamento de Mendel, estabelecendo relações com os grupos (coletivos de
pensamento) com os quais conviveu e com o contexto intelectual e
econômico de seu período histórico.
Por meio da utilização das categorias de Fleck é possível evidenciar a influência
do contexto no desenvolvimento do conhecimento científico. Assim, as ideias
passam a ser consideradas como resultado da interação entre um sujeito
cognoscente, um objeto e um estado de conhecimento (LEITE; FERRARI;
DELIZOICOV, 2005).
A produção T4 buscou identificar como os licenciandos de um curso de
ciências biológicas interpretam a existência de conexões ativas e passivas na
construção de um fato científico (o modelo de dupla hélice para a estrutura do
DNA). Apesar de citar e descrever as categorias fleckianas, não são apresentados
resultados que relacionam a interpretação dos sujeitos de pesquisa sobre a
natureza da ciência e as categorias de Fleck. Entretanto, os autores destacam que
“a epistemologia de Ludwik Fleck surge como uma alternativa para possibilitar a
educação científica que o atual estado do conhecimento científico e as tecnologias
dele decorrentes demandam, especialmente na área da biologia molecular
(SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2001, p. 8).
O artigo T5 realiza uma leitura de episódios históricos relacionados à síntese
de elementos transurânicos, à alteração da Tabela Periódica e à execução do
Projeto Manhattan. As categorias circulação intra e intercoletiva de ideias são
utilizadas para ressaltar a importância do tráfego de ideias na construção do
conhecimento científico. Flôr (2007, p. 1) destaca que é realizada uma análise
sobre “como ocorreu a comunicação das idéias e produções científicas à luz dos
conceitos fleckianos de circulação intracoletiva e circulação intercoletiva de
idéias”. A autora ressalta a importância da abordagem de episódios históricos a
partir de referenciais epistemológicos na formação de professores, uma vez que
contribuem para a compreensão crítica acerca da construção do conhecimento.
O artigo T6 apresenta um resgate histórico a respeito do isolamento da
insulina. As categorias de Fleck são utilizadas para demonstrar como ocorreu o
processo de construção do conhecimento científico sobre diabetes. Sobre o
episódio apresentado, os autores destacam que
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
[…] vários grupos de profissionais e pesquisadores da área da saúde
contribuíram para a construção do conhecimento que culminou com o êxito
no tratamento da diabetes. Os diferentes estilos de pensamento de cada
especialidade lançaram olhares com enfoque diferenciado para um mesmo
objeto de estudo, o paciente diabético (HEIDRICH; DELIZOICOV, 2007, p. 9)
Com relação às contribuições para o Ensino de Ciências, os autores apontam
que a abordagem destes aspectos históricos no processo de ensino “pode
contribuir para problematizar a visão de ciência dos alunos, e dos próprios livros
textos, permitindo veicular uma compreensão da natureza do conhecimento
científico em sintonia com a discussão epistemológica” (HEIDRICH; DELIZOICOV,
2007, p. 9).
O trabalho T7 discute a relação entre estilo de pensamento e a atividade
prática, realizando conexões com o Ensino de Ciências e Tecnologia. As categorias
fleckianas estilo de pensamento, círculo exotérico e esotérico são utilizadas para
traçar um paralelo entre construção do conhecimento científico, ensino de ciências
e a tecnologia derivada desse conhecimento científico. Pfuetzenreiter (2007, p. 1)
relaciona essas ideias “com o ensino de ciências e tecnologia, nos quais a atividade
prática desempenha um papel relevante, com a finalidade de orientar os
professores para despertar nos estudantes a compreensão dos avanços que são
produzidos pelas atividades científicas”.
No artigo T8 as autoras utilizaram as categorias de Fleck (estilo de
pensamento, coletivo de pensamento, circulação intracoletiva e intercoletiva, fato
científico e círculo exotérico e esotérico) como aporte teórico para refletir sobre
as concepções de Ciência de graduandos em Farmácia. Apesar de definirem as
categorias, as mesmas não foram utilizadas na constituição ou análise dos dados.
Segundo Machado e Carneiro (2007, p. 8) foram elaboradas três categorias de
análise de acordo com as respostas dos participantes: “Adequada (a opção
assinalada expressa uma concepção apropriada da ciência); Aceitável (a opção
assinalada expressa uma concepção parcialmente legítima); Ingênua (a opção
assinalada é inapropriada)”.
No trabalho T9 é realizada uma aproximação entre as ideias de Ludwik Fleck e
Holton. Tal aproximação visa à reflexão acerca da influência que as concepções de
Ciência dos professores exercem sobre a aprendizagem dos alunos. Apesar de os
autores apresentarem diversas categorias fleckianas, somente a categoria estilo
de pensamento é utilizada para a análise dos dados. Essa categoria é utilizada para
discutir a influência do compartilhamento de um determinado modo de pensar,
durante o processo de ensino-aprendizagem.
No trabalho T10 os autores apresentam uma análise que relaciona a
epistemologia de Fleck e a produção acadêmica, composta por teses e dissertações
da área de educação em ciências, produzidas entre 1995 e 2010. Assim, as
produções foram analisadas de acordo com a categorização realizada por
Lorenzetti (2008). A primeira categoria engloba estudos que versam sobre a
emergência de um fato científico, a segunda categoria abrange estudos que
analisam a formação de professores, buscando identificar estilos de pensamento
presentes em suas concepções e práticas. Na terceira categoria encontram-se os
trabalhos que analisam a produção acadêmica na respectiva área, com intuito de
reconhecer estilos e coletivos de pensamento. Os autores apontam algumas
considerações a respeito do estudo realizado:
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
Os dados apontam significativa contribuição da epistemologia de Fleck para
o processo de produção do conhecimento na área, especialmente para o
reconhecimento de que as práticas pedagógicas dos professores são
condicionadas pelo seu estilo de pensamento, assim como, na compreensão
da instauração e consolidação de uma área de pesquisa (LORENZETTI;
MUENCHEN; SLONGO, 2011, p. 1).
A produção T11 apresenta uma análise do processo de instauração e
disseminação da proposta de abordagem temática caracterizada pela articulação
entre os referenciais de Freire e os referenciais relacionados ao movimento
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Os autores utilizam as categorias circulação
intracoletiva e intercoletiva e estilo de pensamento para tecer considerações sobre
o assunto. A circulação intra e intercoletiva são destacadas como contribuintes
para a instauração de um estilo de pensamento a respeito da abordagem relacional
Freire-CTS. De acordo com os autores “pode-se pensar na possibilidade da
circulação intracoletiva e intercoletiva destacadas estarem contribuindo para
instauração de um estilo de pensamento que tem como foco a abordagem
articulada Freire-CTS” (HUNSCHE; DELIZOICOV, 2011, p. 8).
O artigo T12 realizada uma análise sobre pesquisas a respeito do livro didático,
produzidas entre os anos de 1999 e 2010. As categorias foram utilizadas para a
análise das pesquisas. Assim, foi possível identificar coletivos de pensamento que
são constituídos por diferentes estilos de pensamento. De acordo com Emmel,
Araújo e Güllich (2011, p. 1) os trabalhos analisados “formaram quatro coletivos
de pensamento: conceitos, currículo, pesquisa em/sobre livro didático e
metodologia, constituídos de estilos de pensamento capazes de caracterizá-los e
expressar o viés formativo induzido pela circulação de ideias entre os mesmos”.
O trabalho T13 apresenta uma revisão teórica a respeito do conceito de
substância, abordando aspectos da história, filosofia e sociologia da ciência. A
categoria estilo de pensamento é utilizada para apresentar e discutir a organização
do pensamento a respeito da composição mínima de matéria, desde os gregos até
a concepção atomística de Dalton.
Na produção T14 são apresentados episódios históricos que conduziram à
constituição da cronobiologia como área de estudos, destacando os principais
fatores em relação ao conceito de relógios biológicos. O assunto foi discutido por
meio das seguintes categorias de Fleck: estilo e coletivo de pensamento, proto-
ideias, fato científico e circulação de ideias de modo intercoletivo e intracoletivo.
As categorias de Fleck foram utilizadas para permitir uma compreensão completa
a respeito da construção do conhecimento científico. De acordo com Sandrin e
Terrazzan (2001, p. 2) “o objetivo do trabalho é subsidiar em fase posterior da
pesquisa, por meio do material historiográfico, a elaboração de metodologias de
ensino que permitam aos estudantes compreenderem a multidimensionalidade da
produção dos fatos científicos”.
O trabalho T15 identifica possíveis tendências e perspectivas das investigações
que abordam questões de cunho ambiental e sua relação com a química, com base
na seção Pesquisa no Ensino de Química, da revista Química Nova na Escola, no
período de 2008 e 2012. As categorias de Fleck são utilizadas para analisar a
ocorrência da circulação inter e intracoletiva de ideias acerca da temática
ambiental e o ensino de química, no contexto analisado. Roloff e Marques (2011,
p. 7) destacam a relevância do estudo realizado:
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
Acredita-se que o recorte escolhido para esta investigação contribui, mesmo
que em uma pequena parcela (três dos sete artigos selecionados), com a
circulação inter e intracoletiva de ideias acerca da temática ambiental e o
ensino de Química, pois ressalta, cada qual a sua maneira, a importância de
se discutir estes aspectos no ensino.
O artigo T16 apresenta uma análise a respeito dos procedimentos
metodológicos e referenciais teóricos utilizados em produções acadêmicas de
ensino de química da Universidade de São Paulo, entre os anos de 2006 e 2009.
Milaré e Rezende (2013, p. 1) buscaram compreender “como ocorre a construção
do conhecimento nesses trabalhos, através das concepções de estilo de
pensamento, coletivo de pensamento, círculos exotérico e esotérico e circulação
intra e intercoletiva de idéias”. As autoras destacam que a epistemologia de Fleck
permite uma compreensão sócio-histórica e sobre o trabalho coletivo no processo
de construção do conhecimento.
Por fim, apresentamos a frequência, em ordem decrescente, com que as
categorias fleckianas foram utilizadas nas produções acadêmicas analisadas.
Figura 1 Frequência em ordem decrescente das categorias presentes nas produções.
Fonte: autoria própria (2017).
O gráfico da figura 1 nos revela que as pesquisas analisadas enfatizam alguns
aspectos específicos da epistemologia de Fleck, apresentando o conhecimento
como fruto de atividades sociais de uma determinada comunidade e
compartilhado por essa comunidade de pessoas (estilo de pensamento) e a
caracterização das comunidades de indivíduos que compartilham pensamentos,
práticas e concepções (coletivos de pensamento). Um dos fatores que pode
justificar essa frequência se encontra no fato de que essas ideias, segundo Fleck,
são centrais na construção da ciência, entretanto, destacamos a necessidade de
trabalhos que discutam sobre o processo de construção do conhecimento
científico através de uma abordagem que permita privilegiar a epistemologia
fleckiana de modo mais completo.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo identificar e analisar com que frequência a
epistemologia de Ludwik Fleck vem sendo utilizada nas produções acadêmicas da
área de educação em ciências que a utilizam como referencial. A análise nos
mostra que apesar de os autores dos trabalhos utilizarem as categorias fleckianas
de maneiras distintas, nota-se uma convergência quanto à importância atribuída
ao uso da epistemologia de Fleck para a educação em ciências visto que, na maioria
dos casos, as ideias de Fleck foram utilizadas com a finalidade de discutir sobre o
processo de construção do conhecimento científico, bem como das influências
externas e internas que ocorrem no processo de instauração de um fato científico.
Embora quase a totalidade das categorias fleckianas tenham sido utilizadas
como referencial teórico nas pesquisas da área de educação em ciências
analisadas, grande parte dos trabalhos as abordam parcialmente, isto é, ocorre a
definição das categorias como parte do referencial teórico dos trabalhos,
entretanto as mesmas não são utilizadas para a análise dos dados.
O uso parcial da epistemologia de Fleck pode gerar uma interpretação
equivocada a respeito de suas ideias, uma vez que as relações estabelecidas entre
as categorias são primordiais para a compreensão do processo de construção do
conhecimento científico. Nesse sentido, pode-se inferir que as categorias
fleckianas não podem ser interpretadas de modo isolado, ou seja, para
compreender o conceito de fato científico se faz necessário reconhecer que ele é
produto da circulação de ideias e das relações estabelecidas entre coletivos de
pensamento.
Assim, a compreensão da epistemologia de Fleck possibilita uma
interpretação sobre as relações estabelecidas para a construção do conhecimento
científico, demonstrando que o conhecimento é suscetível de transformação, que
o processo de construção do conhecimento ocorre de maneira coletiva e que o
contexto histórico, social, econômico e político influencia nesse processo. Abordar
as ideias de Fleck no Ensino de Ciências pode proporcionar uma boa reflexão a
respeito da construção do conhecimento científico, uma vez que se contrapõe à
compreensão empirista, ainda tão presente no ensino.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
The epistemology of Ludwik Fleck: analysis
of the productions of the National Meeting
of Research in Science Education between
the years 1997 and 2015
ABSTRACT
The present work has a strongly metalinguistic orientation. It investigates the presence of
the epistemology of Ludwik Fleck as a theoretical reference for discussions regarding
Education in Sciences and in academic productions of the area, considering that such
epistemology can bring significant contributions to the teaching of sciences, since it
presents an understanding about the construction of science that contrasts with the
empiricist understanding, still so present in this teaching. In this sense, a bibliographical
research was carried out based on the minutes of the National Meeting of Research in
Education in Sciences (ENPEC) published in the period from 1997 to 2015. For the
organization of the works found, we used as methodology the discursive textual analysis
(ATD) that allowed us to perform the description of the Fleckian categories found in the
works. The analysis of this material showed that there is convergence among the authors
about the reasons why the use of this theoretical reference is relevant in discussions about
the construction of scientific knowledge for Science Education. The results show that the
use of the categories of Fleck (2010) is quite present in the area, however, in most of the
works analyzed, are only partially covered.
KEYWORDS: Science education. Epistemology. Ludwik Fleck. ENPEC.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
NOTA
1.
Delizoicov et al (1999) destacam a importância das categorias circulação
intracoletiva, definida como a formação de pares que compartilham o mesmo
estilo de pensamento que serão incorporados no coletivo de pensamento e da
circulação intercoletiva, que pode ser considerada como a relação entre distintos
coletivos de pensamento na circulação de conhecimentos relativos a cada um
destes coletivos.
AGRADECIMENTOS
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior) pelo
apoio recebido para o desenvolvimento deste trabalho.
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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018.
Recebido: 12 dez. 2017
Aprovado: 10 set. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.7504
Como citar:
CHICÓRA, T.; AIRES, J.; CAMARGO, S. A epistemologia de Ludwik Fleck: análise das produções do
encontro nacional de pesquisa em educação em ciências entre os anos 1997 e 2015. ACTIO, Curitiba, v. 3,
n. 3, p. 6-25, set./dez. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Tatiele Chicóra
Centro Politécnico, Edifício da Administração 4º andar, Jardim das Américas, Curitiba, Paraná, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.