ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 80-97, mai./ago. 2018.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ficção Científica, Epistemologia e Ensino das Ciências
Há na ficção científica uma apropriação de diferentes formas de linguagem
para a abordagem dos mais diversos temas. Na literatura, muitas vezes ocorrem
apropriações da metalinguagem científica, como podemos observar nas obras de
Júlio Verne, Herbert George Wells, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Ray Bradbury
entre outros. O cinema, por meio de releituras das obras ou não, utiliza a
materialidade audiovisual no desenvolvimento das histórias.
A ficção científica (FC) afirma-se como narrativa da conjectura ao lançar-se
sobre a própria essência de toda ciência, a conjecturabilidade (ECO, 1989). A ficção
pode funcionar como uma narrativa de antecipação tanto das conquistas
científicas quanto das suas implicações socioculturais e sociopolíticas.
Ciência e ficção científica provocam processos de conjectura simetricamente
inversos, pois, enquanto a ciência recorre a um resultado factual do mundo real
para a elaboração de uma lei possível, provisoriamente válida somente em um
mundo modelo, a ficção científica imagina um resultado contrafactual suscetível a
uma lei real, cientificamente aceita ou não. Além disso, a FC pode funcionar como
uma narrativa de antecipação tanto das conquistas científicas quanto das suas
implicações sociais. Dito de outro modo, a ficção nem sempre antecipa para
estimular o progresso científico, como é característico em Júlio Verne na segunda
metade do século XIX, por exemplo, mas antecipa a ciência para prevenir futuros
abomináveis justamente para que não aconteçam, como em Admirável mundo
novo (1932), romance distópico de Aldous Huxley (HUXLEY, 2006).
Ainda que os vínculos entre ficção científica, ciência, cultura e sociedade nem
sempre sejam harmoniosos e estáveis, a consideração desses elementos,
sobretudo no campo pedagógico representa grandes possibilidades de produção
de sentidos para os sujeitos, desde uma base fraseológica superficial
(metalinguagens, terminologias, imagens, léxicos etc.) até o plano discursivo e
epistemológico (relações conceituais, processos, paradigmas etc.).
A ficção científica, “uma literatura transversal, um canal de comunicação que
põe a cibernética em contato com o surrealismo, o humor em contato com a física
nuclear, e assim por diante, até o infinito” (TAVARES, 1992, p. 73), desde os seus
primórdios no século XIX com Frankenstein (SHELLEY, 1818) até os atuais
blockbusters no cinema, vem se constituindo como um amplo e complexo
universo, sempre em íntima relação com as ciências. Seja nos prenúncios
“teóricos” de Verne ou de Wells, seja nas distopias “preventivas” de Huxley ou de
Orwell, ciência e ficção científica compartilharam questionamentos em comum. É
difícil mensurar o quanto esses campos se afetam mutuamente, no entanto é
inegável o fato de haver essa influência (FERREIRA, 2016).
Constituída como cultura, a ficção científica está no campo da diversidade, da
ruptura e da heterogeneidade. Para Eagleton (2011, p. 51), “a ficção científica
pertence à cultura popular ou ‘de massa’, uma categoria que paira ambiguamente
entre o antropológico e o estético”. No multiverso cultural também é possível
situar a FC na esfera epistemológica, isto é, a FC dispõe de elementos ficcionais
para dar circularidade a discursos, ideias e debates sobre a tecnociência e, por