ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p.167-183, jan./abr. 2018.
culturais e sociais. Portanto, é preciso conhecê-las, questioná-las, desmontá-las,
modificá-las.
White se mostra apaixonado ao falar sobre a ciência, sobre a química.
Entretanto, no movimento da câmera, surgem os alunos em estado
semicatatônico, pouco interessados em saber o que a química estuda. Pouco
provocados a pensar, eles não estão dispostos a responder e participar da
discussão “química é o estudo do quê?”. Eles estão apáticos, desinteressados,
distantes da empolgação que o professor demonstra ao relatar sua admiração pela
química – o que pode ser uma forma de resistência. Como nos sentimos quando
há um professor proferindo “verdades científicas” prontas e acabadas? Por que
muitas vezes nos calamos? O que o silêncio diz? Por onde nossa mente vagueia?
Os alunos, nesse recorte do episódio, parecem estar tomados por uma relação
escolarizada, formativa, pobre, escassa de potência para se pensar a ciência, a
química, mas talvez, em suas mentes, estejam livres para pensar. O próprio silêncio
gritante na sala de aula pode ser criação velada, resistência.
Enquanto White está falando sobre a química, os alunos e alunas estão
dispersos: uma está passando batom nos lábios, outro está folheando um livro; ao
fundo da sala, há uma aluna e um aluno conversando, flertando; outros alunos
estão de cabeça baixa. O corte de tomada retoma White em segundo plano. No
primeiro, aparecem um bico de Bunsen e alguns borrifadores que contêm soluções
com íons metálicos; toda linguagem química está pronta para funcionar. White
tem preparado um apelo visual, o teste da chama (Figura 1), ou seja, a reprodução
da ciência em condição de técnica, de aplicação, de verificação da química, para
legitimar “empiricamente” seu discurso, a fim de que a certeza seja instaurada e,
como bem lembra Nietzsche, em seu Ecce Homo, não é a dúvida que nos
enlouquece, e sim a certeza.
Essa representação (teste da chama), verificação do discurso químico, parece
se perder do efeito transgressor que há no ato de investigar, criar, uma vez que o
pensamento possui a capacidade de produzir, de criar novos modos de existência.
Nessa direção, o conceito de repetição parece nos ajudar a passar ao largo desse
poderoso e indentitário discurso químico, pois o que se repete são as
singularidades que dão lugar às diferenças, fornecendo um espaço para a ação do
pensamento, libertando-se de valores e poderes vigentes, deixando de ser escravo
de um pensamento químico-uno, de uma representação que sufoca as diferenças.
Ao borrifar soluções de diversos frascos sequencialmente, surgem chamas
com várias tonalidades (Figura 1). O professor usa essa experimentação para
explicar os níveis de energia dos elétrons. Níveis de energias que não são visíveis,
exigem um grau de abstração, de imaginação e exigem pensar o nível
submicroscópico junto à característica macroscópica, a demonstração "real" da
existência dos elétrons vista na cor da chama. Esse teste desperta nos alunos
alguns esboços de sorrisos. White, nessas cenas, aparece embriagado por uma
definição molar de ciência, perambula nas definições científicas, elitizadas,
institucionalizadas, estruturadas da química, ou seja, uma química estratificada,
sedentária, uma química régia que se apropria da perspectiva estática do
pensamento, em que sua capacidade deambulatória lhe é retirada. Desse modo,
White reproduz química, e: