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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 167-183, jan./abr. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Uma forma de espanto pensando uma
aula de química com o seriado televisivo
Breaking Bad
RESUMO
Bruna Adriane Fary
fary.bruna@gmail.com
orcid.org/0000-0002-2382-6572
Universidade Estadual de Londrina (UEL),
Londrina, Paraná, Brasil
Moisés Alves de Oliveira
moises@uel.br
orcid.org/0000-0003-0102-9385
Universidade Estadual de Londrina (UEL),
Londrina, Paraná, Brasil
O presente trabalho analisa, pelo viés da etnografia virtual, uma aula de química no seriado
televisivo Breaking Bad (2008). A análise tem como foco de interesse discutir como a
química pode ser pensada por uma ótica cultural, isto é, enxergando a ciência como
resultado das relações humanas e não como um conhecimento imutável, essencializado.
Nesse sentido, buscamos criar espantos com o ensino de química que emerge dentro do
primeiro episódio do seriado televisivo, que aborda uma aula sobre “o que é química” e
realizar desdobramentos desse episódio para um ensino que preze por alunos
experimentadores e criadores de suas próprias práticas educacionais. Os resultados da
etnografia virtual que realizamos, nos mostraram que a crença em uma essência universal
e, também, a possibilidade que as palavras oferecem para que possamos enunciar a
verdade de alguma essência, das ciências, em especial da “química”, transformam a
linguagem que utilizamos em uma espécie de metafísica átomo, energia, elétron ,
constituindo a base da fabricação do conhecimento científico. A maneira como a aula de
química é conduzida nesse recorte do episódio, presta reverência a uma química
estratificada, que parece não se vascularizar no coletivo, nos desejos dos alunos e, portanto,
o silêncio, dos discentes, pode ser uma forma de resistência.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de química. Etnografia virtual. Mídia televisiva.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p.167-183, jan./abr. 2018.
INTRODUÇÃO
É lugar comum pensar que a filosofia emerge do espanto. Mas como pensa
educação, o ensino de química a partir do espanto? E por que o espanto? Porque
é um sentimento de admiração que experimentamos quando estamos diante de
situações, acontecimentos que fazem surgir interrogações. O espanto emerge da
interrogação, do desconforto, do desassossego, onde o que pensamos conhecer
pode não passar de uma ilusão. Desse modo, espantar-se com a educação, com o
ensino de química, é suscitar questões que se renovem constantemente,
encarando o mundo, a educação, a ciência como uma eterna novidade,
transvalorando e resistindo aos preceitos do presente.
Nesse sentido, espantar-se com o ensino de química é prezar por práticas
experimentadoras e criadoras. Assim, pensar o ensino de química sob o signo do
espanto, sem defender que a ciência seja superior em relação a outras áreas de
conhecimento, é reconhecer que ela é uma construção humana permeada por
vários espaços, que incluem instâncias políticas, econômicas e sociais.
Deleuze (1988, p.54) provoca a pensar que “nada aprendemos com aquele
que nos diz: faça como eu. Nossos únicos mestres são aqueles que nos dizem faça
comigo”, ou seja, aprendemos quando experimentamos, na ação. Nesse sentido,
esse trabalho pretende olhar para um recorte do seriado televisivo Breaking Bad
(2008) e criar espantos com a aula de química que o professor Walter White
oferece aos seus alunos. Escolhemos essa mídia televisiva por conter elementos
científicos/químicos em seu enredo, narrando a história de um professor de
química que recebe a notícia que está com câncer de pulmão e resolve produzir
mentanfetamina com um ex-aluno, Jesse Pinkman.
O recorte de cena selecionado do seriado televisivo, mostra uma aula onde o
professor White questiona seus alunos sobre “química é o estudo do quê?”. White,
professor de química do ensino médio, aparece em sala de aula perguntando o que
é química. A sala possui uma boa estrutura, com bancadas acopladas, vidrarias,
mas os alunos são retratados como desinteressados, deitados sobre as carteiras,
distraídos. No episódio os alunos não experimentam a química, o professor White
não os convida a fazer a aula com ele.
Pretende-se então, a partir desse recorte de cena, pensar e discutir a
educação, o ensino de química, uma aula de química, a escola, uma educação
menor, no sentido de não se apegar a um discurso totalitário, mas uma educação
marginal, movida pelo desejo, pela criação e participação ativa dos alunos.
Indo ao encontro do texto de Marlucy Alves Paraíso, com o título: “Currículo-
nômade: quando os devires fazem a diferença proliferar”, a autora nos provoca a
pensar um currículo nômade, lugar dos encontros improváveis, dos
agenciamentos, do desejo, atento às sensações, às necessidades das minorias.
Minorias que são multidões em devir, que não tem modelos pré-estabelecidos
para serem ensinados. Ainda no campo educacional, Corazza (2002, p. 13) coloca
que “somente por meio da loucura exaltada do pensamento, a imaginação
educacional poderá traçar o seu próprio plano de imanência e criar seus
personagens, enquanto a invenção conceitual instaura a sua festa”. Nesse sentido,
pensar em uma educação que resiste ao presente e se lança à deriva no mar da
criação. Um ensino de ciências que permita os alunos e alunas experimentarem e
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criarem seus conhecimentos e sensações, uma vez que a ciência, junto com a arte
e a filosofia, por exemplo, possui a potência para criação.
A ciência está em constantes transformações, o que pressupõe aceitá-la como
processo contingente. Para caracterizar a ciência como “processo contingente”,
segundo Stengers (2002), não basta falar na existência contingente de sociedades,
consentir a respeito da autonomia das comunidades científicas, ou falar em
evolução da ciência por seus paradigmas, como fez Thomas Kuhn em seus estudos
sobre ciência. Pois, a contingência estaria no advento de um processo que a partir
do momento em que encontrou a oportunidade de estrear, ganhou necessidade
própria. Portanto, é necessário ir além, re-inventar novos motivos de espanto para
poder singularizar a ciência e consequentemente o ensino de ciências/química.
Isabelle Stengers em seu livro “A invenção das ciências modernas” (2002),
pensa a ciência em duas perspectivas, uma em que a ciência de forma semelhante
à política, trava suas lutas por poder, com ânsia de agregar aliados, buscando se
reafirmar para garantir autonomia e visibilidade; e outra, a ciência moderna como
uma construção “singular”, pois sabe se reinventar a cada problema, a cada
necessidade. É nisto que reside sua singularidade. A autora ainda investe contra o
ideal de uma ciência pura, olhando para a ciência como um projeto social nem mais
universal ou racional do que qualquer outro conhecimento.
Stengers arquiteta suas análises criticando certas visões epistemológicas do
início do século passado que buscavam colocar a ciência num lugar privilegiado de
“verdade”. Dessa forma, ela reinterpreta alguns conceitos como singularidade,
acontecimento e fornece à noção de produção de novos espaços, novos
acontecimentos, novas explicações, não imutáveis, o universais, novos espantos
diante da ciência.
Realizando o espanto, assim como os filósofos realizam em seu experimentar
a filosofia, Bergson mostra a dependência recíproca entre filosofia e ciência, onde
a filosofia precisa da ciência para comunicar-se e desenvolver o seu conteúdo.
Trevisan (1995) em seu livro “Bergson e a Educação”, aponta que as ciências tem
a tendência de tornar a realidade estática, mostrando também, a crítica que
Bergson faz ao ensino de ciências que muitas vezes refere-se à excessiva ênfase
dada ao ensino científico, em detrimento de outros aspectos da educação” (p.156).
Outro vício apontado é que o ensino de ciências é articulado, muitas vezes, sob
uma forma dogmática, em que o professor anuncia resultados prontos, ensina
certezas, produtos finais da ciência. Trevisan, ainda em Bergson, diz que a ordem
deveria ser inversa, onde o aluno deveria ser orientado, provocado a decifrar a
observação e através da experimentação descobrir ele mesmo a ciência” (idem,
p.157) para que a aprendizagem não se torne apenas um falso verniz de
conhecimentos”.
Stengers (2002) ainda aponta que aprender é resistir com humor, onde seja
possível perceber que muitas maneiras de contar história das ciências e ensiná-
las.
Desse modo, criamos espantos, abrindo para processos reflexivos, bem como
práticas didáticas, com o ensino de química retratado em um episódio de um
seriado televisivo, que aborda uma aula sobre “o que é química”. Realizamos
desdobramentos, ou seja, algumas discussões do episódio para um ensino que
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preze por alunos experimentadores e criadores de suas próprias práticas
educacionais, utilizando de apoio metodológico a etnografia virtual.
CAMINHOS METODOLÓGICOS UMA ETNOGRAFIA VIRTUAL
Para analisar as relações e significados químicos que vão se forjando no
decorrer do episódio observado, percorremos os caminhos de etnógrafos,
inserindo-nos no mundo do seriado de televisão. Estudando, por um tempo, as
relações, atividades e significados que são construídos entre os participantes dos
processos sociais desse “mundo”, em que somos simultaneamente estranhos e
nativos, cercados pela cultura da série e estudando-a para entender seu
funcionamento, sem deixar, como diz Hine (2004 p.13) de manter a distância
necessária para dar conta de um olhar que contemple os nexos que (re)produzem
a especificidade da cultura química. A etnografia tem seu fundamento na noção de
observação participante. Nas situações em que o pesquisador está face a face com
seu objeto de pesquisa, uma observação não-participante nem mesmo faz sentido
para a noção antropológica tradicional. Mas quando o pesquisador o está
presente fisicamente no local de sua observação? Seria possível aprender a cultura
de um grupo estando ausente fisicamente? Uma observação não-participante
seria possível?
Essas questões passaram a fazer sentido na contemporânea teorização de
base na Nova Sociologia da Educação, acoplada aos novos mapas culturais
emergentes no interior das mídias e tecnologias. Nesse nível, a questão da
virtualidade surge como importante elemento simbólico de novos projetos
culturais e sociais e produzem novos significados.
O que nos separa do local da pesquisa é uma tela. Uma tela de televisão ou
monitor do computador, mídias digitais a serem assistidas, o que é uma maneira
muito peculiar de participação e observação, pois acabamos nos tornando
invisíveis, ou melhor, ver sem sermos vistos, ou ainda, vistos de uma forma bem
peculiar. Desse modo, não interferimos na dinâmica da interação entre
participantes das produções sociais. Não um ser etnógrafo causando
estranhamento no local de pesquisa. Portanto, é essa participação quase invisível
no “mundo” da série que viabilizará a apreensão de aspectos de sua cultura, o que
possibilitará a elaboração posterior da escrita, detalhada compreensão dos
significados que são compartilhados pelos membros da série e a rede de
significação que se estabelece (BRAGA, 2007 p.6).
Essa condição de “invisibilidade”, de observadores “não-participantes”, de
“não-estranhos, decorre de um caráter virtual de pesquisa, pois para realizar as
análises temos facilmente acesso aos dados de campo, uma vez que eles podem
ser gravados, salvos e revisitados a qualquer momento, quantas vezes forem
necessárias. Tem-se a possibilidade de coletar uma grande quantidade de
informações em um curto período de tempo, sem custo algum, a não ser o da
energia elétrica para ligar e manter o funcionamento do monitor do computador
ou da tela da televisão.
Com a flexibilidade dos sistemas de comunicação, podemos ter acesso à séries
televisivas com o uso do computador. Podemos ter acesso também através da
televisão, do celular e outras mídias. Considerando a interface entre comunicação,
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cultura e antropologia, essas produzem problemáticas de pesquisa que necessitam
cada vez mais de recursos multimetodológicos, que possuam a capacidade de
diagnosticar e interpretar diversas experiências comunicacionais, atravessadas por
ambientes convergentes pelos quais, os sujeitos sociais, realizam suas ações
(TOMAZETTI; MACHADO, 2015). Nesse sentido, as fontes da etnografia virtual,
uma metodologia muito utilizada para examinar os usos cotidianos da Internet,
serve-nos de apoio metodológico (HINE, 2004).
O termo etnografia virtual tem sido utilizado por pesquisadores da área da
antropologia e das ciências sociais, enquanto o termo netnografia é amplamente
utilizado por pesquisadores do marketing e da administração (AMARAL, NATAL,
VIANA, 2008). Neste trabalho, para fins didáticos, utilizamos apenas o termo
etnografia virtual. Os principais estudos que nortearam as abordagens desse
campo, no âmbito internacional, foram as publicações de Miller e Slater (2004),
Hine (2004) e Kozinetz (1998). no Brasil, os trabalhos que evocam a reflexão
metodológica e situacional da etnografia em espaços virtuais, no campo da
comunicação, são os estudos de (2001); Rocha e Montardo (2005); Recuero
(2009); Braga (2006) e Amaral (2008).
A etnografia virtual é apresentada como uma ferramenta metodológica,
sendo apropriada também nos estudos em cibercultura. Visto que analisamos uma
série televisiva, artefato cultural que está em formato digital, a etnografia virtual
fornece alguns princípios para que trilhemos os caminhos de etnógrafos virtuais.
Não abordaremos os desdobramentos dessa metodologia para o campo da
comunicação, apenas emprestamos alguns princípios descritos por Hine (2004)
quanto à adaptação da etnografia na circunstância de virtualidade. A autora, em
seu livro “Etnografia Virtual”, descreve dez princípios que contemplam a
complexidade de abordar a Internet em um estudo etnográfico, esses princípios
fundamentam a etnografia virtual. Como o cerne do nosso estudo não é
especificamente a Internet e sim uma série televisiva, apresentamos apenas os
pontos que funcionam para este trabalho. A seguir dissertaremos sobre os
princípios selecionados.
As mídias interativas nos desafiam e nos proporcionam realizar a etnografia,
assim como auxiliam a elucidar a questão do local de interação. O ciberespaço, no
caso a série televisiva, não necessariamente deve ser vista como um lugar isolado
de qualquer conexão com a “vida real”, ou da interação cara a cara. A internet,
assim como a interação com as imagens e linguagens, projetadas pela televisão, se
conectam de formas completas com os entornos físicos que facilitam seu acesso,
uma vez que dependem de tecnologias que são usadas de maneiras particulares
de acordo com contextos específicos, e que são adquiridos, aprendidos,
interpretados e incorporados nos espaços em que ocorrem. Essas tecnologias
mostram um alto grau de flexibilidade interpretativa. Os meios interativos como a
Internet (adaptamos aqui à televisão também), podem entender-se de ambos
modos: como cultura e como artefatos culturais. Concentrar-se em qualquer um
desses aspectos, à custa do outro, implicará sempre em uma visão pobre do
problema.
O crescimento das interações mediadas nos convida a reconsiderar a ideia de
uma etnografia ligada a algum lugar concreto, inclusive, também a múltiplos
espaços. Estudar a conformação e a reconfiguração do espaço, através das
interações mediadas, representa em si uma grande oportunidade para a
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perspectiva etnográfica. Mais que multi-situada, poderíamos pensar
convenientemente na etnografia da interação mediada como fluida, dinâmica e
móvel.
Como consequência do último princípio, é necessário repensar o conceito de
campo de estudo. Se a cultura e a comunidade não são produtos diretos de um
lugar físico, então a etnografia também não tem que ser. O objeto de investigação
etnográfica pode reformular-se, convenientemente, para centrar-se nos fluxos e
nas conexões em vez de centrar-se nas localidades e nos limites como princípios
organizadores.
Outro princípio que autora descreve é que os limites não são premissas a
priori, mas que são explorados no curso da etnografia. O desafio da etnografia
virtual consiste em examinar como se configuram os limites e as conexões,
especialmente, entre o “virtual” e o “real”. Esse problema arrasta consigo a
questão de saber quando parar, ou até onde chegar. Abandonar por motivos
analíticos a noção de etnografia (e/ou de cultura) como situada entre fronteiras
naturais tornando possível deixar para trás a ideia de uma etnografia total de um
dado objeto. O mesmo objeto estudado pode reformular-se com cada decisão, seja
a de estabelecer uma nova conexão ou de revisar os passos que nos tem conduzido
até um ponto especifico de desenvolvimento.
A etnografia virtual é irremediavelmente parcial. Uma descrição holística de
qualquer informante, lugar ou cultura é algo impossível de alcançar, por que a
noção de informante, lugar ou cultura preexistente, inteiramente isolável e
descritível, deve ser deixada para trás. Nossas descrições podem basear-se em
ideias de relevância estratégica para as análises e não em representações fieis a
realidades dadas por objetivas.
Esta maneira de fazer etnografia não é apenas virtual no sentido de carecer
de um corpo físico. A ideia de virtualidade também leva a conotação do “quase”,
mas não do todo, muito adequada para propósitos práticos. A etnografia virtual é
uma etnografia adaptável segundo as condições em que o pesquisador se
encontra.
Essa metodologia auxilia a lançar olhares na compreensão de como são
produzidos os significados científicos na série televisiva. Entendendo essa
produção como resultado das relações sociais, culturais, políticas, econômicas,
geográficas e etc.
Ao percorrer os caminhos de etnógrafos virtuais, notamos que a fronteira
virtual-real não é nítida, ela é borrada, transitória. A impressão que fica é que tudo
está conectado no universo, que estamos conectados uns aos outros e também
estruturalmente com o mundo. Esta impressão é acentuada devido ao uso e
reconhecimentos que no espaço de informação entre mediações virtuais, tanto
comportamento quanto razão podem ser compartilhados (ASCOTT, 2010). A
consequência desse pensamento é que não vemos mais o corpo como material e
único e sim como uma extensão distribuída pelo espaço “virtual-real”, entendendo
então corpo, a vida como:
[...] uma propriedade da organização da matéria mais do que uma
propriedade da matéria. A concepção chave na Vida Artificial é o
comportamento emergente. A vida natural emerge da interação organizada
de um grande número de moléculas não vivas, sem controle global
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responsável pelo comportamento de todas as partes. Ou melhor, cada parte
é um comportamento em si mesmo, e vida é o comportamento que emerge
de todas as interações locais entre os comportamentos individuais
(CHISTOPHER LANGTON, apud ASCOTT, 2010).
O método para este projeto busca passar ao largo da representação, de um
método a priori que determine um caminho a ser seguido. A construção dos
procedimentos metodológicos ocorre em um local de encontros. Encontros com a
química, filosofia, educação, seriado de televisão, pessoas, personagens e entre
tudo o que pode afetar de forma (in)direta os pensamentos que serão criados no
experimentar o espanto da aula de química. Entende-se pensamento como criação
e, como colocam Nietzsche (2013; 2014), Deleuze e Guattari (2010; 2011), Corazza
(2002; 2013), o ato de pensar é explorar a transvaloração dos valores, dos
conceitos, criar pensamentos outros, pensar o não pensado do pensamento
educacional.
Outro encontro que provoca a re-pensar a questão do método é com Cyntia
Regina Ribeiro, em seu artigo “O agenciamento Deleuze-Guattari: considerações
sobre método de pesquisa e formação de pesquisadores em educação”, de 2016,
em que a autora denomina método (nos domínios científicos, filosóficos e
artísticos) “como um trabalho de experimentação de pensamento efeito da
imanência dos encontros. Tratar-se-ia de pensar o método como acontecimento”
(p. 72). Esse modo de pensar a metodologia desestabiliza o antagonismo entre
conteúdo e forma bem como realiza um enfrentamento com a cultura acadêmica,
pois não presta referência aos sistemas clássicos de validação da metodologia, ou
seja, acaba por dilacerar a escrita como mera representação, experimentando a
escrita, abrindo-a ao fluxo. Essa experiência é entendida como criação de
pensamento.
Em nenhum momento a intenção é interpretar a aula de química em Breaking
Bad, buscando alguma identidade ou origem, mas buscando diluir-se à obra,
experimentá-la, a partir dos espantos. Olhando para o seriado televisivo como
Deleuze olha para o cinema, como gerador de conceitos, instrumento filosófico,
produtor de textos, que traduz pensamentos em blocos de duração e movimento.
Para Deleuze, o cinema deve ser experimentado pelas formas como ele fabrica
novas conexões entre campos e disciplinas (STAM, 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentamos o professor de química Walter White, em sala de aula (Figura
1). Ele é um professor aparentemente pacato, normatizado e que se esforça em
produzir afetos em seus alunos discursando sobre a química. Logo nos primeiros
minutos do episódio, na tentativa de explicar o que é química, White questiona
seus alunos:
White: Química é o estudo do quê? Alguém?
Ben: Componentes químicos.
White: Componentes químicos, não. Química é tecnicamente... química é o
estudo da matéria. Mas eu prefiro encarar como o estudo da transformação.
Pensem uma coisa... elétrons. Eles... mudam seus níveis de energia. Moléculas
alteram suas ligações, certo? Elementos. Eles se combinam e se transformam em
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compostos. Isso faz parte da vida, certo? É uma constante, é o ciclo. É solução,
dissolução, infinitamente. É crescimento, declínio e transformação. É fascinante
(Transcrição parcial do seriado televisivo Breaking Bad. Episódio 01, da primeira
temporada, 2008).
Figura 1 Walter White realizando o “teste da chama”.
Fonte: Imagem retirada do seriado televisivo Breaking Bad (2008), direção: Vince Gilligan,
Produção: AMC. 2008.
“Componentes químicos, não”, o que o aluno respondeu é uma espécie de
fuga do conhecimento régio do professor. O aluno não é autorizado pelo professor
White, o “detentor” do conhecimento, do saber, da ciência, da química, que, na
tentativa de conservar, preservar o discurso químico, tenta impedir que esse
conhecimento fique solto. Por isso, as tensões se formam na sala de aula, pois o
professor precisa garantir a certeza do conhecimento científico, conhecimento
territorializado e que escapa. Escapa à medida que os alunos criam seus desvios,
suas linhas de fuga, maneiras próprias de compreender e expressar suas
existências. Nesse sentido, a química régia do professor White tenta evitar saídas,
regular o saber e cortar os fluxos do desejo, como colocam Deleuze e Guattari:
[...] deixarão que vocês vivam e falem, com a condição de impedir qualquer
saída. Quando um rizoma é fechado, arborificado, acabou, do desejo nada
mais passa; porque é sempre por rizoma que o desejo se move e produz. Toda
vez que o desejo segue uma árvore acontecem as quedas internas que o
fazem declinar e o conduzem à morte; mas o rizoma opera sobre o desejo
(DELEUZE E GUATTARI, 2011, p. 22)
O olhar do aluno sobre “o que é química”, cria linhas de fuga, sabota, corta os
caminhos do discurso régio do professor. As linhas de fuga são o escape das
tentativas de instituir discursos totalizadores e acabam por assumir outras
direções, que é uma forma de resistência aos saberes estratificados da ciência. O
que Deleuze e Guattari entendem por espaço estratificado da ciência está
relacionado à institucionalização e ao que chamam de molar, próximo do que
conhecemos como epistemologia. molecular é o espaço do devir, não
estratificado, de resistência.
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Vale ressaltar que molar e molecular existem juntos, fazem sentido se
juntos. Molar está para a ciência régia, e molecular, para a ciência nômade; molar
como espaço estratificado, e molecular significando livre dos poderes e
institucionalizações. A ciência régia funciona como aparelho do Estado; a ciência
molar, permeada pelo poder e segregações. Já a ciência nômade atua como
máquina de guerra, que seria essa ciência que escapa, procura por outros
territórios (DELEUZE; GUATTARI, 1997).
White ainda fala que prefere encarar a química como o estudo da
transformação. Transformar implica em ser outro. Transformações podem
produzir novidades, diferenças, mas de que química o professor está falando?
Podemos falar dessa química-nômade no próprio ato de pensar e criar
conceitos que percorrem o não estratificado, que escapam à generalidade, pois
são as singularidades que repetem, e não a generalidade. Percorrer um espaço não
estratificado implica em pensar uma ciência nômade, no qual a matéria nunca é
matéria preparada, pois é portadora de singularidades. Já a ciência régia, segundo
Deleuze e Guattari (1997, p. 35), “é inseparável de um modelo ‘hilemórfico’, que
implica ao mesmo tempo em uma forma organizadora para a matéria, e uma
matéria preparada para forma”. Nesse sentido, a pergunta e a resposta do
professor, quanto ao que é química, pressupõe uma química régia, em que ele
fornece forma à química-matéria. Usa de um discurso totalitário, atribuído à
racionalidade, e dificultando um pensar minoritário da química por parte dos
alunos.
Na pergunta “química é o estudo de que?”, o “é” já incita os alunos a
pensarem em identidade, aquilo que é, constante, idêntico, a certeza. Portanto, a
própria pergunta do professor talvez não seja apropriada para se pensar em uma
ciência menor, para que a criatividade/pensamento dos alunos emerja em direção
a “como funciona a química?”, isto é, possibilidades para pensar em uma química
marginal ao discurso do poder científico. Segundo Foucault (2008), o poder produz
discursos, uma forma de saber que não vem de um único lugar. O poder não
funciona apenas como uma força que diz não, mas que, de fato, permeia, produz
coisas. É preciso considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo um
campo social, muito mais do que uma instância negativa que tem por função
reprimir.
Dentro do currículo de ciências, por exemplo, temos atravessamentos de
poder, de relações de poder que podem legitimar determinados saberes, e tentar
silenciar outros. O currículo escolar é um lugar privilegiado de classificação das
metanarrativas, de certezas, em que narrativas científicas ganham destaque, o
hegemônicas. Os alunos, as multidões que emergem a cada sala de aula, têm seus
saberes silenciados, são marginalizados, têm suas singularidades ignoradas na
escola e seus corpos controlados, submetidos à normalização. Possivelmente, isso
ocorre por conta do Estado não ser jamais a singularidade e, por isso, as
singularidades não são reconhecidas pelo controle estatal. Desse modo, dificulta a
representatividade das demais vozes, que são vistas como menores. A escola é um
espaço em que se regulam corpos, normatizam-se conhecimentos. Perguntamos:
que diferenças queremos que sejam produzidas?
A química, como qualquer outra atividade cultural, está envolvida em relações
de poder, e essas relações devem ser pensadas com relevância junto às relações
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culturais e sociais. Portanto, é preciso conhecê-las, questioná-las, desmontá-las,
modificá-las.
White se mostra apaixonado ao falar sobre a ciência, sobre a química.
Entretanto, no movimento da câmera, surgem os alunos em estado
semicatatônico, pouco interessados em saber o que a química estuda. Pouco
provocados a pensar, eles não estão dispostos a responder e participar da
discussão química é o estudo do quê?”. Eles estão apáticos, desinteressados,
distantes da empolgação que o professor demonstra ao relatar sua admiração pela
química o que pode ser uma forma de resistência. Como nos sentimos quando
um professor proferindo “verdades científicasprontas e acabadas? Por que
muitas vezes nos calamos? O que o silêncio diz? Por onde nossa mente vagueia?
Os alunos, nesse recorte do episódio, parecem estar tomados por uma relação
escolarizada, formativa, pobre, escassa de potência para se pensar a ciência, a
química, mas talvez, em suas mentes, estejam livres para pensar. O próprio silêncio
gritante na sala de aula pode ser criação velada, resistência.
Enquanto White está falando sobre a química, os alunos e alunas estão
dispersos: uma está passando batom nos lábios, outro está folheando um livro; ao
fundo da sala, uma aluna e um aluno conversando, flertando; outros alunos
estão de cabeça baixa. O corte de tomada retoma White em segundo plano. No
primeiro, aparecem um bico de Bunsen e alguns borrifadores que contêm soluções
com íons metálicos; toda linguagem química está pronta para funcionar. White
tem preparado um apelo visual, o teste da chama (Figura 1), ou seja, a reprodução
da ciência em condição de técnica, de aplicação, de verificação da química, para
legitimar “empiricamente” seu discurso, a fim de que a certeza seja instaurada e,
como bem lembra Nietzsche, em seu Ecce Homo, não é a dúvida que nos
enlouquece, e sim a certeza.
Essa representação (teste da chama), verificação do discurso químico, parece
se perder do efeito transgressor que há no ato de investigar, criar, uma vez que o
pensamento possui a capacidade de produzir, de criar novos modos de existência.
Nessa direção, o conceito de repetição parece nos ajudar a passar ao largo desse
poderoso e indentitário discurso químico, pois o que se repete são as
singularidades que dão lugar às diferenças, fornecendo um espaço para a ação do
pensamento, libertando-se de valores e poderes vigentes, deixando de ser escravo
de um pensamento químico-uno, de uma representação que sufoca as diferenças.
Ao borrifar soluções de diversos frascos sequencialmente, surgem chamas
com várias tonalidades (Figura 1). O professor usa essa experimentação para
explicar os níveis de energia dos elétrons. Níveis de energias que não são visíveis,
exigem um grau de abstração, de imaginação e exigem pensar o nível
submicroscópico junto à característica macroscópica, a demonstração "real" da
existência dos elétrons vista na cor da chama. Esse teste desperta nos alunos
alguns esboços de sorrisos. White, nessas cenas, aparece embriagado por uma
definição molar de ciência, perambula nas definições científicas, elitizadas,
institucionalizadas, estruturadas da química, ou seja, uma química estratificada,
sedentária, uma química régia que se apropria da perspectiva estática do
pensamento, em que sua capacidade deambulatória lhe é retirada. Desse modo,
White reproduz química, e:
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Reproduzir implica a permanência de um ponto de vista fixo, exterior ao
reproduzido: ver fluir, estando na margem. Mas seguir é coisa diferente do
ideal de reprodução. Não melhor, porém outra coisa. Somos de fato forçados
a seguir quando estamos à procura das ‘singularidades’ de uma matéria ou,
de preferência, de um material, e não tentando descobrir uma forma; quando
escapamos à força gravitacional para entrar num campo de celeridade;
quando paramos de contemplar o escoamento de um fluxo laminar com
direção determinada, e somos arrastados por um fluxo turbilhonar; quando
nos engajamos na variação contínua das variáveis, em vez de extrair dela
constantes, etc. E não é em absoluto o mesmo sentido da Terra: segundo o
modelo legal, não paramos de nós reterritorializar num ponto de vista, num
domínio, segundo um conjunto de relações constantes; mas, segundo o
modelo ambulante, é o processo de desterritorialização que constitui e
estende o próprio território (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 39-40).
O professor parece não abrir espaço para arrastar os alunos por pensamentos
de “fluxo turbilhonar”, para criação de novos pensamentos, para a emergência das
diferenças, para a procura de novas singularidades, de outros pontos de vista... ou
o próprio espaço que alcança os alunos a sala de aula não produz desejo
suficiente nos seres que estão naquele local... Onde fica então a potência em
repetir as singularidades e ir além do que sabemos e experimentamos em busca
da criação de novas formas para pensar? Por que apelar para o reconhecer, para a
representação, para a memória, em vez de criar? Esses são nossos espantos diante
do ensino de química, da aula do professor White e tantos outros professores que
não prezam pela criação de pensamentos. Realizar experimentos em química
abrange o significado de experimentar a química.
Como abrir espaço para que os alunos experimentem a química? Buscando os
espaços de criação, voos mais intensos e perigosos do que aqueles em que o
pensamento é meramente atividade recognitiva, reprodutiva, pensando uma
prática que reverencie a produção das diferenças.
E em o que o espanto nos ajuda a pensar o ensino de química? Nos ajuda a
questionar e a
[...] pensar o impensável o intratável, o impossível, o não-pensado do
pensamento educacional. Embaralhar a sintaxe e organizar o pensamento
numa lógica às avessas, constituindo um pensamento outro da Educação.
Pensamento que ignora verdades recebidas, metamorfoseia o valor das
opiniões estabelecidas, busca suspender e transvalorar o valor de todos os
valores herdados. Liberta-se do culto à totalidade, transcendência, dialética,
metafísica, humanismo, bem como dos casais de tensões certo/errado,
culpa/castigo, bem/mal, morte/vida. Foge do pensamento único para tornar
as singularidades possíveis, afirmar o múltiplo, multiplicar devires (CORAZZA,
p. 31, 2002).
Como pensar o impensável na fala do professor Walter White? Como tornar
produtivo o discurso? Por exemplo: “Moléculas alteram suas ligações, certo?
Elementos. Eles se combinam e se transformam em compostos. Isso faz parte da
vida, certo? É uma constante, é o ciclo”. Quanto às ligações, não conseguimos
estimar nem saber quantas ligações podemos fazer ao longo da vida. Ligações
covalentes, iônicas, ligações físicas, cósmicas... as potências, os afetos, os desejos
e os encontros, parecem infinitas as possibilidades de ligações. E faz parte da vida
combinar-se e transformar-se. Alterar as naturezas. Deleuze (1988, p. 409) pensa
que “o indivíduo de modo algum é o indivisível; ele não para de dividir-se,
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mudando de natureza”; sempre transformações de corpos, ações entre corpos,
alterando suas ligações.
Denominamos e fornecemos explicações/representações, categorizações
aprisionando conceitos, experimentos, pensamentos. O que fazemos com os
pontos fora da reta? Ignoramo-los e linearizamos os pontos, aqueles que saem da
reta, do padrão, são considerados apenas “pontos fora da reta”. Mas, e se
olharmos para esses pontos, para tudo o quanto sai das retas e dos padrões, como
singularidade. Como acontecimento... notamos que muito espaço para ser
percorrido. Há muitos olhares a serem lançados nos lugares vazios e sem nomes.
muito a ser criado e pensado. muitos pontos fora da linha... muitos alunos
fora da reta, da linha, que não fornecem a resposta adequada no julgamento do
professor, da escola, do Estado.
White apaga a chama do bico de Bunsen e incomoda-se com alunos que estão
conversando no fundo da sala. Ele chama a atenção do aluno a que volte para seu
lugar, pois ele precisa ser controlado, e há um lugar em que ele deve permanecer.
O aluno volta para “seu lugar”, contrariado, e arrastando sua cadeira pela sala,
arrastando junto o ânimo de White, que anuncia o assunto ligações iônicas e pede
para que os alunos abram o livro no capítulo seis. O professor terceiriza a
responsabilidade, comercializa a química para o livro didático, outro espaço
estratificado. O livro didático, um aparelho do Estado, está permeado por
conhecimentos molares, estratificados, cristalizados, de controle. Ele é um local de
certezas, essencializado, e que tende a sufocar o retorno das singularidades,
emergência das diferenças, a ação de pensar. Onde fica então a criação? Onde há
abertura para a celebração de uma ciência, química intempestiva e não ordinária?
De que forma é possível ver a química como uma máquina de afetos?
Entendemos o ensino de química como um processo que deve ser movido pela
busca do conhecimento ignorado e não pela (re)afirmação do que se instituiu
como verdadeiro. Esse é um movimento bastante desafiador afinal, como dar
conta dos conhecimentos que florescem na sala de aula? Como ouvir outras vozes
ausentes no currículo, mas presentes e muitas vezes aprisionadas em cada
aluno? Pensamos o ambiente escolar como Deleuze pensa a sala de aula, como um
laboratório de pesquisa, em que se dá uma aula sobre aquilo que se busca, e não
sobre o que se sabe (DELEUZE, 2013).
A maneira como a química é conduzida nesse recorte do episódio presta
reverência a uma química molar, estratificada, que parece não se vascularizar no
coletivo, nos desejos dos alunos. White ensinando essa química acaba por produzir
sensações de uma química sólida, confiável, aparentemente imóvel, e enfrenta
uma resistência em aceitação por parte dos alunos.
CONCLUSÃO
White, dizendo frases como: Componentes químicos, não. Química é
tecnicamente... química é o estudo da matéria”, ele acaba por manter certezas
adjetivando a química, produzindo algo que é colocado como anterior. O quê? A
própria química, em que a necessidade de preservar/manter a uma distância
segura a própria química, para que possa manter sua segurança. É nesse
movimento de superfície que se produz a anterioridade da própria química.
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A crença em uma essência universal e, também, a possibilidade que as
palavras oferecem para que possamos enunciar a verdade de alguma essência, da
“química”, transformam a linguagem que utilizamos em uma espécie de metafísica
átomo, energia, elétron , a base da fabricação do conhecimento científico. Tais
questões precisam servir de espanto, uma vez que como observado na aula do
professor White, o ensino de ciências/química é articulado de maneira dogmática,
o que distância o aluno a descobrir ele mesmo a ciência, de fato experimentar a
química.
O cenário de Breaking Bad permitiu criar espantos diante de uma aula de
química. Os motivos de espanto referem-se ao modo como o professor conduz a
aula, fornecendo a ideia de que a ciência é estática, dificultando a proliferação da
vontade, dos desejos dos alunos. Os espantos, neste trabalho, serviram para nos
deixar desassossegados com o ensino de química, uma vez que os alunos, no
episódio discutido, são retratados desanimados, desinteressados na aula do
professor White. E por que será? Não seria suficiente possuir uma sala de aula
acoplada à um laboratório e realizar experimentos para ensinar química com
êxito? Parece que não, eis o nosso espanto.
Além de provocar a (re)pensar a ciência, a química, incitou curiosidades e
algumas aflições que podem aparecer em estudos futuros. Curiosidades, pois a
série traz alguns elementos em sua ambientação, como “teoria das cores”, em que
as cores das roupas dos personagens vão mudando ao longo do episódio e da série,
indicando seus sentimentos e ações. E algumas aflições, pois “White” e “Pinkman
são cientistas homens, e a representatividade da mulher na ciência é algo a ser
discutido, uma vez que a cultura científica se impõe à mulher. White, o “branco”,
tenta colocar Pinkman, o “homem rosa”, em segundo plano na produção científica.
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A form of spook - thinking about a
chemistry class with the television show
Breaking Bad
ABSTRACT
The present work analyzes, with the virtual ethnography, a chemistry class in the television
series Breaking Bad (2008). The analysis focus to discuss how chemistry can be thought by
a cultural viewpoint, conceiving science, chemistry, as a result of human relations and not
as an immutable, essentialized knowledge. In this sense, the idea is to create a form of spook
with act of chemistry teaching portrayed in the first episode of the television show, which
starts a class with "what is chemistry" and to carry out unfoldings of this episode for a
teaching that celebrate students experimenters and creators of their own Educational
practices. The results of our virtual ethnography have shown us that the belief in a universal
essence, and also the possibility that words offer, so that we can enunciate the truth of
some essence, of "chemistry", transform the language we use into a species of metaphysics
- atom, energy, electron -, forming the basis of the fabrication of scientific knowledge. The
way the chemistry class is conducted in this cut of the episode lends itself to a stratified
chemistry that does not seem to be vascularized in the collective, in the desires of the
students; however, the silence of the learners can be a form of resistance.
KEY WORDS: Chemistry teaching. Virtual ethnography. Television media.
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AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p.167-183, jan./abr. 2018.
Recebido: 30 jul. 2017
Aprovado: 20 jan. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n1.6857
Como citar:
FARY, B. A.; OLIVEIRA, M. A. Uma forma de espanto pensando uma aula de química com o seriado
televisivo Breaking Bad. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 167-183, jan./abr. 2018. Disponível em:
<https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Bruna Adriane Fary
Rua Alagoas, n. 1107, Centro, Londrina, Paraná, Brasil. CEP 86010-520
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