A arte como visão crítica, cultura e políticas públicas: Uma grande “ausência” nas perspectivas de desenvolvimento regional para o Norte Fluminense RESUMO Nelson Crespo Pinto Pimentel ncrespo@iff.edu.br Instituto Federal Fluminense , Rio de Janeiro, Brasil. Elisabeth Soares Rocha bethrocha12@gmail.com Instituto Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. A relação entre cultura e desenvolvimento regional tem sido pouco explorada, tanto a nível teórico quanto no viés da construção de políticas públicas. Ao mesmo tempo, a cultura também tem sido historicamente “negligenciada” nas análises marxistas da conjuntura e nas propostas de transformação social que, baseadas nesse paradigma, procuram enfrentar o atual avanço do pensamento conservador. Partindo da visão de arte de György Lukács, este artigo pretende mostrar como ela pode ser indutora de uma perspectiva de cultura como política pública capaz de construir uma concepção de desenvolvimento regional democrática e participativa, criada a partir da vontade coletiva e da iniciativa dos setores populares. Tendo por base o Norte Fluminense e seus municípios “petrorrentistas”, este artigo termina demonstrando, no entanto, alguns indicadores de como seus gestores têm perdido a oportunidade de alavancar, por meio da cultura, uma ponte para a construção da efetiva melhoria de vida da sua população, mas que ainda permanece como portadora única da possibilidade de mudança social. PALAVRAS-CHAVE: Lukács. Marxismo. Cultura. Políticas públicas. Desenvolvimento regional. Norte Fluminense. INTRODUÇÃO Um “espectro” ronda o pensamento marxista brasileiro, pelo menos desde o início do presente século: é a “Ontologia do Ser Social” de GyörgyLukács. Alavancado pela divulgação das suas teorias, principalmente por IstvánMészáros, que foi seu discípulo e pela tradução das suas últimas obras para o português, particularmente a “Ontologia”, considerada a sua contribuição maior, as ideias de Lukács vêm sendo saudadas, por setores do pensamento da esquerda brasileira, como uma autêntica renovação no pensamento marxista, a ponto do teórico marxista José Paulo Netto considerá-lo “o Marx do século XX”. De uma forma bem resumida, poder-se-ia dizer que essa relativa “euforia” seria traduzida pela perspectiva de que o pensamento “Lukacsiano”traria no seu bojo a negação das duas principais ideias, que construídas a partir do pensamento de Marx, produziram as principais tentativas de construção de um modelo de alternativa ao capitalismo ao longo do século XX: o modelo do socialismo soviético de base “stalinista”, que, objetivamente, de forma pública, o pensador húngaro jamais negou (a negação do modelo soviético é amplamente discutida por diversos”comentadores” do pensamento de Lukács e por artigos que analisavam a sua biografia. Há um certo consenso que a desilusão final de Lukács ocorreu após repressão à “Primavera de Praga” pelos tanques soviéticos em 1968. Tendo escrito um texto sobre esta conclusão (“Democratização e Socialismo”), não autorizou, porém, a sua publicação, uma vez inclusive que ele mesmo tinha consciência da inexistência de “condições políticas” para tal divulgação. O importante aqui é que ele acreditava na importância desse “silêncio” pois a divulgação pura e simples dessas suas ideias acabaria sendo usada como propaganda “anticomunista” pelo “Imperialismo burguês”, terminando a sua vida com a firme convicção de que “ o pior socialismo é melhor que o melhor capitalismo (Sobre esta questão ver PAULO NETTO, 2016) e as diversas tentativas de construção de modelos de administração do Estado denominadas genericamente de “Social Democracia”, como também pode ser visto em Mészáros (2011), cujo pensamento é resumido por Antunes, na introdução da edição brasileira de uma das principais obras deste autor: Sendo um sistema que não tem limites para a sua expansão (ao contrário dos modos de organização societal anteriores, que buscavam em alguma medida o atendimento das necessidades sociais), o sistema de sociometabolismo do capital constitui-se como um sistema incontrolável. Fracassaram, na busca de controlá-lo tanto as inúmeras tentativas efetivadas pela social-democracia, quanto a alternativa de tipo soviético, uma vez que ambas acabaram seguindo o que o autor denomina de linha de menos resistência do capital (p.11) Concretamente, a partir desta dupla negação e diante da constatação empírica da incapacidade do capitalismo de resolver ou mesmo administrar os problemas básicos e vitais da sociedade humana no Planeta Terra, agravadas sobremaneira pela crise mundial do capitalismo mundial, iniciada em 2008, e sem nenhuma perspectiva de superação, o pensamento de Lukács seria a base para a demonstração da crise objetiva e concreta do funcionamento do “modo de produção” capitalista e do início de criação das bases “subjetivas” para a construção de um modelo de uma sociedade “ pós-capitalista” e socialista de novo tipo. Em síntese, a partir de Lukács, abre-se, mesmo que ainda de uma forma incipiente, uma perspectiva de uma Era de Revolução Social e mundial! No entanto, ao voltar-se os olhos para o mundo atual, e para o nosso País em particular, tal perspectiva defendida por esses intelectuais parece ser completamente irreal e pode mesmo parecer um “devaneio”. Porém, o que nos interessa no presente texto é a atualidade do pensamento de Marx, e dentro da contribuição de Lukács, a visão particularmente especial que ele tem da Arte como possibilidade “emancipatória”. O que se pretende mostrar aqui é que esta visão da Arte pode informar e contribuir decisivamente para a construção de uma concepção de cultura capaz de produzir políticas públicas realmente inclusivas do ponto de vista social, e fundamentais para a construção de uma perspectiva de desenvolvimento regional democrático, participativo e claramente progressista, capaz de enfrentar o atraso secular e elitista que vem marcando a nossa região. Infelizmente e esta deverá ser a conclusão deste artigo, esta oportunidade de gestão de políticas públicas vem sendo ou deturpada ou simplesmente deixada de lado por parte dos gestores capazes da construção de tais políticas, o que poderá redundar em novas dificuldades e “barreiras” para a construção de um futuro que realmente signifique melhoria da qualidade de vida da população do Norte Fluminense. O PENSAMENTO MARXISTA E A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Vivemos sem dúvida alguma, no Brasil e no mundo, um recrudescimento do pensamento conservador e mais precisamente uma nova defesa do chamado pensamento “neoliberal”. No entanto, é exatamente como contraponto a essa predominância conservadora que defendemos aqui a necessidade da defesa de políticas públicas que sempre foram identificadas com a social-democracia, pois, como defende Navarro (2016), a derrocada dos partidos social-democratas na Europa (e de certa forma, por extensão, diríamos nós, a atual derrota do governo petista que comandava a política nacional desde 2002) se deve muito mais ao abandono da perspectiva social-democrata: Esta é uma realidade bem documentada: a partir dos anos de Tony Blair e companhia - embora alguns poderão dizer que começou já com François Mitterrand –, houve um claro abandono do projeto social-democrata. O socialismo era, e continua sendo, o projeto de estabelecer uma sociedade cujo objetivo é distribuir os recursos segundo a necessidade dos cidadãos, financiados segundo a habilidade e capacidade de cada cidadão, sendo necessidade, habilidade e capacidade definidas democraticamente. Este objetivo ainda está vigente e é aplicável atualmente. (p. 05) Em suma, ao contrário da perspectiva supostamente “revolucionária”, o que se defende aqui é a permanente perspectiva de retomada “do debate sobre as grandes visões teóricas e utópicas”, como já defendia Nosella (2000) citando Habermas “sobretudo os países ainda atrasados no desenvolvimento do Estado Social não têm nenhuma razão plausível para desviarem-se desse caminho” (p. 187). Nosella se referia aqui ao que Habermas definia como “fundamentalismo da grande recusa” que, na prática, tanto quanto o neoliberalismo “coveiro do Estado Social” acaba colocando em segundo plano o “Estado nas suas grandes decisões econômico-políticas” e acaba redundando em um “deserto de mera perplexidade”, que abre o caminho para “a irracionalidade e o perigo do autoritarismo”. Romper com esse “triste dualismo” é, em nossa opinião, exatamente a defesa de políticas públicas capazes de promover a cidadania e defender um desenvolvimento regional socialmente inclusivo e realmente democrático. O conceito de Estado - nação é fundamental para a compreensão da relação entre a análise marxista e as políticas públicas. Deve-se partir do entendimento de que a construção do conceito, além de traduzir uma perspectiva histórica, precisa ser analisado como “ processos dinâmicos que interagem continuamente com as práticas concretas de classes e grupos com as quais desempenham um jogo de influências mútuas” (REIS, 1998, p.69) Se a ideia de Estado-nação moderno está umbilicalmente ligada à constituição do poder da burguesia e à consolidação do próprio capitalismo, a crítica marxista inicial identifica que de forma alguma pode ser entendida como estando acima das classes sociais e torna-se, ao contrário, nas palavras de Marx “um instrumento da violência concentrada e organizada da sociedade burguesa” (apud SEMERARO, 2011, p.468) No entanto, o próprio desenvolvimento da teoria marxista, inserida no intenso debate a partir da teoria e da prática dos bolcheviques a partir da Revolução Russa de 1917, iria levar à necessidade de se pensar e também discutir a forma como isto deveria ser feito, em uma “ampliação” tanto do conceito marxista de Estado quanto da própria natureza da sociedade socialista que estava nascendo (COUTINHO, 1987). Segundo Semeraro (2011), será Gramsci quem, a partir das contribuições de Rousseau e de Hegel, irá consolidar essa ampliação, construindo uma noção totalmente original da concepção de Estado, construindo uma nova visão marxista, capaz de servir de base para práticas sociais e políticas amplamente compatíveis, segundo o autor com a realidade brasileira. Partindo do pressuposto que Gramsci (1999) percebe ser impossível “separar Estado e sociedade civil”, ele defende que o pensador italiano: Deixa claro que o Estado não pode ser idealizado como o ponto final de um processo racionalmente progressivo, porque depende sempre da imponderável capacidade política de concretos sujeitos históricos e, por outro lado, que a sociedade civil, além de suas atividades econômicas, pode se tornar um fator de subjetivação política dos setores populares com suas criações culturais, suas lutas sociais e suas livres organizações. (p.473) Assim, ele irá defender uma concepção de luta de classes, que se mostra completamente atual, onde os “subalternos” precisam continuar a luta pela construção da “uma hegemonia apenas cultural e política, mas também econômica e institucional, imprimindo uma configuração de Estado que não seja autoritária e elitista” (SEMERARO, 2011, p.475). Portanto, a visão aqui defendida é, exatamente no momento em que vivemos, que é preciso conceber e construir essa perspectiva de política pública, que entende ser possível a luta por um Estado baseado na democracia participativa e “permanentemente avaliado e recriado pela vontade coletiva ativa e participativa” (SEMERARO, 2011, p.477), pois na verdade: Daí que a saída da grande crise em que ainda estamos imersos passe por uma reversão de tais políticas, ampliando os rendimentos do trabalho às custas do capital. Esta é a grande contribuição de Kalecki (pensador polonês, de tradição marxista, defendido como fundamental na análise feita pelo autor no artigo do qual foi retirada a presente citação), que mostra não só o que está acontecendo como também por onde as forças progressistas deveriam orientar suas propostas de saída desta crise. Elas requerem uma grande mudança nas correlações de força Capital-Trabalho em cada país. Se não se fala muito disso, é porque as forças conservadoras dominam o mundo do pensamento econômico e não permitem a exposição de visões alternativas(NAVARRO, 2016, p.2). LUKÁCS E A CONCEPÇÃO DA ARTE “EMANCIPATÓRIA” Qualquer listagem a ser feita com a indicação ou comentários sobre os principais pensadores da Teoria Marxista, o nome de Georg Lukács indiscutivelmente estará fazendo parte. Intelectual de notável e precoce carreira antes mesmo de tornar-se marxista, o filósofo húngaro construirá ao longo do século XX uma relação com a obra marxiana que pode ser considerada uma síntese da trajetória do próprio marxismo ao longo deste “breve” século, tendo considerado como o seu final a própria extinção da União Soviética, em 1991 (HOBSBAWM, 1995). Nascido no seio de uma abastada família burguesa e com sólida formação humanística, onde conviveu com influentes pensadores europeus da cultura germânica, em que se destacavam Weber, Simmel, Ernst Bloch e Mannheim, entre outros. Desde cedo, teve sua atenção atraída para o campo das artes e da crítica literária e, aos 25 anos, já publicava a sua primeira obra de destaque “ A Alma e as Formas” de influência claramente kantiana que, em conjunto com a publicação de “A Teoria do Romance”, já com viés hegeliano, lhe conferiram prestígio e reconhecimento de grande parte da intelligentsia européia. No entanto, abalado com os reflexos de eclosão da Primeira Guerra Mundial, a partir de 1914, e influenciado diretamente pela Revolução Russa de 1917, Lukács se converte ao marxismo e, em 1918, ingressa nas fileiras do Partido Comunista Húngaro, para, em 1923, publicar “História e Consciência de Classe”, obra que apesar de ter sido “renegada” posteriormente pelo próprio autor, até hoje é considerada uma das maiores obras do pensamento marxista, tendo influenciado diretamente autores como Adorno, Walter Benjamim, o próprio Mannheim, Sartre e LucienGoldmann. Lukács sempre misturou dentro das suas possibilidades a sua ação política com a atividade de escritor e crítico literário. Em meio a perseguições políticas e diante da rejeição de “História e Consciência de Classe” por parte do Komintern, por considera-la “idealista” na sua essência, Lukács se encontra em Moscou, em pleno anos 30, meio “esquecido” pelo Marxismo oficial e dentro do período que ficaria tristemente conhecido como “o processo de Moscou”, onde o stalinismo consolidou o seu poder por meio da perseguição, tortura, exílio e morte de todos aqueles considerados “inimigos da classe operário e do povo”. Deslocado para funções meramente burocráticas, Lukács vai entrar em contato, dentro do Instituto Marx-Engels com todo um acervo original desses autores, que até então se encontravam inéditos, notadamente os “Grundrisse” e os “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”. Tal descoberta iria modificar e transformar radicalmente toda a concepção intelectual da obra lukaseana (LUCAKS, 2002). Os estudos que Lukácsconsagra, já no campo marxiano, à estética e aos princípios humanizadores da atividade artística e literária constituíram o ponto alto de sua produção nos anos 1930 e nas décadas 1940 e 1950. São eles que o ajudam a tergiversar a brutalidade do terreno puro da política e a tensa relação que passa a estabelecer com as orientações partidárias (PINASSI; LESSA, 2002, p.187). Esse movimento em relação à estética e à arte acabam produzindo dois efeitos fundamentais para a trajetória do marxismo: primeiro, seus estudos acabam contribuindo, juntamente com Gramsci, entre outros, para literalmente superar a concepção onde a chamada “superestrutura” é mero “reflexo” de uma base determinante pois: Se tivermos nos referindo ao sentido amplo das forças produtivas, examinaremos toda a questão da base de forma diferente, e estaremos então menos tentados a descartar como superestruturais e, nesse sentido, como meramente secundárias, certas forças produtivas sociais vitais que são, desde o início, no sentido amplo, básicas (WILLIANS, 2011, p.49). Além disso, ao compreender a necessidade de entender a Estética a partir de uma noção de totalidade, tal como apresentado por Williams, é que Lukács percebe a necessidade da construção teórica da Filosofia como um “renascimento do marxismo”, que só seria possível a partir do estabelecimento da “determinação histórico-concreta do modo de ser e de reproduzir-se do ser social” (LUKÁCS, 2012, p.16 apud PAULO NETTO, 2016). Assim, a partir da sua “Estética”, nasce a “Ontologia do Ser Social” que define como categorias indissociáveis do homem o trabalho, a linguagem, a cooperação e a divisão social do trabalho, entendidas como formas privilegiadas da sociabilidade humana, que dão origem à formas mais complexas do ser social, que formam a Ideologia, cujas formas mais específicas são o direito, a política, que resultam em uma atuação mais direta na “práxis social” e em uma forma mais mediatizada e mais “elevada” , a filosofia e a arte. Segundo Albinati (2014), Lukács, ao referir-se à arte como “pioneira da generidade para si”, aponta para o papel do que o estético é capaz de proporcionar à “consciência do indivíduo diante da sua situação particular”, ou seja, ainda que a catarse possível de se vivenciar por meio da arte, ela não infere efeitos diretos na prática cotidiana do receptor, porém, é capaz de produzir uma “revelação de novas possibilidades de se compreender no mundo” (ALBINATI, 2014. P.266). Porém, é nesse sentido que a arte adquire o papel de gerar, no indivíduo, a sua própria concepção do real, como descreve o filósofo italiano Gramsci em que, “a compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real” (GRAMSCI, 1999. P. 103). A arte do realismo crítico defendida por Lukács não é uma escola nem tão pouco um estilo, é o procedimento com relação a como a realidade se constitui, é um procedimento, é histórico, mas não é datado. O realismo é uma trajetória de autoconhecimento do homem, onde o artista examina e apreende as possibilidades significativas da realidade, tomando posição perante essa realidade que se traduz na seleção e reordenamento dos elementos que compõem a obra de arte. Na relação entre criador e receptor, considerando a capacidade comunicativa e evocativa da obra de arte, é que se dão as possibilidades de autoconstituição do humano elevado a uma consciência crítica da realidade que o cerca o tornando capaz de sair do “‘homem inteiro’ da cotidianeidade ao ‘homem inteiramente’” (ALBINATI, 2014. p. 267). A CULTURA E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL A partir dessa concepção de arte capaz de construir no gênero humano uma generalidade para si e, portanto, como na concepção lukacsiana, a arte como um potencial desalienador, e entendendo que a formação do homem é fruto da sua própria prática, podemos entender a real possibilidade dessa visão da arte como sendo capaz de construir uma noção de cultura como práxis social, permeando assim uma das formas pelas quais os indivíduos atuam socialmente. Como seriam as políticas culturais a serem propostas e construídas com base nos princípios aqui defendidos? O ponto de partida certamente tem a visão que Lukács sempre defendeu, que os agentes da transformação social a ser construída em substituição ao capitalismo, o proletariado, não seriam os portadores de um novo tipo de arte, mas sim herdeiros do que há de melhor no mundo artístico burguês (FREDERICO, 2016). Desta forma, contribuir para uma sólida formação humanística e cultural deve ser claramente a intenção de uma política cultural comprometida com a perspectiva de construção de uma nova sociedade. Celso Furtado, economista de renome internacional, que também exerceu o cargo de Ministro da Cultura, há muito defendia que avançar na riqueza material nem sempre significava melhoria da qualidade de vida (FURTADO, 2000, p. 69). Mais do que isso, ele mostrava a importância de se dirigir o olhar para as parcelas da população que apesar de melhoras na condição de vida material “continuavam presas a padrões culturais estreitos, reprodutores da mesma estratificação social do passado” (FURTADO, 2000, p. 69). Assim, chamando atenção para a importância do ponto de vista cultural, mostrava que a cultura devia ser tratada não apenas como um processo acumulativo, mas como um sistema, pois, em países dependentes economicamente como o Brasil, o desenvolvimento das condições de vida material apresentam um custo cultural expressamente significativo. Essa é a razão pela qual a politica cultural é particularmente necessária nas sociedades, em que o fluxo de novos bens culturais possui grande autonomia com respeito ao próprio sistema de cultura, cuja coerência é permanentemente submetida à prova. Daí a importância do conceito de identidade cultural, que enfeixa a ideia de manter em nosso passado uma relação enriquecedora do presente. [...]. Somente uma clara percepção da identidade pode instilar sentido e direção a nosso esforço permanente de renovação do presente e construção do futuro (FURTADO, 2000, p, 72). Sendo assim, políticas culturais comprometidas com o Desenvolvimento Regional hão de estar incorporadas à necessidade da construção de uma identidade cultural como caminho para esse desenvolvimento, ou seja, uma concepção que traduza o entendimento de que o pleno desenvolvimento só é possível com a construção desta identidade por parte da população. Como defende Brizuela(2010), durante grande parte do século passado, a cultura foi entendida como obstáculo ao desenvolvimento. E determinadas manifestações culturais eram vistas como “símbolos do atraso”. No entanto, um novo paradigma com base na qualidade de vida, na participação cidadã e em uma nova percepção ecológica vem transformando a cultura em um “fator primordial” de um novo modelo de sociedade baseada na construção de “uma consciência social auto perceptiva”, o que implica necessariamente em um novo patamar de participação e envolvimento da população nas proposições, nos debates e no acompanhamento efetivo da implementação dessas políticas públicas. Definitivamente, não é mais possível conceber uma cultura como uma simples alegoria ou como apenas um momento de descontração. Diante destas premissas, resta-nos buscar refletir quais características apresentam essas políticas culturais nos municípios do Norte Fluminense que, nas últimas décadas, chamaram atenção pelo notável crescimento das suas receitas orçamentárias. A “AUSÊNCIA” DA CULTURA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO NORTE FLUMINENSE A Região Norte Fluminense abrange os municípios de Campos dos Goytacazes, Carapebus, Cardoso Moreira, Conceição de Macabu, Macaé, Quissamã, São Fidélis, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra, conforme pode ser observado no mapa a seguir: Figura 1 - Mapa do Estado do Rio de Janeiro com as Regiões de Governo e Municípios Fonte: TCE-RJ (2016). Disponível em: < www.tce.rj.gov.br>. Acesso em: 12 ago 2016. Dentre os municípios que compõem os 17 estados beneficiados pela Lei n° 9478, de 6 de agosto de 1997, conhecida como a Lei do Petróleo no Brasil, cinco foram considerados os municípios ricos do petróleo; seguindo a ordem decrescente são: Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras, Cabo Frio e Quissamã. Dentre estes, três estão localizados na Região Norte Fluminense, como visto no mapa acima, e encontram-se em áreas limítrofes dos poços de exploração continental (offshore) da Bacia de Campos, no Estado do Rio de Janeiro. Esta etapa do trabalho apresenta os dados de investimentos e gastos públicos municipais referentes ao setor cultural desses três municípios, confrontando com os valores de royalties recebidos no período de 2005 a 2015, considerando que, pelo fato de tais municípios apresentarem um orçamento privilegiado como consequência dos royalties petrolíferos, justificar-se-ia um considerável investimento nas políticas públicas de cultura com vistas a uma dimensão pública, uma presença social que redundasse em forte desenvolvimento regional. A partir das análises conceituais sobre o papel da cultura no âmbito do desenvolvimento regional abordadas na primeira parte deste artigo, consideraremos as políticas culturais implementadas e seus efeitos sobre a produção ou não de um desenvolvimento na região. Segundo os dados apresentados pelo TCE, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da Região Norte Fluminense pode ser observado no Gráfico abaixo: Gráfico 1 - Evolução do PIB per capita da Região Norte Fluminense em milhões de 2010 a 2013 Fonte: TCE-RJ (2016). Disponível em: < www.tce.rj.gov.br>. Acesso em: 12 ago 2016. Tabela 1 - Receitas totais e per capita, referentes a 2014, dos Municípios da Região Norte Fluminense, com indicadores relacionados às suas posições em relação aos demais municípios do Estado do Rio de Janeiro MUNICÍPIO RECEITA TOTAL (R$ MILHÕES) RANKING DA RECEITA TOTAL RECEITA PER CAPITA (R$ MILHÕES) RANKINGDA RECEITA TOTAL PER CAPITA Campos dos Goytacazes 2.756 1 5.734,11 14 Macaé 2.298 2 10.008,54 4 São João da Barra 426 19 12.420,13 1 Quissamã 251 28 11.292,27 2 São Francisco de Itabapoana 110 50 2.654,55 65 Carapebus 101 53 6.847,24 8 São Fidélis 89 54 2.366,74 74 Conceição de Macabu 67 65 3.061,30 52 Cardoso Moreira 56 74 4.441,17 27 Fonte: TCE-RJ (2016). Disponível em: < www.tce.rj.gov.br>. Acesso em: 12 ago 2016 A receita total do Município de Campos dos Goytacazes foi de R$ 2.756 milhões em 2014, a 1ª do estado (em comparação que não inclui a capital); a do Município de Macaé contou com R$ 2.298 milhões, representando a 2ª posição do Estado; já a do Município de Quissamã foi de R$ 251 milhões, ocupando a 28ª. Em consequência da posição em que se enquadra o Município de São João da Barra, que obteve uma receita de R$ 426 milhões em 2014, colocando-o em 19ª posição em relação à totalidade dos municípios do Estado do Rio de Janeiro, incluiremos este município, por essa relevância, aos dados comparativos aqui realizados, por serem estes os quatro municípios da Região Norte Fluminense a apresentarem as maiores receitas econômicas. A relevância de observarmos, dentre tais receitas, a correspondência destas ao volume de recebimentos em royalties e participações especiais consiste na condição de compreendermos a dependência de tais orçamentos destes benefícios. Para tanto, apresentaremos abaixo os dados referentes aos royalties petrolíferos. Tabela 2 - Royalties e Participações Especiais, Receita orçamentária dos Municípios de Campos dos Goytacazes, Macaé, Quissamã e São João da Barra no período de 2005 a 2015 CAMPOS DOS GOYTACAZES MACAÉ QUISSAMÃ SÃO JOÃO DA BARRA Ano Royalties (R$milhões) Receita Orçamentária (R$milhões) Royalties (R$milhões) Receita Orçamentária (R$milhões) Royalties (R$milhões) Receita Orçamentária (R$milhões) Royalties (R$milhões) Receita Orçamentária (R$milhões) 2005 678 940 346 664 72 122 44 72 2006 852 1.249 408 801 91 135 54 85 2007 780 N/D 353 885 214 187 45 89 2008 1.168 N/D 501 1.150 146 227 161 198 2009 993 1.423 387 1.113 90 168 168 N/D 2010 1.016 1.867 410 1.356 90 N/D 203 N/D 2011 1.235 2.044 482 1.604 94 212 251 339 2012 1.354 2.403 538 1.980 106 N/D 233 N/D 2013 1.303 N/D 516 N/D 94 N/D 228 N/D 2014 1.208 N/D 542 N/D 95 N/D 237 N/D 2015 618 N/D 343 N/D 54 N/D 159 N/D Fonte: Rocha, a partir de dados fornecidos no Info Royalties (2016). Conforme podemos visualizar na Tabela 3, os municípios desta análise obtiveram, nos anos de 2011 a 2014, os maiores volumes de recebimentos de royalties e participações especiais em seu orçamento. A diminuição da arrecadação dos royalties do petróleo, reflexo da queda do barril do petróleo em âmbito mundial, representou uma grande baixa no orçamento destes municípios no ano de 2015. Enfrenta-se, ainda, o debate produzido pelas propostas de alterações promovidas pela Lei nº 12.734/2012 na distribuição dos royalties e das participações especiais em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos entre os entes federados brasileiros, suspensas por medida cautelar por decisão monocrática na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 4917. Dentre os municípios mais afetados, encontra-se o de Campos dos Goytacazes que, entre os anos de 2014 e 2015, teve tais recebimentos reduzidos em aproximadamente 50%, o que provocou uma grande restrição de investimentos públicos em benefícios para a população. Vale ressaltar que a legislação que rege a aplicação dos recursos advindos dos royalties e de participações especiais deve se dar somente em gastos que representem investimentos sustentáveis para o ente da Federação, já que esses recursos representam uma indenização pelos incômodos suportados pela população em face das atividades de exploração petrolífera. E por representarem recursos de caráter finito e sazonal, a aplicação destes recursos deveria, de forma responsável e consciente, gerar desenvolvimento e fontes de sustentabilidade para os municípios. Entretanto, estamos diante de um debate que aponta para uma alta dependência por parte da máquina administrativa de recursos que, por lei, não pertencem mais ao Estado e seus municípios. O Município de Campos dos Goytacazes, segundo as informações do Tribunal de Contas do Estado (TCE), no ano de 2014, teve 85,0% de suas receitas comprometidas com o custeio da máquina administrativa. Sua autonomia financeira foi de 11,4%, e seu esforço tributário alcançou 8,7% da receita total. Macaé, que teve sua receita total de R$ 2.298 milhões em 2014, a 2ª do estado, apresentou um comprometimento de suas receitas com a máquina administrativa de 81%, e em relação às receitas vinculadas ao petróleo, o Município teve nelas 25% de sua receita total. Já o Município de Quissamã possui 99% de suas receitas totais aplicadas com o custeio da máquina administrativa. Sua dependência das receitas vinculadas ao petróleo chega a 40% de sua receita total. Da mesma forma, o Município de São João da Barra comprometeu suas receitas em 99% com o custeio da máquina administrativa. Em relação às receitas vinculadas ao petróleo, o município teve nelas 59% de sua receita total. Na Tabela 3, a partir do TCE do Rio de Janeiro, apresentaremos os investimentos em cultura a partir da prestação de contas da Administração Financeira referente ao ano de 2013. Tabela 3 - Despesa empenhada em cultura no ano de 2013, nos Municípios de Campos dos Goytacazes, Macaé, Quissamã e São João da Barra CAMPOS DOS GOYTACAZES (R$ milhões) MACAÉ (R$ milhões) QUISSAMÃ (R$ milhões) SÃO JOÃO DA BARRA (R$ milhões) Investimento em cultura Percentual em relação à despesa total Investimento em cultura Percentual em relação à despesa total Investimento em cultura Percentual em relação à despesa total Investimento em cultura Percentual em relação à despesa total 28.574 1,24% 10.556 0,60% 4.500 1,85 N/D N/D Fonte: Rocha, a partir de dados fornecidos no TCE-RJ, Anexo 8 Consolidado – fls.3223/3246 (2016). A metodologia utilizada para mapearmos as atividades culturais destes municípios do Norte Fluminense baseou-se no levantamento apresentado a partir das informações do Mapa de Cultura (disponível em: ). Segundo os organizadores, o Mapa de Cultura do Estado do Rio de Janeiro é o primeiro passo para se preencher a lacuna de informações sobre a cultura tanto no interior fluminense como em áreas pouco conhecidas da Região Metropolitana. Dificuldades de informações que também temos constatado desde que elaboramos, por ocasião de nossa dissertação de mestrado em Planejamento Regional e Gestão da Cidade, o primeiro estrato da cultura no Município de Campos dos Goytacazes. Daí a importância de darmos continuidade a um debate significativo e ainda tão escasso em nossa região. Afinal, em que consiste a relevância da cultura para o desenvolvimento regional? Esta, portanto, constitui uma reflexão que ainda é merecedora de investimento e pesquisa, por entendermos que já não é cabível examinar o desenvolvimento de uma região apenas pelos dados de seu crescimento econômico, mas, sim, imergirmos em uma compreensão mais ampla de fatores sociais que afetam diretamente tal desenvolvimento, do qual a cultura é um elemento fundamental. A partir desses dados, foi possível elaborar um quadro comparativo entre os quatro municípios que compõem este estudo sobre as principais atividades culturais desenvolvidas por cada um destes municípios no ano de 2013, conforme apontado no Mapa de Cultura. O objetivo dessa ação foi visualizar como um órgão oficial do Estado do Rio de Janeiro “entende” o mapeamento da cultura destes municípios e como estabelecem como relevantes as suas atividades culturais. As categorias utilizadas para a classificação das atividades culturais registradas no Mapa de Cultura são descritas como: Agenda Fixa, Destaques, Espaços Culturais, Gente, Outras Atrações, Patrimônio Imaterial e Patrimônio Material. Tais categorias são mantidas igualmente para todos os municípios pesquisados. Neste estudo, apresentamos os dados estatísticos, que foram elencados pelo levantamento do Mapa de Cultura; no entanto, é necessário ressaltar que, ao analisarmos a classificação das categorias dessas atividades culturais, encontramos algumas incoerências na definição das mesmas, como, por exemplo: a categoria “Gente” refere-se tanto a Dib Hauaji, como o fotógrafo oficial dos prefeitos de Campos dos Goytacazes desde 1960, conhecido como o maior veterano na profissão na cidade e que tornou-se referência no trabalho de cobertura de eventos, como a Ilzimar Bandeira Rodrigues, que, como professor de Desenho e cineasta, reúne alunos em um projeto por ele coordenado denominado Projeto 127, no qual os alunos visitam regiões do Município de Macaé, captando imagens, sons, histórias, onde, no processo de aprendizagem de Desenho, desenvolvem todas as etapas de produção de filmes a partir do conhecimento de sua região. Por meio do trabalho de criação artística, visam, como resultado final, à produção do cinema. Estes são apenas dois dos diversos exemplos de como os critérios que envolveram a classificação das categorias de cultura na confecção do Mapa de Cultura merecem um estudo mais apurado em trabalhos futuros. Tabela 4. Atividades culturais desenvolvidas nos Municípios de Campos dos Goytacazes, Macaé, Quissamã e São João da Barra a partir do Mapa de Cultura Campos dos Goytacazes Macaé Quissamã São João da Barra Agenda Fixa 13 11 3 11 Espaços Culturais 17 15 7 9 Patrimônio Imaterial 6 3 1 2 Patrimônio Material 7 7 17 3 Destaques 12 13 3 8 Gente 22 10 2 13 Outras Atrações 3 7 5 7 Fonte: Rocha, a partir de dados disponíveis em: . (2016) Em relação ao Município de Campos dos Goytacazes, vale destacar, já que é o município que possui o maior orçamento dentre os quatro estudados, cuja Lei Municipal nº 8612, de 30 de dezembro de 2014 aprovou um orçamento para o ano de 2015, no qual o setor cultural sofreu uma queda nos investimentos como podemos visualizar na Tabela 5, apresentando uma concentração destes recursos alocados em apenas um órgão gestor, a saber,a Fundação Jornalista Oswaldo Lima, de onde partem todas as ações políticas de cultura no município. Tabela 5 - Orçamento do Município de Campos dos Goytacazes para o exercício de 2015 Secretaria de Educação, Cultura e Esportes R$ 303.486.900,00 Fundação Jornalista Oswaldo Lima R$ 7.029.000,00 Fundo Municipal de Cultura R$ 116.600,00 Fonte: Rocha (2016), A partir de dados disponíveis em: . A Gestão de Cultura que, até 2013, tinha como órgãos gestores a Secretaria Municipal de Cultura e as Fundações Trianon, Fundação Jornalista Oswaldo Lima e Fundação Zumbi dos Palmares, a partir da extinção da Secretaria de Cultura, em 2013, passou a contar apenas com um único órgão gestor: a Fundação Jornalista Oswaldo Lima, onde se concentraram todos os recursos para a cultura, para a qual, no exercício de 2015, foram estimados R$ 7.029.000,00 (Fonte: https://leismunicipais.com.br/a/rj/c/campos-dos-goytacazes/lei-ordinaria/2014/861/8612/lei-ordinaria-n-8612-2014-estima-a-receita-e-fixa-a-despesa-do-municipio-de-campos-dos-goytacazes-para-o-exercicio-financeiro-de-2015-r-2137-710-200-00). A Secretaria de Cultura viria, a partir de então, a “integrar-se” à Secretaria de Educação e Esportes, que teve seu orçamento estimado, para 2015, no valor de R$ 303.486.900,00, porém sem especificações sobre o percentual que caberia aos setores de Educação, Cultura e Esportes. O Fundo Municipal de Cultura de Campos dos Goitacazes que, para o ano de 2015, contou com o orçamento de R$ 116.600,00 (Fonte: https://leismunicipais.com.br/a/rj/c/campos-dos-goytacazes/lei-ordinaria/2014/861/8612/lei-ordinaria-n-8612-2014-estima-a-receita-e-fixa-a-despesa-do-municipio-de-campos-dos-goytacazes-para-o-exercicio-financeiro-de-2015-r-2137-710-200-00) também foi submetido ao gerenciamento da Superintendência Jornalista Oswaldo Lima. O caso específico do Município de Campos dos Goytacazes, conforme analisamos em estudos anteriores (ROCHA, 2015), demonstrou uma concentração de atividades culturais no setor musical, mais especificamente na atividade de shows, em sua maioria os de maior volume orçamentário para músicos consagrados pela mídia e atividades “menores” para músicos locais. Esta realidade, embora não esteja claramente especificada como atividade permanente no Mapa de Cultura, tem uma “permanência” na configuração de uma prática nas políticas públicas destes municípios, principalmente nos períodos de verão, já que estes municípios possuem um litoral que concentra, nesse período, um maior número de veranistas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Desenvolvimento Regional do Norte Fluminense em virtude do seu potencial econômico resultante, principalmente, do seu orçamento privilegiado no que se refere aos recebimentos dos royalties petrolíferos, já há muito tem sido tema de inúmeros debates. As reflexões que apresentamos neste sucinto trabalho se harmonizam com o que Dowbor afirma: “o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, e nem para quem”, e nos permitem constatar que, embora estes municípios tenham gerado expectativas de crescimento, não apenas de “riqueza” mas com maior igualdade social, os resultados demonstram que a forma com que a cultura foi e é gerenciada pelas políticas públicas parecem apontar com clareza os aspectos que permeiam o entendimento de desenvolvimento na forma que tais recursos são administrados. A cultura como uma plataforma de política pública comprometida com o desenvolvimento deveria, como apresentamos à luz de Lukács, ser entendida como um potencial que pode realmente apontar para uma sociedade de novo tipo. Acreditar nas concepções de políticas públicas e na perspectiva de Desenvolvimento Regional aqui defendida nos parece ser ainda o caminho a seguir, apesar dos tempos difíceis que se avizinham pela frente. Afinal, como há muito já nos mostrava Vianninha, nas palavras de Manguari Pistolão, em Rasga Coração: “Revolução já foi uma coisa pirotécnica, agora é todo dia, lá no mundo, ardendo, usando as palavras, os gestos, os costumes, a esperança desse mundo [...]” (p.132) The art as critical vision, culture and public policies: A big “absence” in the regional development perspectives for the North Fluminense ABSTRACT The relationship between culture and regional development has been little explored, both theoretically and in the bias of the construction of public policies. At the same time, culture has also been historically "neglected" in the Marxist analysis of the conjuncture and in the proposals for social transformation that, based on this paradigm, seek to face the current advance of conservative thinking. Starting from György Lukács' art vision, this article intends to show how it can be a cultural perspective as a public policy able to build a conception of democratic and participatory regional development, created from the collective will and the initiative of the popular sectors. Based on the Northern Fluminense and its "petrorrentistas" municipalities, this article concludes, however, showing some indicators of how its managers have lost the opportunity to leverage, through culture, a bridge to the construction of the effective improvement of the life of the Its population, but still remains the only carrier of the possibility of social change. KEY WORDS: Lukács. Marxism. Culture. Public policy. Regional development. Northern Fluminense. 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Correspondência: Nelson Crespo Pinto Pimentel R. Dr. Siqueira, 273 - Parque Tamandaré, Campos dos Goitacazes, RJ. Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença CreativeCommons-Atribuição 4.0 Internacional.